Documentário discute arte, feminismo e racismo na Semana de 22
Por Maria do Rosário Caetano
Cem anos depois, o que ficou da Semana de Arte Moderna de 22? Como o movimento que revolucionou a cultura brasileira, no início do século XX, abordou temas como o feminismo, o racismo e a sexualidade?
Para responder a estas perguntas, o documentarista Helio Goldsztejn realizou o longa-metragem “22 em XXI”, para o qual mobilizou vozes que vão de Caetano Veloso a Emicida, de José Miguel Wisnik a Pedro Duarte, de Aracy Amaral a José Celso Martinez Correa, de Maria Adelaide Amaral a Jerá Guarani. E passando por Fred Coelho, Eugênia Boaventura, Marcos Augusto Gonçalves, Antonio Risério, Regina Teixeira de Barros, Hélio Menezes, Maria Bonomi e o dissonante Ruy Castro.
Embora número tão grande de entrevistados possa nos levar a pensar num típico “cabeças falantes”, o documentário – que terá sessão aberta ao público nessa segunda-feira, 21 de março, no Cinesesc, e lançamento, nessa terça, no canal Sesc TV – consegue se fazer assistir sem causar exaustão ou tédio. Primeiro, pela qualidade dos depoimentos, segundo pela riqueza dos materiais visuais acessados e, terceiro, pela síntese (apenas 85 minutos).
O título, que parece, à primeira vista, meio esquisito, torna-se fácil de memorizar tão logo decifrado. Afinal, Goldsztejn, que teve Marcos Augusto Gonçalves (autor do livro “1922 a Semana que Não Terminou”) como consultor, quis mostrar a Semana de 22 projetada no século XXI. Ou seja, em nosso tempo.
O que diz aos nossos dias o movimento que mobilizou Mário e Oswald de Andrade, Villa-Lobos e Di Cavalcanti, Manuel Bandeira (mesmo ausente fisicamente), Graça Aranha, Menotti del Pichia e (até) Plínio Salgado?
O documentário busca os antecedentes e as consequências de um dos eventos culturais mais importantes da história da arte brasileira, por mais polêmicas que (ainda) cause. Afinal, a centenária Semana é acusada de “paulistocêntrica” (Villa, Di, Bandeira e Graça Aranha eram cariocas ou viviam no Rio), de ser um “projeto da oligarquia cafeeira paulistana” e uma “construção a posteriori”. Ou seja, cérebros uspianos teriam transformado uma “Semana de três dias” em um “assombro transformador”, em “divisor de águas” de nossa vida cultural. E isto teria se dado com o passar dos anos e depois de separar o joio (Plínio Salgado e nomes menores no sentido literário e político) do trigo (Mário e Oswald na linha de frente).
Essas ideias têm alguns (poucos) defensores e muitos que dela discordam, escorados em sólidos estudos. Afinal, a herança de 22 se faz sentir até hoje. Na Literatura, nas Artes Visuais, no Cinema, no Teatro. Alguém lembrará, durante o instigante debate proposto pelo filme, que sem Villa-Lobos, Glauber Rocha não faria seus filmes. Foi dos mais intensos o diálogo do Cinema Novo com o Movimento Modernista. Que o digam filmes como “Terra em Transe”, “Macunaíma” e “Lição de Amor”.
Intenso foi, também, o diálogo da poesia Concreta (dos Irmãos Campos e de Décio Pignatari), do Teatro, em especial o Oficina de Zé Celso, que fez do “Rei da Vela” oswaldiano, montagem teatral (depois filme) que marcou época. E, na música popular, a Tropicália. Pela voz de Caetano Veloso, este diálogo é assumido com paixão e gosto ao longo do documentário. E no campo das artes plásticas e performances, há Hélio Oiticica e suas invenções-parangolés.
Em busca de dinamismo para seu documentário, Goldsztejn recorreu ao recurso da dramatização. Escolheu quatro personagens – as pintoras Anita Malfatti (Erika Puga), Tarsila do Amaral (Maria Manoela), Oswald de Andrade (Marcelo Diaz) e Mário de Andrade (Anderson Negreiro) – para reviverem cenas que vão de 1917 (ano em que exposição de Anita Malfatti serviu de munição para artigo devastador assinado por Monteiro Lobato – “Pananoia ou Mistificação?”) até os primeiros anos da década de 20 do século passado. O recurso ajuda a desenvolver a história de “22 em XXI”.
Helio Goldsztejn construiu seu documentário ao longo dos três últimos anos, portanto, em pleno período da pandemia. Por essa razão, teve que entrevistar on-line algumas de suas fontes (caso do baiano Antônio Risério), o que altera a qualidade da imagem. Mas, no todo, esse documentário sobre o Modernismo e seu momento-símbolo, a Semana de 22, produzido pelo SescSP, permitiu ao realizador e sua equipe concluir um bom filme sintonizado às questões vivas de nosso tempo.
Goldsztejn reforça o empenho em poder “contar a história da Semana de 22 com o olhar do nosso século”. Afinal “minha vontade sempre foi mergulhar, um pouco que fosse, naqueles dias, repletos de criação, dilemas e contradições”. Captar “arte, muita arte sim, e um projeto político que havia por trás”. Dar “um bem-vindo ao sonho, ao Cadillac verde de Oswald rumo à Antropofagia, à Bossa Nova, ao Concretismo e à Tropicália!”.
O documentário integra o programa “Diversos 22 – Projetos, Memórias, Conexões: uma Ação em Rede do SescSP”, composto com atividades artísticas e socioeducativas, on-line e presenciais, realizadas em unidades da instituição espalhadas por dezenas de municípios paulistas.
“Nosso propósito” – explica Danilo Santos de Miranda, diretor do SescSP – “é celebrar e refletir a partir de atividades de naturezas diferentes, mas integradas e em diálogo, sobre memórias e conexões relativas ao centenário da Semana de Arte Moderna de 22, no sentido de discuti-las, aprofundá-las e ressignificá-las, face dos desafios apresentados no tempo presente”.
22 em XXI
Documentário de Helio Goldsztejn
Sessão aberta ao público nessa segunda-feira, 21 de março, no Cinesesc (20h00)
Com participação dos atores Erika Puga, Maria Manoella, Marcelo Diaz e Anderson Negreiro
Lançamento, nessa terça, 22, no Sesc TV, sendo disponibilizado, a partir do dia 29 de março, no sesc.digital
Dramaturgia: Alexandre Reinecke
Roteiro: Fabio Brandi Torres
Pesquisa: Renata Junqueira
Fotografia: Thais Taverna
Montagem: Pichi Martirani
Trilha: José Paes de Lira (Lirinha)
Duração: 85 minutos