Morte prematura de Paulo Gustavo priva cinema brasileiro de um de seus maiores trunfos

Por Maria do Rosário Caetano

A morte prematura do ator, dramaturgo e roteirista Paulo Gustavo, que vendeu milhões de ingressos com suas comédias – em especial a trilogia cinematográfica “Minha Mãe é uma Peça” – abre perigoso vácuo no ponto mais vulnerável de nossa indústria audiovisual: a busca de diálogo com o grande público.

No momento em que o cinema brasileiro assiste ao desmonte de políticas públicas de fomento, construídas desde o final do Governo Itamar Franco (1992-1994) e solidificadas nos governos FHC, Lula e Dilma, não poderia haver fato mais desolador que a morte do protagonista dos blockbuster “Minha Mãe é Uma Peça” (4,6 milhões de ingressos) e suas e ainda mais bem-sucedidas sequências (a de número 2, com 9,3 milhões de tíquetes, e a número três com 11,7 milhões, mais que o até então campeão “Tropa de Elite 2” – 11,1 milhões.

O niteroiense Paulo Gustavo morreu na noite da última terça-feira, 4 de maio, aos 42 anos, vítima do coronavírus. Lutou pela vida durante os 56 dias em que esteve internado, no Rio de Janeiro, cidade onde vivia com o companheiro, o médico Thales Bretas, e os filhos Romeu e Gael.

O ator deixou projetos em andamento, como uma série, para a Rede Globo, sobre Dona Hermínia, a carinhosa representação de sua mãe, Déa Lúcia, e longas-metragens em fase de concepção e pré-produção, como “Agente Especial”.

Havia esperanças, em especial de seu distribuidor, Bruno Wainer, da Downtown, que Paulo Gustavo aceitasse realizar um quarto longa-metragem sobre Dona Hermínia. O ator considerava o blockbuster de número três como fecho de suas reinventadas memórias maternas. Vale lembrar que ele, já famosíssimo, prestigiaria Dona Déa no palco, formando com ela, inusitado duo. No show “O Filho da Mãe”, os niteroienses relembrariam sucessos da MPB (e do bolero) interpretados por ela na vida real. E isso aconteceu quando Dona Déa, devido à separação matrimonial, necessitou cantar em bares para garantir o sustento dos dois filhos (Paulo Gustavo e Juliana).

Integrante de geração de atores que renovou o humor brasileiro – Fábio Porchat e a turma do Porta dos Fundos, Marcus Majella, Ingrid Guimarães, Tata Werneck, Mônica Martelli, Heloisa Perissé, Samantha Schütz, entre outros –, Paulo Gustavo brilhou no teatro (“Minha Mãe é uma Peça” foi vista, nos palcos, por 2 milhões de pessoas), na TV a cabo (“Vai que Cola”, no Multishow) e no cinema (não só na ‘trilogia materna”, mas também em filmes de Mônica Martelli e de Ingrid Guimarães).

Em sua difícil busca de diálogo com o grande público, o cinema brasileiro viu emergir, nos últimos 15 anos, duas majestades – a rainha do blockbuster, Ingrid Guimarães, e o rei de nome elegante e longo, Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros. A amizade com Ingrid levou o ator a fazer aparições, por menor que fossem, em filmes dela.

Já a parceria com Mônica Martelli reveste-se de característica especial. Ela estreou como protagonista da recriação cinematográfica de peça de grande sucesso – “Os Homens São de Marte… e É Prá Lá que Eu Vou” (2014), por ela escrita e encenada. A versão cinematográfica do texto vendeu mais de um milhão de ingressos. Ou seja, teve um bom desempenho. Mas, no filme, Paulo Gustavo desempenhava papel modesto. Quando a atriz protagonizou a sequência de suas aventuras (des)amorosas (“Minha Vida em Marte”, 2018), Paulo Gustavo era já o maior astro do firmamento cinematográfico brasileiro. Ao invés de fazer escada como Aníbal, o “ombro amigo e gay” da protagonista, ele tornou-se coprotagonista do filme. De Paracatu-MG, minha irmã, Graça Jales, avisou: “que comédia deliciosa, o Aníbal é o amigo que eu queria ter”. Resultado: muitas brasileiras tiveram a mesma impressão sobre o filme, cuja bilheteria ultrapassou os 5 milhões de ingressos.

O sucesso se fez sentir, também, em “Vai que Cola, o Filme”, produzido pela Conspiração. As bilheterias registraram mais de 3 milhões de espectadores.

