Festival 8 1/2 apresenta o melhor do cinema italiano contemporâneo

Por Maria do Rosário Caetano

A Festa do Cinema Italiano, que homenageia em seu título um dos mais famosos filmes peninsulares – o “8 1/2”, de Fellini – começa mais uma temporada online, e gratuita, nessa quinta-feira, 17 de junho, e prossegue até dia 27, com exibição de vinte filmes, alguns em pré-estreia, somados a debates e homenagem à cineasta Alice Rohrwacher, de 39 anos, diretora de, entre outros filmes, o fascinante “Lazzaro Felice”. Homenagear a toscana Alice significa homenagear, por extensão, sua irmã, a atriz Alba Rohrwacher, presença marcante em seus elencos. Além de assistir a vários filmes da diretora (incluindo “As Maravilhas”, Grande Prêmio do Júri, em Cannes 2014), o público poderá prestigiar masterclass que ela ministrará, via digital.

Há ótimos filmes no Festival 8 1/2, dois deles premiados em Berlim – “A Vida Solitária de Antonio Ligabue” (“Volevo Nascondermi”), de Giorgio Diritti, e “Fábulas Sombrias” (“Favolacce”), de Damiano e Fabio D’Innocenzo.

O primeiro rendeu justíssimo Urso de Prata de melhor ator a Elio Germano. O ator, de 40 anos, interpreta um artista portador de doença mental, encarcerado em manicômio – o italiano (nascido na Suíça) Antonio Ligabue (1899-1965) – com tamanha entrega corporal e emocional, que torna-se impossível reconhecê-lo. Se tivesse protagonizado um filme produzido nos EUA, Germano teria conquistado uma estatueta na noite do Oscar.

O outro laureado na Berlinale – “Fábulas Sombrias” – fez por merecer o Urso de Prata de melhor roteiro. Afinal, os irmãos D’Innocenzo engendraram narrativa original, incômoda e de oportuna atualidade ao mostrar o cotidiano de várias famílias que vivem em subúrbio de Roma. Num verão muito quente, algo parece estar prestes a explodir na vizinhança. O clima real e metafórico é exasperante.

A comédia “Bangla” rendeu a seu diretor (e protagonista), o italiano de origem indiana Phaim Bhuiyan, o Troféu David di Donatello, o “Oscar pensinsular”, de melhor diretor estreante, ano passado. À moda de Woody Allen, o jovem e magérrimo Bhuiyan constrói deliciosa e inteligente comédia multicultural, marcada por auto (e assumida) depreciação.

Phaim (o próprio Pahim Bhuiyan) vive em Roma, num bairro de imigrantes. Os pais, muçulmanos, fazem questão de manter os hábitos trazidos de Bangladesh (daí o “Bangla” do título). Enquanto sonham com mudança para Londres, dão palpites na vida do filho. Que não deve beber álcool, nem comer carne de porco, nem fazer sexo antes do casamento.

O rapaz, de pele bem mais escura que a dos italianos, se define como negro e tem noção de que assim é visto. Quando se interessa por uma jovem romana, muito da moderninha e descolada, Pahim terá que decidir se continuará longe do álcool e casto. Esse fio narrativo, tão simples, resultará em uma comédia que viaja muito bem.

Um dos filmes mais fascinantes da Festa do Cinema Italiano deste ano é a comédia dramática “Volare” (“Tutto il Mio Folle Amore”), de Gabriele Salvatores, de 70 anos. Sim, o diretor de “Mediterrâneo”, lançado no Brasil depois de conquistar o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1991. Outro filme dele – “Puerto Escondido” – também chegou ao nosso circuito exibidor, mas foi só. Não aconteceu. Afinal, a fama de diretor peninsular laureado com o Oscar ficou, para valer, com Giuseppe Tornatore (“Cinema Paradiso”, 1988), que teria muitos outros filmes lançados no Brasil. Um deles – “Uma Simples Formalidade” – com Roman Polanski e Gérard Depardieu. Mas, até Tornatore, de 65 anos, anda sumido de nossas telas.

