Poderosa safra de filmes estrangeiros e longas documentais busca vaga no Oscar

Por Maria do Rosário Caetano

Trinta filmes disputam dez vagas nas categorias melhor produção internacional e melhor longa documental, na cerimônia de premiação do Oscar 2021, o primeiro em tempos de pandemia. A festa acontecerá no dia 25 de abril. Os finalistas, nas mais diversas categorias, serão conhecidos no dia 15 de março.

Até lá, a pedida é buscar nas plataformas de streaming (ver listas abaixo) alguns dos 30 títulos pré-selecionados entre centenas de inscritos. Em nome da precisão, há que se depurar o dado: são 28 filmes, já que dois deles – o chileno “O Agente Duplo” e o romeno “Collective” – concorrem a melhor documentário e a melhor produção internacional. Ou seja, tentam repetir o feito do macedônio “Honeyland”, de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, finalista nas duas categorias, ano passado.

Os cinéfilos brasileiros conhecem alguns dos 15 pré-selecionados nas categorias filme internacional e documentário, já que foram exibidos em festivais como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Festival É Tudo Verdade, ambos on-line. Da programação da Mostra destacam-se “Crianças do Sol”, do iraniano Majid Majidi, “La Lhorona”, do guatemalteco Jayro Bustamante, “Charlatão”, da polonesa Agniezka Holland, e “Druk – Mais uma Rodada”, do dinamarquês Thomas Vinterberg.

No Festival de Documentário de São Paulo, foram exibidos “Collective” (prêmio de melhor filme internacional) e “O Agente Duplo” (com o nome de “O Espião”), que recebeu prêmio especial.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood vem tentando, nos últimos anos, democratizar a distribuição das estatuetas do Oscar. Ou seja, envida tardios esforços para quebrar a hegemonia histórica e absoluta de realizadores e produtores wasp (brancos, anglo-saxões e protestantes). Por isso, a instituição vem apostando na ampliação de seus quadros associativos pelos cinco continentes, buscando aumentar a representação de mulheres, asiáticos, indígenas e negros (afro-americanos ou oriundos de países da África).

“Druk – Mais Uma Rodada”, de Thomas Vinterberg

Este ano, entre os 15 pré-selecionados na categoria filme internacional, há dois africanos: o tunisiano “O Homem que Vendeu sua Pele”, da diretora Kaouther Ben Hania, e “A Noite dos Reis”, de Philippe Lacôte. O primeiro, que causou sensação nas Jornadas de Cartago, um dos maiores festivais da África, tem a ver com o mundo árabe, especificamente, com refugiados sírios. No elenco, Yahya Mahani, Wedia Elian e a estrela italiana Monica Belucci. Já o filme de Lacôte, realizador negro, que se divide entre a Costa do Marfim e a França, constrói-se como um drama fantástico, ambientado na prisão de La Maca, liderada pelo velho e já debilitado Barba Negra. Ele incumbe um jovem prisioneiro de desempenhar o papel de “roman” (contador de histórias) para acalmar e encantar, em noite de lua vermelha, os encarcerados.

A América Latina começa a inscrever, com relativa força, seu cinema nas disputas do Oscar. Depois dos triunfos do quarteto mexicano formado com Cuáron-Del Toro-Iñarritu-Lubezki, das vitórias da Argentina (dois Oscar de filme estrangeiro) e do Chile (“Uma Mulher Fantástica”), a Academia parece atenta à produção do subcontinente. Entre os 15 pré-indicados, além de “O Agente Duplo” e do guatemalteco “La Llorona”, houve espaço para o mexicano “Ya No Estoy Aqui”. Este filme de Fernando Frías de la Parra é um drama social que mistura violência de gangues a um gênero musical derivado da cumbia. No centro da narrativa, Ulisses, jovem de 17 anos, que deixa sua Monterrey e adentra, como ilegal, o território dos EUA.

A Europa, claro, tem fortes representantes na competição: a França, com “Nós Duas”, a Romênia, com “Collective”, a Rússia, com “Queridos Camaradas”, a Bosnia-Herzegoniva, com “Quo Vaids, Aida?”, a Noruega, com “Hope”, e a República Tcheca, com “Charlatão” (estes dois, dirigidos por mulheres – a norueguesa Maria Sodahl e a polonesa Agniezka Holland). O filme de Agniezka, um drama histórico sobre curandeiro que confrontou a racionalidade científica de seu tempo, não é dos melhores. Havia candidatos bem mais qualificados para ocupar a vaga que coube a ela.