Paulo Gustavo iniciou sua história no cinema em papéis pequenos. Foi assim em “A Guerra dos Rocha” e “O Divã” (ambos de 2008), e “Xuxa em o Mistério da Feiurinha” (2009). O sucesso chegaria com o quarto longa-metragem, aquele que ele podia chamar de seu, baseado em sua vida familiar e por ele escrito (com parceiros) e protagonizado, “Minha Mãe é uma Peça”. O ator interpretou a si mesmo em “Fala Sério, Mãe”, comédia juvenil que uniu Ingrid Guimarães e Larissa Manoela e alcançou bilheteria significativa (mais de 3 milhões de espectadores).

No primeiro “Minha Mãe é uma Peça”, a voz de Dona Hermínia, enunciada por Paulo Gustavo, era por demais esganiçada e incômoda. Como a personagem era (sempre foi) gritona e meio escandalosa, houve espectadores que externaram seu desconforto. Pelo menos neste item. Perfeccionista, Paulo Gustavo trabalhou a voz para diminuir o incômodo.

O filme de número dois, disparado o melhor da trinca, fica como a maior contribuição de Paulo Gustavo à comédia brasileira. A trama ganha novas cores e, nela, Niterói e o Rio de Janeiro deixam de ser os cenários hegemônicos. Dona Hermínia resolve passear por São Paulo. Sua performance no Mercado Municipal, em interação com os feirantes, é digna de antologia.

Em “Minha Mãe é uma Peça 2”, a personagem Dona Hermínia já havia superado o tempo das vacas magras. Afinal, na função de apresentadora de programa de TV de muito sucesso, conseguira ficar rica. Seu problema era o “ninho vazio”, já que os filhos, adultos, haviam resolvido sair de casa. Surge, na trama, até um neto, trazido por Garib, o primogênito da niteroiense.

No terceiro momento da série, os excessos se fizeram notar. O filme assumiu tom por demais fashion, “aburguesou-se”. A trama não era tão convincente quanto a do filme anterior. A filha, Marcelina (a roliça Mariana Xavier) está grávida. E o irmão, Juliano (Rodrigo Pandolfo) vai casar-se com o namorado. Para completar o quadro de ansiedades de Dona Hermínia, o ex-marido, Carlos Alberto (Herson Capri) resolve morar no apartamento vizinho ao dela. O público nem quis saber dos defeitos do filme. O sucesso fez de “Minha Mãe é uma Peça 3” um legítimo arrasa-quarteirão (quase 12 milhões de ingressos).

A pandemia impediu a chegada de “Agente Especial” aos cinemas. Neste filme – agora para sempre inédito – Paulo Gustavo e Marcus Majella interpretariam dois policiais gays que só recebiam missões leves. Cansados da rotina entediante, resolviam interceptar assalto a uma joalheria. O resultado, dos mais desastrados, os expulsaria da Polícia. Mas muita água iria rolar até que pudessem mostrar seu valor. A estreia estava prevista para o final do ano (dia 16 de dezembro).

Só agora o público saberá o que, realmente, Paulo Gustavo deixou como material audiovisual inédito.

MAIORES SUCESSOS DE PAULO GUSTAVO NO CINEMA

. Minha Mãe é uma Peça 3………..11.700.000
. Minha Mãe é uma Peça 2…………9.225.000
. Minha Vida em Marte……………..5.239.000
. Minha Mãe é uma Peça (1)………4.600.000
. Vai que Cola………………………….3.317.000

One thought on “Morte prematura de Paulo Gustavo priva cinema brasileiro de um de seus maiores trunfos

  • 12 de maio de 2021 em 04:32
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    O humorista Paulo Gustavo aproveitou um intervalo nas filmagens do longametragem ‘Minha Vida em Marte’, de Monica Martelli, para causar nas redes sociais.

    Ele aproveitou que o cenário estava montado para um casamento e pediu para que um padre, que também é ator, casasse ele e seu namorado. Ao ouvir a resposta negativa, Paulo Gustavo fez um desabafo.

    “Casa eu e meu marido? Por que não pode? Não existe igreja no mundo… Quem escreveu essa Bíblia? Está desatualizado isso. Se Jesus Cristo fosse vivo hoje, estava no show de Pablo Vittar… Com certeza! Está todo mundo indo. Quem é que está mandando a gente pra cá? Eu, Pablo Vittar… Hoje em dia está nascendo um monte de bee, cheio de fluido. Quem está mandando os fluidos pra cá? Deus? Então por que não posso casar na Igreja? Tá errado. Casa logo eu, deixa de ser bobo, larga isso”, falou em vídeo postado no Instagram. Foi mexer o “homem”

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