Poetas do Céu

Por Maria do Rosário Caetano

Por que milhões de pessoas se encantam com fogos de artifício mundo afora?

Para entender a paixão humana pela pirotecnia, o cineasta mexicano, com dupla nacionalidade francesa, saiu perambulando pela China, inventora da pólvora, pelo Brasil, Japão, pátria do hanabi, Espanha, França, Cuba e, claro, pelo México, país dos mais fogueteiros (no duplo sentido da palavra).

O filme começa no Rio de Janeiro, na queima de fogos do Réveillon carioca, tido como o maior do mundo. Milhares de pessoas vão pular ondas, levar oferendas a Iemanjá e assistir à queima de fogos. A pólvora colorida explode em formas múltiplas que a todos encantam. Seus artífices são os “Poetas do Céu”, nome dado ao documentário que estreia nessa quinta-feira, 28 de julho, com exclusividade no Cine Belas Artes, em São Paulo.

Emílio Maillé — além de irmão da atriz Claudette Maillé, a “soldadera de Pancho Villa”, que montou a cavalo, nua, no Festival de Gramado — é um diretor eclético, autor de ficções como o badalado “Rosário Tijeras”, animações, séries para TV (muitas) e documentários. Dois deles são notáveis. Um, por documentar a trajetória do “Buñuel Mexicano” (1997) e outro (“Miradas Múltiplas”) por trabalhar com testemunhos de grandes fotógrafos planetários (Raoul Coutard, Janusz Kaminski, Darius Khondji e Christopher Doyle), sem esquecer o mexicano Angel Godet (“Frida, Natureza Viva”) e os brasileiros Affonso Beato, Walter e Lula Carvalho, Lauro Escorel, o uruguaio-brasileiro César Charlone e o argentino-franco-brasileiro Ricardo Aronovich (“Os Fuzis”, “São Paulo S.A.”).

Em sua viagem ao mundo da pirotecnia, Maillé busca revelar, com “Poetas do Céu”, as manifestações mais singulares desta arte milenar. Seu foco recai nos criadores mais relevantes e em seus processos criativo e emocional. Sua intenção é retratar a imensa paixão que une estes artistas e descobrir as singularidades das festas condicionadas pela realidade histórica, cultural, econômica e política. O documentarista dividiu sua narrativa em três vertentes (Nascimento, Crescimento e Morte), misturando o religioso e o profano e, assim, refletir sobre a vida.

Ao lançar o filme, Emílio Maillé lembrou que sua intenção “era mostrar não só as luzes incríveis que iluminam momentaneamente o céu, mas também as vidas e realidades de quem as cria”. Afinal, “em todo o mundo, fogos de artifício encerram festivais, alguns motivados por razões religiosas e outros apenas pelo desejo lúdico. A pólvora, que misturada com produtos químicos inovadores ilumina o céu por alguns segundos, é capaz de arrancar sorrisos e aplausos do público, gerando uma bela onomatopeia pelo mundo, acompanhada por diferentes sotaques e sons, provando que todos podemos obedecer à mesma paixão”.

Ao escolher suas múltiplas locações, a China, berço da pólvora negra (criada no século VIII, a partir do enxofre, salitre e carvão) não poderia ficar de fora. Dezesseis séculos depois, os chineses ainda dedicam-se a esse fogo sem chama. Eles também são os principais produtores e exportadores de fogos de artifício. “Poetas do Céu” dá destaque ao grande mestre Cai Guo-Qiantm, artista plástico reconhecido internacionalmente, para quem a pólvora é um dos instrumentos preferidos. O filme registra Guo-Qiantm na preparação e execução de suas criações voltadas às comemorações do Ano Novo Chinês.

O México vive o ritmo eufórico das festas de rua ao longo do ano, a maioria de caráter religioso. Muitos festejos são de caráter bem localizado. Estas celebrações são organizadas em pequenas cidades em devoção a seus santos padroeiros. No país de Maillé, não há festa sem brilho noturno. E Tultepec é a capital mexicana dos fogos de artifício. Metade da pirotecnia nacional é produzida na localidade.

