Globo de Ouro enfrenta sua maior crise com “Ataque dos Cães”, sem TV, astros e tapete vermelho
Por Maria do Rosário Caetano
Não tem jeito. O Globo de Ouro, um dos mais tradicionais prêmios da história do cinema, perdeu o rumo. Está pagando caro por muitos pecados. Sua septuagésima-nona cerimônia de premiação (só 14 a menos que o Oscar), na noite desse domingo, 9 de janeiro, será quase fúnebre. Não terá astros, nem tapete vermelho, nem transmissão pela poderosa NBC, nem pela TNT. Se for ao ar, será pela internet.
A festa, que outrora chegou a ser considerada “a prévia do Oscar”, acumulou excesso de erros e anacronismos. Por isso, a conta chegou pesada e de uma vez. A pandemia do coronavírus só fez agravar. A HFPA (Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood) é acusada de racismo (não tem um negro sequer em seus quadros de mais de 80 integrantes), de sexismo (hegemonia masculina) e de receber presentes e regalias cinco estrelas de produtores de filmes e séries de TV, retribuídos com indicações (muitas absurdas) a seu prêmio anual.
As denúncias tiveram no poderoso Los Angeles Times a sua voz mais firme. O igualmente poderoso New York Times também deu um gelo na fechada igrejinha escondida atrás da sigla HFPA. Para fechar o cerco, os astros (atrizes e atores, em especial) negaram-se a marcar presença, seja apresentando prêmios, seja enfeitando mesas do elegante Beverly Hilton Hotel, cenário do convescote regado a champagne.
A HFPA até que começou a se mexer. Mas, apesar de contar com 80 associados, mostrou velocidade de um paquiderme. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, infinitamente maior (com mais de 5 mil sócios), começou a movimentar-se cinco anos atrás. Hoje tem quase 10 mil integrantes, abriu-se a outros países, ampliou sua representação black, feminina, asiática, latino-americana etc. E continua se mexendo, buscando uma mais que necessária atualização.
A turma do Globo de Ouro, porém, insiste em dividir o cinema em duas categorias: “drama” e “comédia-musical”. Ou seja, num tempo de total hibridização de gêneros, segue modelo dos mais anacrônicos. E pior: ignora o documentário, uma das fontes de renovação do cinema mundial. Seus integrantes são estrangeiros (europeus, asiáticos, latino-americanos e… africanos (?). Mesmo assim, a HFPA é obcecada pelo cinema anglo-saxão. Filme estrangeiro, para este “seleto grupo”, só no gueto do “filme de língua estrangeira”.
Feitas tais considerações, é hora de falar de filmes. Dos filmes que serão premiados (ou não) na noite desse domingo. O franco favorito é “Ataque dos Cães”, obra magistral de Jane Campion. O filme tem estofo para triunfar em todas as categorias que disputa. É infinitamente melhor que “Belfast”, a comédia histórica (deliciosa e simpática) de Kenneth Brannagh, e o drama biográfico “King Richard: Criando Campeãs”, de Reinaldo Marcus Green, sobre o pai das tenistas Vênus e Serena Willians. Melhor, muito melhor, também, que “No Ritmo do Coração” (“Coda”), de Siân Heder, e a superprodução “Duna”, de Denis Villeneuve.
Para mostrar que está atento ao mundo afro-americano, o reduzido clube de votantes do Globo de Ouro pode atribuir seu prêmio de melhor protagonista ao astro black Will Smith, o obstinado pai das adolescentes Vênus e Serena, um tenista amador, que não medirá nenhum esforço até transformá-las em campeãs do mundo. Poderá, também, optar por Mahershala Ali, o protagonista da ficção científica “O Canto do Cisne” (“Swan Song”). Além do ator de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, há outro astro black na parada: Denzel Washington, por “The Tragedy of Macbeth” (parceiro de Frances McDormand na obra shakespeareana, dirigida por Joel Coen). A eles somam-se o espanhol Javier Bardem (por “Apresentando os Ricardos”), e o inglês Benedict Cumberbatch, por “Ataque dos Cães” (tido como o favorito).
No terreno da comédia e do musical, o título mais badalado é “Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson, capa da revista Cahiers du Cinéma de janeiro. A ele se somam “Cyrano”, de Joe Wright, história canônica, de matriz francesa, “Não Olhe para Cima”, de Adam Mckay, “Tick, Tick … Boom!”, de Lin-Manuel Miranda, e o remake de um clássico – “Amor, Sublime Amor”, por Steven Spielberg (êxito de crítica e maior fracasso comercial da história do cineasta).
No terreno dos atores de comédia ou musical, intérpretes de origem afro não marcam presença. No território das minorias, uma se destaca. A dos portadores de baixa estatura. Peter Dinklage, de 1m35, famoso pela série “Game of Thrones”, é o protagonista de “Cyrano”. Ele disputará o Globo de Ouro com o astro Leonardo DiCaprio (pela sátira “Não Olhe para Cima”), com Cooper Hoffman (“Licorice Pizza”), com o latino Anthony Ramos (“Em um Bairro de Nova York”) e Andrew Garfield (pelo musical “Tick, Tick … Boom!”).