“Volare”, de Gabriele Salvatores

Já Gabriele Salvatores volta para nos encantar. O título brasileiro de seu novo longa-metragem homenageia uma das mais famosas canções italianas, “Nel Blu Dipinto di Blu”, aqui rebatizada de “Volare!”. Já o título original – “Tutto il Mio Folle Amore” (Todo o meu Louco Amor) – tem a ver com história real, origem do filme: um adolescente autista fará uma louca viagem de moto, com o pai, dos EUA à América do Sul. Salvatores adaptou a história, registrada em livro, para sua Itália natal. E a viagem de pai, o cantor Willy (Claudio Santamaria), e filho, o autista Vincent (Giulio Pranno), se dará pela Eslovênia e Croácia.

Quem quiser fruir, em sua plenitude, esse canto de amor à vida e à aceitação da diferença, deve, antes, assistir ao episódio “Che Cosa Sono le Nuvole”, que Pier Paolo Pasolini (1922-1975) realizou para o longa “Capricho à Italiana” (1967). Em sua divertidíssima e anárquica paródia do “Othelo”, de Shakespeare, Pasolini escalou, para interpretar “marionetes humanas”, Totò, Ninetto Davoli, Laura Betti, Ciccio Ingrassia, Franco Franchi e, entre outros, o cantor e compositor Domenico Modugno (1928-1994).

Coube ao astro da canção italiana, o papel de um lixeiro e a função de autor da trilha sonora. Com Modugno (melodia), Pasolini compôs a letra da canção “Che Cosa Sono le Nuvole”. Reaproveitada, a parceria do diretor de “Teorema” com Modugno constituirá um dos mais deliciosos momentos do filme programado pela Festa 8 1/2.

Claudio Santamaria, ao compor o papel do pai de Vincent, o adolescente autista, recriou o peculiar visual de Domenico Modugno. Cabelos curtos e ondulados, bigodinho de latin lover com um quê de cafona, roupas de quem está disposto a seduzir plateias romântico-femininas. E, com a própria voz (ele até gravou disco com a trilha do filme), Santamaria vai seduzir o público como animador de pequenas festas e casas noturnas espalhadas pelos Balcãs. Vai, também, tentar uma aproximação com o filho que abandonou na barriga da mãe, a bela Elena (Valeria Golino), casada com o paternal Mario (Diego Abatantuono, ator-fetiche de Salvatores). Fica, pois, o lembrete: assista, antes de “Volare”, aos 22 minutos do “capricho pasoliniano”, disponível no YouTube.

Outro título imperdível da Festa Italiana é “As Irmãs Macaluso”, de Emma Dante, da seleção do Festival de Veneza 2020. Terceiro longa da realizadora, “Le Sorelle Macaluso” narra a história de cinco irmãs, que vivem num subúrbio de Palermo, capital da Sicília. Que ninguém espere uma narrativa convencional, pois – dividido em três tempos – o filme soma vivências e memórias, com evocações sensoriais e muita liberdade. Nesta quinta-feira, Emma debaterá seu filme com interessados. Quem não puder trocar ideias com ela, ao vivo, poderá acessar a gravação, que será disponibilizada no YouTube do Instituto Italiano de Cultura paulistano e carioca.

“Irmãos à Italiana”, estranha tradução brasileira para “Padrenostro”, é um drama político de Claudio Noce, protagonizado pelo maior astro contemporâneo do cinema peninsular, Pierfrancesco Favino (o Tomaso Buschetta de “O Traidor”, de Marco Bellocchio, com produção Itália-Brasil). Ao longo de eletrizantes 122 minutos, o filme se passa em Roma, em 1976. Valerio, um menino de 10 anos e imaginação fértil, testemunhará atentado contra seu pai, Alfonso, cometido por comando guerrilheiro (Núcleos Armados Proletários). Toda a família ficará abalada. Mas será, naqueles dias difíceis, que Valerio conhecerá Christian. Esse encontro mudará suas vidas para sempre. O cineasta revive, com esse filme, parte de sua história, pois seu pai Alfonso, vice-comissário, foi realmente vítima de um atentado organizado pelos Núcleos Armados Proletários. Por esse filme, Pierfrancesco Favino conquistou, em Veneza, a Copa Volpi de melhor ator.