“O Agente Duplo”, de Maite Alberti

Entre os títulos europeus, um – “Druk, Mais uma Rodada” – desponta como um dos favoritos, por contar com trunfos inquestionáveis. A começar por seu protagonista, o excelente ator Mads Mikkelsen, hoje nome reconhecido internacionalmente (inclusive nos EUA). Há, ainda, o prestígio de seu diretor, Thomas Vinterberg, discreto parceiro de Lars von Trier no manifesto Dogma 95. E, acima de tudo, há que destacar-se que “Druk” é um filme de originalidade aliciante. Um drama, com momentos hilários (em especial, as citações ao britânico Churchill), sobre um dos temas mais complicados da história do cinema – a embriaguez levada ao paroxismo. Com direito a sequência de dança das mais contagiosas e envolventes. Antes de tornar-se astro das telas, Mikkelsen foi bailarino.

A França, que divide com a Itália a condição de recordista na categoria Oscar estrangeiro, emplacou “Deux” (“Nós Duas”), de Filippo Meneghetti. À frente do elenco, a veterana alemã Barbara Sukowa, que vive paixão homoafetiva com Martine Chevalier. Um amor escondido por duas mulheres idosas.

A Ásia cravou duas vagas, ambas “chinesas”. Mas nenhuma delas destacou o cinema da imensa China “comunista”. Os escolhidos foram Taiwan, a China insular, com o drama “A Sun” (“Um Sol”), de Chung Mong-hong, e “Better Days”, de Derek Tsang, de Hong-Kong. Embora a ex-colônia britânica tenha sido devolvida à China em 1997, a Academia de Hollywood continua a reconhecê-la como um país à parte.

O filme de Taiwan aborda tema – a família – que deu origem a títulos inolvidáveis (como esquecer obras-primas da grandeza de “As Coisas Simples da Vida”, de Edward Yang?). Em “A Sun”, a vida de uma família é transformada depois da prisão do filho caçula, à qual se somará tragédia devastadora. “Better Days”, baseado em romance best-seller (“In his Youth, In her Beauty”), soma amores juvenis e crime.

Dois filmes pré-selecionados pela Academia merecem destaque especial: o iraniano “Crianças do Sol” e o guatemalteco “La Lhorona”. O filme de Majid Majidi, que participou do Festival de Veneza (prêmio de ator revelação para o adolescente Rouhollah Zamani) e levou dois prêmios da Mostra SP, é cinema popular da melhor qualidade. Ao somar dramas de crianças pobres com filme de aventura (caça ao tesouro), Majidi constrói roteiro de fina ouriversaria. Uma aula de como cativar o espectador, sem apelar para sentimentalismos ou trilhas musicais onipresentes e aliciantes. Merece vaga entre os cinco finalistas.

“Crianças do Sol”, de Majid Majidi

A presença de “La Lorona”, um filme da pequena Guatemala, entre os 15 semifinalistas, é um feito notável. O jovem Jayro Bustamante chamou atenção com seu primeiro longa, “Ixcanul”, premiado em Berlim. Depois, realizou dois filmes, exibidos ambos na Mostra SP, num mesmo ano: “La Llorona” e “Tremblores”. Ambos dialogam com o cinema de horror. Mas a quilômetros-luz do trash, dos excessos, da bizarrice. O que interessa ao conterrâneo de Miguel Ángel Astúrias (1899-1974) é usar tradições arraigadas no imaginário popular (a mãe-chorona, que verte lágrimas infinitas pelos filhos perdidos tragicamente) para refletir sobre a tragédia histórico-política de seu país, vítima de sangrenta ditadura.

No terreno do longa documental, os EUA são, ainda, a força hegemônica entre os concorrentes. Mas Chile, China, Itália e Romênia conseguiram abrir frestas para outras geografias.

A presença chilena é a mais singular. Há quem ache difícil aceitar “O Agente Duplo” como um filme documental. Sua diretora, Maite Alberti, admite que, ao infiltrar um velhinho numa casa de repouso, cometeu uma micro-falta ética. Não contou aos dirigentes da instituição que ele, o infiltrado, além de protagonizar o filme, estava incumbido de averiguar se determinada anciã, ali albergada, vinha sofrendo maus tratos. Todos, na casa geriátrica, sabiam que a jovem diretora chilena realizaria ali um filme, mas desconheciam o papel do “agente duplo”.

Rompendo, intencionalmente, as fronteiras entre o cinema documental e o ficcional, Maite Alberti realizou “um híbrido” encantador. Por onde o filme passa, a todos seduz. E sua produção não causou prejuízos a ninguém. Por algumas semanas, a casa geriátrica viveu a alegria de participar de um filme, construído com pequenas intrigas. E, o que não é pouco, nos revelou um “detetive” de 83 anos, de jeito calmo, angelical e irresistível carisma. O filme está disponível no Globoplay e fez por merecer a dupla pré-indicação ao Oscar.