Já na categoria de melhor atriz, a hegemonia de mulheres brancas é total. Na categoria drama, o troféu será disputado por dois nomes de ponta – a inglesa Olivia Colman, por “A Filha Perdida” (baseado em romance de Elena Ferrante), e Jessica Chastain, por “Os Olhos de Tammy Faye”. Este filme é uma cinebiografia de um casal de pregadores da “teologia da prosperidade”, que sai da pobreza e conhece a fama televisiva acumulando fortuna e poder. Chastain aparece na tela como um verdadeiro camaleão, um zelig de saias.
Três nomes estelares – Nicole Kidman, por “Apresentando os Ricardos”, Lady Gaga, por “Casa Gucci”, e Kristen Stewart, por “Spencer” (o filme da princesa Diane, dirigido pelo chileno Pablo Larraín) – completam a lista grifada.
No terreno do musical/comédia, mais um time de estrelas brancas (pelo nosso padrão, não pelo dos EUA), puxado por Jennifer Lawrence (coprotagonista da sátira “Não Olhe para Cima”), Emma Stone, por “Cruella”, a roqueira Alana Haim, por “Licorice Pizza”, e as latinas Rachel Zegler (“Amor, Sublime Amor”) e Marion Cotillard (“Annette”), a eterna (e oscarizada) Piaff.
Se quiser mostrar que está em estágio de pentitência, ou seja, disposta a pagar por seus pecados, a HFPA poderá premiar um ator surdo-mudo: Troy Kotsur, um dos protagonistas de “No Ritmo do Coração”. Ele concorre a coadjuvante por seu papel de pai de uma adolescente aspirante a cantora. A mocinha é filha de mãe (Marlee Matlin, de “Filhos do Silêncio”) e pai surdos-mudos. E irmã de um jovem, também surdo-mudo. Ela, além de falar, canta divinamente.
Por ter o dom da palavra, a adolescente vê-se obrigada a ser intéprete da família, que vive da pesca, deixando seus sonhos de lado. Seu professor de música (o astro mexicano Eugenio Derbet) quer que ela se dedique com rigor aos estudos, conquistando uma bolsa em Berklee. Para tanto, a jovem terá que deixar os pais sem assistência.
“No Ritmo do Coração” (Coda”), disponível na Apple TV, é uma refilmagem de “A Família Bélier”, comédia francesa de 2014. Em seu remake norte-americano, produzido por Jérôme Seydoux (avô da atriz Lea Seydoux), a história passou por significativas modificações. A maior delas: os surdos-mudos não são atores se fazendo passar por surdos-mudos. Os intérpretes foram buscados, pela diretora Siân Heder, em grupos de teatro dedicados e protagonizados por estas minorias. Um deles, Troy Kotsur, é uma verdadeira força da naureza.
Com pinta de hippie velho, cabeludo, “desbocado” (sua hilária “fala” pornográfica se expressa pela linguagem dos sinais), Kotsur dá ao filme vitalidade que o eleva acima das obras edificantes. Kodi Smit-McPhee, o jovem Peter, de “Ataque dos Cães”, em ótimo desempenho, encontrou um forte concorrente pela proa.
CINEMA
Melhor filme (drama)
“Ataque dos Cães”, de Jane Campion
“Belfast”, de Kenneth Branagh
“King Richard: Criando Campeãs”, de Reinaldo Marcus Green
“No Ritmo do Coração”, de Siân Heder
“Duna”, de Denis Villeneuve
Melhor filme (comédia ou musical)
“Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson
“Cyrano”, de Joe Wright
“Não Olhe para Cima”, de Adam Mckay
“Tick, Tick … Boom!”, de Lin-Manuel Miranda
“Amor, Sublime Amor”, de Steven Spielberg
Melhor filme em língua estrangeira
“Drive my Car”, de Ryusuke Hamaguchi (Japão)
“A Mão de Deus”, de Paolo Sorrentino (Itália)
“Madres Paralelas”, de Pedro Almodóvar (Espanha)
“Um Herói”, de Asghar Farhadi (Irã)
“Compartment No. 6”, de Juho Kuosmanen (Finlândia)
Melhor animação
“Encanto” (EUA)
“A Fuga” (“Flee”) – Dinamarca
“Luca” (EUA-Itália)
“My Sunny Maad” – República Tcheca
“Raya e o Último Dragão” – EUA
Melhor diretor
Kenneth Branagh, por “Belfast”
Jane Campion, por “Ataque dos Cães”
Maggie Gyllenhaal, por “A Filha Perdida”
Steven Spielberg, por “Amor, Sublime Amor”
Denis Villeneuve, por “Duna”
Melhor ator (drama)
Mahershala Ali, por “O Canto do Cisne” (“Swan Song”)
Javier Bardem, por “Apresentando os Ricardos”
Benedict Cumberbatch, por “Ataque dos Cães”
Will Smith, por “King Richard: Criando Campeãs”
Denzel Washington, por “The Tragedy of Macbeth”
Melhor atriz (drama)
Jessica Chastain, por “Os Olhos de Tammy Faye”
Olivia Colman, por “A Filha Perdida”
Nicole Kidman, por “Apresentando os Ricardos”
Lady Gaga, por “Casa Gucci”
Kristen Stewart, por “Spencer”
Melhor ator (musical ou comédia)
Leonardo DiCaprio, por “Não Olhe para Cima”
Peter Dinklage, por “Cyrano”
Andrew Garfield, por “Tick, Tick … Boom!”