Pedro Miron é o grande mestre mexicano dos fogos de artifício. Ele compete no concurso mais disputado e impressionante do país. Durante seis horas, acompanhadas por grandes estruturas de madeira, papel machê de todas as cores e juncos, mais de quatro mil fogos de artifício são lançados para iluminar o céu de Tultepec.

As flores de fogo (hanabi) são tradições do Japão. A pólvora fôra, outrora, exclusiva do arquipélago asiático durante a era Mejii (1868-1912). Porém, a arte da pirotecnia progrediu através dos esforços de técnicos, chamados no Japão de hannabishi. O mestre Aoki akio tornou-se o nome mais respeitado entre tais artífices. “Poetas do Céu” o acompanha em sua preparação para a “Sumida em Tóquio”, na qual mais de 2 mil foguetes são lançados, no último sábado de julho, para o deleite de mais de um milhão de espectadores.

O primeiro grande show de fogos de artifício, entre os franceses, aconteceu em 1612, por ocasião do casamento do rei Luís XIII com Ana da Áustria. O sucesso foi tamanho que, a partir daquele momento, foram considerados símbolo de vitória e celebração dos mais importantes acontecimentos históricos nacionais.

Os grandes mestres são, hoje, na França, os integrantes do Grupo F, liderado por Christophe Berthonneau, que se encarrega de iluminar os monumentos mais famosos do país durante os festejos do 14 de Julho, data nacional, em Paris. Eles são lançados do Trocadero ao pé da Torre Eiffel.

As praias do Brasil sediam as mais disputadas festas de Réveillon e nelas não podem faltar fogos de artifício. Afinal, são eles que anunciam a chegada do Ano Novo. Soma do ecletismo religioso com superstições, a festa carioca atrai turistas do mundo inteiro.

Na Espanha, cabe à Valência sediar com festejos em honra a San José, as famosas Las Fallas. Trata-se de celebração religiosa que culmina com a queima de verdadeiros monumentos construídos com complexa engenharia pirotécnica. Cada bairro da cidade tem um grupo designado Casal Faller, que é responsável pela organização de eventos, geralmente ligados à comida tradicional espanhola, para angariar fundos. Os recursos obtidos serão investidos na construção das “fallas” a cada ano mais engenhosas e encantadoras.

A santeira, em Cuba, é uma manifestação religiosa que mistura origens africanas com a religião católica. No mês de fevereiro, celebra-se Santa Bárbara, padroeira dos foguetes (ou fogos de artifício). Os afro-cubanos, em especial, dão corpo a uma celebração poderosa, acompanhada com imensa alegria por milhares de pessoas, que cantam, dançam e apreciam a queima de fogos.

 

Poetas do Céu | Poetas del Cielo
México, Brasil, França, 102 minutos, 2019
Documentário de Emílio Maillé, filmado no Brasil, China, Cuba, Espanha, México, Japão e França
Produção: Querosene Filmes com Emílio Maillé e parceiros franceses
Distribuição: Pandora Filmes

 

FILMOGRAFIA
Emílio Maillé (Cidade do México, DF, 09/05/1963)

2019 – “Poetas do Céu” (doc)
2019 – “Los Pecados de Bárbara” (série TV)
2017 – “Teodoro em Concreto” (doc)
2016 – “Juana Inés” (série TV)
2015 – “Porfirio Diaz, 100 Años Sin Pátria” (doc)
2015 – “El Capitán Camacho” (série de TV)
2013 – “El Asesinato de Villa: La Conspiración” (doc)
2012 – “Miradas Multiples (La Máquina Loca)”- doc
2010 – “Los Minondo” (série de TV)
2010 – “La Leyenda de Mayal” (animação)
2009 – “XY. La Revista” (série de TV)
2005 – “Rosário Tijeras” (ficção)
2002 – “Mission Banquise: Le Voyage Immobile” (TV)
2002 – “Un Juillet à Séville” (doc)
1997 – “ Un Buñuel Mexicano” (doc)

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