O candidato romeno – “Collective” – vem obtendo reconhecimento por onde passa. Conquistou o Prêmio Europeu de Cinema, na categoria documentário, venceu o É Tudo Verdade e é tido como um dos favoritos, senão o favorito, desse ano. Um bom filme, não se pode negar, mas superestimado. No centro da narrativa, está a equipe de jornalistas investigativos do jornal Gazeta dos Esportes. Sim, um veículo esportivo, que resolve investigar a morte de pessoas que conseguiram escapar de pavoroso incêndio numa casa noturna de Bucareste, para, em seguida, morrer no hospital, por contaminação. E por que? Porque uma empresa vendia produtos de desinfecção diluídos a ponto de não fazerem nenhum efeito. Ou seja, não eliminavam as fontes de contágio. As investigações revelaram fraudes, voltadas ao enriquecimento de magnatas e políticos.

A Itália tem “Notturno”, de Gianfranco Rossi, na lista dos 15 pré-selecionados. Em 2017, “Fogo ao Mar” (“Fuocoammare”), vencedor do Urso de Ouro em Berlim, foi finalista ao Oscar de melhor documentário. Dessa vez, Rosi não foca a tragédia dos imigrantes lançados ao mar e repudiados na costa italiana, mas sim as guerras no Oriente Médio, que vitimaram populações do Iraque, Curdistão, Líbano e Síria.

Três dos pré-finalistas ao Oscar de melhor documentário têm nomes estelares a recomendá-los: o Casal Obama, o ator Joaquin Phoenix e o diretor Luca Guadagnino.

“Crip Camp – Revolução pela Inclusão” traz a grife de Michelle e Barack Obama, responsáveis pelo vencedor do ano passado (“American Factory”). O tema é mais que pertinente: a conquista de direitos por portadores de deficiência física. Para dar charme especial à narrativa, a dupla de diretores (Nicole Newnham e o handicapé James LeBrecht) busca imagens e testemunhos de quem viveu dias inesquecíveis em um acampamento hippie, muito do descolado, nos anos 1960 e 70. Lá, pré-adolescentes vítimas de poliomielite ou diversos tipos de paralisia, tocavam violão, cantavam, trocavam beijos em namoricos entre iguais, cercados de afeto e compreensão. Só que a estada no local era temporária. De volta à vida “normal”, os portadores de deficiência eram tratados como cidadãos de última classe. O filme tem momentos encantadores, mas acaba enredado pela redundância. Seus mais de 100 minutos poderiam perder um quarto de sua duração e, assim, tornar-se mais eficiente. E contundente.

Joaquin “O Coringa” Phoenix, como todos sabem, é adepto de vida natural, alimentação idem, e luta incansavelmente pela saúde e preservação do planeta. Por isso, ele assina a produção-executiva de “Gunda”, documentário dirigido pelo russo Victor Kossakovsky. Uma narrativa em preto-e-branco, que defende a alimentação vegana. Para tanto, mostra a triste sina de animais, submetidos a todos os recursos possíveis e capazes de fazê-los mais rentáveis. E, claro, o consumo de suas carnes cada vez mais viciante.

Lucas Guadagnino, depois do sucesso do superestimado “Me Chame pelo seu Nome”, empresta seu prestígio à dupla Mike Dweck e Gregory Kershaw, que foi ao norte da Itália buscar rara iguaria: a trufa branca. Cobiçada por milionários em busca de prazeres gastronômicos especiais, a referida trufa só é encontrada nas florestas, com ajuda de caninos de faro fino, comandados por velhinhos italianos, escorados em suas bengalas. Os diretores garantem que tais anciãos são dotados de “senso de humor diabólico”, pois, em suas buscas, “não querem deixar pistas para outros caçadores”.

Temas curiosos (intrigantes, mesmo) marcam “A Pintora e o Ladrão” (sobre polêmicas relações entre a pintora tcheca Barbora Kysilkova e o ladrão norueguês Karl Bertil), e “Professor Polvo”. Este documentário mostra Craig Foster, um homem que estabelece inusitada relação com um “polvo selvagem”.

Outro filme de abordagem inusitada é “As Mortes de Dick Johnson”, de Kirsten Johnson. A diretora, de 55 anos, lança mão de encenações ficcionais para construir as “mortes” de seu pai, Richard Johnson, diagnosticado com Alzheimer.