Cooper Hoffman, por “Licorice Pizza”
Anthony Ramos, por “Em um Bairro de Nova York” (“In the Heights”)
Melhor atriz (musical ou comédia)
Marion Cotillard, por “Annette”
Alana Haim, por “Licorice Pizza”
Jennifer Lawrence, por “Não Olhe para Cima”
Emma Stone, por “Cruella”
Rachel Zegler, por “Amor, Sublime Amor”
Melhor ator coadjuvante
Ben Affleck, por “The Tender Bar”
Jamie Dornan, por “Belfast”
Ciarán Hinds, por “Belfast”
Troy Kotsur, por “No Ritmo do Coração”
Kodi Smit-McPhee, por “Ataque dos Cães”
Melhor atriz coadjuvante
Caitríona Balfe, por “Belfast”
Ariana DeBose, por “Amor, Sublime Amor”
Kirsten Dunst, por “Ataque dos Cães”
Aunjanue Ellis, por “King Richard: Criando Campeãs”
Ruth Negga, por “Identidade”
Melhor roteiro
“Licorice Pizza”
“Belfast”
“Ataque dos Cães”
“Não Olhe para Cima”
“Apresentando os Ricardos”
Melhor trilha sonora
“A Crônica Francesa”
“Encanto”
“Ataque dos Cães”
“Madres Paralelas”
“Duna”
Melhor canção original
“Be Alive”, de “King Richard: Criando Campeãs”
“Dos Orugitas”, de “Encanto
“Down to Joy”, de “Belfast”
“Here I Am (Singing My Way Home)”, de “Respect: A História de Aretha Franklin”
“No Time to Die”, de “Sem Tempo para Morrer”
TELEVISÃO
Melhor série de drama
“Succession”
“Round 6”
“Pose”
“The Morning Show”
“Lupin”
Melhor série de comédia
“The Great”
“Only Murders In the Building”
“Ted Lasso”
“Hacks”
“Reservation Dogs”
Melhor minissérie ou filme para TV
“Dopesick”
“Impeachment: American Crime Story”
“Maid”
“Mare of Easttown”
“The Underground Railroad”
Melhor ator (drama)
Brian Cox, por “Succession”
Lee Jung-jae, por “Round 6”
Billy Porter, por “Pose”
Jeremy Strong, por “Succession”
Omar Sy, por “Lupin”
Melhor atriz (drama)
Jessica Chastain, por “Cenas de um Casamento”
Cynthia Erivo, por “Genius: Aretha”
Elizabeth Olsen, por “WandaVision”
Margaret Qualley, por “Maid”
Kate Winslet, por “Mare of Easttown”
Melhor ator (comédia)
Anthony Anderson, por “Black-ish”
Nicholas Hoult, por “The Great”
Steve Martin, por “Only Murders in the Building”
Martin Short, por “Only Murders in the Building”
Jason Sudeikis, por “Ted Lasso”
Melhor atriz (comédia)
Hannah Einbender, por “Hacks”
Elle Fanning, por “The Great”
Issa Rae, por “Insecure”
Tracee Ellis Ross, por “Black-ish”
Jean Smart, por “Hacks”
Melhor ator (minissérie ou filme para a TV)
Paul Bettany, por “WandaVision”
Oscar Isaac, por “Cenas de um Casamento”
Michael Keaton, por “Dopesick”
Ewan McGregor, por “Halston”
Tahar Raheem, por “O Paraíso e a Serpente”
Melhor atriz (minissérie ou filme para a TV)
Jessica Chastain, por “Cenas de um Casamento”
Elizabeth Olsen, por “WandaVision”
Kate Winslet, por “Mare of Easttown”
Cynthia Erivo, por “Genius: Aretha”
Margaret Qualley, por “Maid”
Melhor ator coadjuvante
Billy Crudup, por “The Morning Show”
Kieran Culkin, por “Succession”
Mark Duplass, por “The Morning Show”
Brett Goldstein, por “Ted Lasso”
Oh Yeong-su, por “Round 6”
Melhor atriz coadjuvante
Jennifer Coolidge, por “The White Lotus”
Kaitlyn Dever, por “Dopesick”
Andie MacDowell, por “Maid”
Sarah Snook, por “Succession”
Hannah Waddingham, por “Ted Lasso”