No terreno do cinema de gênero, dois títulos estão escalados para a Festa 8 ½: “O Primeiro Rei – Nascimento de um Império”, de Matteo Rovere, e “5 é o Número Perfeito”, do cartunista Igor “Igort” Tuveri.

“O Primeiro Rei” é uma superprodução que tenta emular “A Guerra do Fogo” (1981), o impressionante e espetacular longa-metragem de Jean-Jacques Annaud, mas não chega nem perto. O filme de Rovere concorreu a várias categorias no David di Donatello 2020. Só conseguiu láureas técnicas: melhor fotografia (Daniele Ciprì), som e produção (para o milionário pool montado por Roman Citizen Entertainment, Rai Cinema, Groenlandia e GapBusters).

O produtor e diretor Rovere, de 39 anos, revisita o mito fundador de Roma, célula mater do poderoso Império que atravessou séculos. A lenda dos irmãos Rômulo & Remo, aqueles que teriam sido criados por uma loba, está no centro desse brutal e enlameado (quanta lama!!) épico histórico, falado em latim arcaico, com duração de 127 minutos.

“5 é o Número Perfeito” é “noir” pop, muito estilizado e comandado por um neófito, o cartunista Igort. Concorreu a alguns David di Donatello. Só emplacou um: atriz coadjuvante para Valeria Golino.

 

8 1/2 Festa do Cinema Italiano 2021
Data: 17 a 27 de junho
Sessões on-line e gratuitas, pré-estreias, debates, homenagem (à diretora Alice Rohrwacher) e masterclass
Acesso para aberto para todo o território brasileiro
Os filmes serão apresentados na plataforma Looke. Os debates acontecerão no Youtube do festival e dos Institutos Italianos de Cultura de São Paulo e do Rio de Janeiro
As sessões dos filmes serão realizadas em dias específicos e ficarão disponíveis por 24 horas, sempre a partir das 18h. Os filmes que integram o Foco Alice Rohrwacher estarão disponíveis durante todo o festival a partir das 9h do dia 17 até as 9h do dia 28 de junho
www.festadocinemaitaliano.com.br

PROGRAMAÇÃO

QUINTA-FEIRA (17)

– As irmãs Macaluso (de Emma Dante)
– 5 é o Número Perfeito (de Igor “Igort” Tuveri)

SEXTA-FEIRA (18)

– Fábulas Sombrias (de Damiano D’Innocenzo, Fabio D’Innocenzo)
– Bangla (de Phaim Bhuiyan)

SÁBADO (19)

– Volare (de Gabriele Salvatores)
– Troca Tudo! (de Guido Chiesa)

DOMINGO (20)

– Rômulo & Remo: O Primeiro Rei (de Matteo Rovere)
– Irmãos à Italiana (de Claudio Noce)

SEGUNDA-FEIRA (21)

– Era uma vez a Máfia (de Franco Maresco)
– As irmãs Macaluso (de Emma Dante)

TERÇA-FEIRA (22)

– A Vida Solitária de Antonio Ligabue (de Giorgio Diritti)
– 5 é o Número Perfeito (de Igor “Igort” Tuveri)

QUARTA-FEIRA (23)

– O Primeiro Rei (de Matteo Rovere)
– Troca Tudo! (de Guido Chiesa)

QUINTA-FEIRA (24)

– Os Predadores (de Pietro Castellitto)
– Era uma vez a Máfia (de Franco Maresco)

SEXTA-FEIRA (25)

– A Vida Solitária de Antonio Ligabue (de Giorgio Diritti)
– Volare (de Gabriele Salvatores)

SÁBADO (26)

– Bangla (de Phaim Bhuiyan)
– Irmãos à Italiana (de Claudio Noce)

DOMINGO (27)

– Os Predadores (de Pietro Castellitto)
– Fábulas Sombrias (de Damiano D’Innocenzo, Fabio D’Innocenzo)

FOCO ALICE ROHRWACHER

9H DE QUINTA-FEIRA (17) ATÉ 9H DE SEGUNDA-FEIRA (28)

– As Maravilhas
– Corpo Celeste
– Omelia Contadina
– Una Canzone (9×10 Novanta)

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