No terreno do cinema ligado à história dos afro-americanos, o Oscar pré-selecionou filmes como “MLK/FBI”, de Sam Pollard, que investiga a perseguição ao pastor Martin Luther King Jr (1929-1968) movida pelo FBI. Selecionou, também, “All In: The Fight for Democracy”, sobre a ativista Stacey Abrams, filiada ao Partido Democrata. Negra, ela fez trabalho de formiga na mobilização do eleitorado afro-americano da conservadora Geórgia, a ponto destes votos terem ajudado Joe Biden a derrotar Donald Trump. Nascida em 1973, Stacey, também advogada e escritora, é reconhecida, hoje, como “a arma secreta do êxito democrata na Geórgia”.

Outra mulher forte e corajosa foi colocada no centro de mais um filme black pré-selecionado pela Academia: “Time”. Ela é Fox Rich, afro-americana que lutou, por mais de duas décadas, para reduzir a pena de 60 anos de reclusão imposta, por crime contra o patrimônio (assalto a banco), a seu marido. O diretor Garret Bradley trabalhou com materiais caseiros guardados pela incansável esposa do encarcerado.

“Boys State”, de Amanda McBaine e Jesse Moss, tem como cenário “colônia de férias”, que ao invés de lazer, oferece formação de novas lideranças políticas. O filme acompanha pessoas que se organizam em “partidos políticos” e simulam eleição à moda norte-americana (com colégios eleitorais). Acaba oferecendo ao espectador um microcosmo do processo eleitoral estadunidense, no qual confrontam-se liberais e conservadores.

Dois filmes completam a lista: “76 Dias”, vindo da China, que registra os momentos iniciais da pandemia do coronavírus, na cidade de Wuham, e “Bem-Vindos à Chechênia”, sobre a perseguição a homossexuais no país asiático.

OS 15 PRÉ-INDICADOS AO OSCAR INTERNACIONAL:

. “O Agente Duplo (“El Agente Topo”), de Maite Alberti (Chile) – Globoplay
. “Collective”, de Alexander Nanau (Romênia)
. Druk – Mais Uma Rodada, de Thomas Vinterg (Dinamarca)
. “Crianças ao Sol”, de Majid Majidi (Irã)
. La Lhorona, de Jairo Bustamante (Guatemala)
. “Ya No Estoy Aqui” , de Fernando Frías de la Parra (México) – Netflix
. “Nós Duas” (“Deux”), de Filippo Meneghetti (França)
. “Hope”, de Maria Sodahl (Noruega)
. “Queridos Camaradas”, de Andrei Konchalovsky (Rússia)
. “A Noite dos Reis” (“La Nuit des Rois”), de Philippe Lacôte (Costa do Marfim)
. “O Homem que Vendeu sua Pele” (L’Homme Qui a Vendu sa Peau), de Kaouther Ben Hania (Tunísia)
. “Quo Vadis, Aída?”, de Jasmila Zbanic (Bósnia e Herzegovina)
. “A Sun”, de Chung Mong-hong (Taiwan) – Netflix
. “Better Days”, de Derek Tsang (Hong Kong)
. “Charlatão”, de Agniezka Holland (República Tcheca)

OS 15 PRÉ-INDICADOS AO OSCAR DE MELHOR DOCUMENTÁRIO:

. “O Agente Duplo (“El Agente Topo”), de Maite Alberti (Chile) – Globoplay
. “Collective”, de Alexander Nanau (Romênia)
. “Notturno”, de Gianfranco Rosi (Itália)
. “As Mortes de Dick Johnson”, de Kristen Johnson (EUA) – Netflix
. “76 Dias”, de Weixi Chen e Hao Wu (China)
. “Boys State”, de Amanda McBaine e Jesse Moss. (EUA) – Apple TV
. “Crip Camp, Revolução Pela Inclusão”, de Nicole Newnham e James LeBrecht (EUA) – Netflix
. “A Pintora e o Ladrão” (The Painter and the Tief), de Benjamin Ree (Noruega/EUA)
. “Gunda”, de Victor Kossakovsky (EUA)
. “MLK – FBI”, de Sam D. Pollar (EUA)
. “Os Caçadores de Trufa” (The Truffle Hunters), de Mike Dweck e Gregory Kershaw (EUA/Itália)
. “Time” , de Garret Bradley (EUA) – Amazon
. “Professor Polvo” (“My Octopus Techer”), de Pippa Erlich e Jammes Reed (EUA) –  Netflix
. “All In: The Fight for Democracy, de Lisa Cortes e Liz Garbus (EUA) – Amazon
. “Bem-Vindo à Chechênia”, de Davi France (EUA) – HBO

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