“A Máquina”, descolada ficção sobre boxe mexicano, reúne García Bernal, Diego Luna, Perugorría e Leandro Firmino
Por Maria do Rosário Caetano
“La Máquina”, série recém-lançada no streaming pela Star-Disney, se apresenta como descolada e coloridíssima criação (e curtição) de seus protagonistas, os atores Gael García Bernal e Diego Luna.
Loucos por boxe, os astros mexicanos engendraram o argumento da trama, assinaram a produção executiva e assumiram os papeis de onipresentes protagonistas – dois amigos muito doidos, um pugilista (Estevan “La Máquina” Osuna) em fim de carreira, e o outro, seu empresário Andrónico Luján, o Andy, um filhinho-de-mamãe obcecado por aparência física e juventude.
Para completar o elenco, foram escalados nomes bastante conhecidos no México (as cantrizes Eiza Gonzales e Lúcia Méndez, Karina Gidi, Andres Delgado, Raul Biones e muitos outros), e dois convidados especiais – o brasileiro Leandro Firmino da Hora, para interpretar João Falcão Jr, manager de pugilista filipino de nome Protasio, e o cubano Jorge Perugorría, encarnado no treinador Sixto, “filósofo” e zelador do corpo e das fragilidades de “La Máquina”.
O carioca Leandro Firmino da Hora, nunca é demais lembrar, ganhou fama por diálogo cult proferido em “Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) – “Dadinho é o caralho, meu nome é Zé Pequeno”. Foi parar, vejam vocês, em Ciudad de Mexico.
Perugorría transformou-se em astro ibero-americano ao protagonizar (com Vladimir Cruz) o maior sucesso comercial do cubano Tomás Gutierrez Alea, “Morango & Chocolate” (1995). Como “La Máquina” pretende dialogar com o público jovem, Gael e Luna assumiram, em especial no primeiro capítulo, humor dos mais aliciantes.
A série, distribuída mundialmente pela Star, não se atém a um único gênero. Começa tão descolada, que nos induz a esperar por comédia, diversão pura, ambientada no mundo do boxe mexicano. Mas, ao longo dos seis episódios, a trama dialogará com o melodrama (a busca do pai pelo perturbado Estebán Osuna), o musical dançante, a sátira ao culto contemporâneo à cirurgia plástica e a seus derivados, e, claro, ao cinema de ação e luta (o boxe, não esqueçamos, é o tema central da trama escrita pelos roteiristas Marco Ramirez e Fernanda Coppel). A direção é de Gabriel Ripstein, neto do lendário produtor Alfredo Ripstein e filho de Arturo “Profundo Carmesi” Ripstein.
Gael García Bernal e Diego Luna são amigos de infância. Hermanos, não de sangue, mas de vida e ofício. O primeiro, nascido em Guadalajara, estourou em seu país com “Amores Perros” (Alejandro Iñarritu, 2000). Um ano depois, os dois amigos atuavam, juntos com a espanhola Maribel Verdu, no descoladíssimo “Y Tu Mamán También” (Alfonso Cuarón). Dali em diante, trabalhariam como atores ou produtores. Em dupla ou separados, mas sempre parceiros. Gael, de 45 anos, faria “O Crime do Padre Amaro”, de Carlos Carrera, “Diários de Motocicleta”, com o compadre Walter Salles, “Babel”, outro Iñarritu, “No” e “Neruda”, ambos do chileno Pablo Larraín.
Diego Luna, de 44 anos, nascido em Toluca, de pai mexicano e mãe britânica, chegaria ao sucesso comercial com “Rogue One, Uma História de Star Wars” e a série “Narcos” (protagonizou uma das últimas temporadas – a do Cartel de Guadalajara). Em paralelo à carreira de atores, Gael e Luna criaram a produtora Canana, cujo primeiro filme foi “J.C. Chávez” (Diego Luna, 2007), documentário sobre Júlio César Chávez, um dos maiores nomes da história do boxe mexicano.
Voltam pois, agora, com “La Máquina”, à paixão de ambos – os embates nos ringues e a vida conturbada dos pugilistas. Mas o fazem jogando todas as fichas na liberdade ficcional. E o fazem com muito humor, ginga e música. Dolentes canções de amor latino-americanas embalam importantes sequências da narrativa.
O primeiro episódio da série é realmente irresistível. Tudo começa em Nevada, nos EUA, onde “La Máquina”, aos 38 anos e já decadente, vai enfrentar o filipino Protasio. Um jovem desajeitado, Saul (Andres Delgado), entra na cozinha da imensa arena de Las Vegas, atrás de um Fresquito, suco de tamarindo, fabricado em Guadalajara, terra do pugilista.
“Kitchen? Cocina? Hay un mexicano acá?”, pergunta o rapaz. Finalmente, aparece um auxiliar de cozinha, o único capaz de conseguir uma garrafa de suco de tamarindo mexicana. Na correria, Saul leva a bebida ao cunhado Andy, manager de “La Máquina”. Este descobre que o suco foi fabricado por outra marca. Não é o Fresquito tapatío (toponímio de quem nasce no estado de Jalisco, cuja capital é Guadalajara). O espalhafatoso Andy sabe que o pugilista não bebe outro suco. Só o da marca Fresquito, de sua terra natal. A sequência é deliciosa, de ritmo cativante.
Esteban “La Máquina” Osuna aparecerá, sob os aplausos de milhares de admiradores, no ringue de Las Vegas. Mas será derrotado já no primeiro round. O “Orgulho Tapatío” sofre humilhação vergonhosa. Agravam-se, por consequência, seus pesadelos, que são muitos (ele é um ex-adicto de drogas, divorciado da mulher que ama, distante dos filhos, afastado há décadas do pai).
Enquanto isso, em mansão sofisticadíssima de Ciudad de Mexico, saberemos mais sobre Andy Luján. Ele é o xodó de mamãe Josefina, a Jose (Lúcia Méndez), mulher rica e alucinada por técnicas de rejuvenescimento. O filho também é louco por recursos de embelezamento. O veremos em sua insana toillette diária – colocando aplique nos cabelos, usando spray de bronzeamento artificial e contorno que realcem os olhos. E aplicando botox nos lábios e outras partes do rosto. Ah, ele é casado com Carlota (Karina Gidi), mas o casal vem decepcionando Dona Jose, que deseja, antes que seja tarde, um neto-herdeiro. Mas a nora quase-quarentona não engravida. E a razão é a baixa quantidade de esperma de Andy.
Maquiado, “bronzeado” e com paletó vistosíssimo (ah, e com o inseparável colar que ganhou de presente do Dalai Lama!), Andrônico “Andy” Luján vai batalhar pela realização de uma nova luta – a grande revanche! – com o empresário do pugilista filipino. Que vem a ser o brasileiro João Falcão Jr (Leandro Firmino). A revanche será acordada depois de muita treta. E dessa vez o angustiado e envelhecido “La Máquina” se dará bem.
O resto do capítulo será de festa, música, bebida, dança e humor. Mas haverá tempo para introduzir tema essencial à trama – as tramóias dos exploradores do mundo do boxe, incansáveis investidores na compra de resultados. E eles vão cobrar alto preço pela recente vitória de “A Máquina”. Ou seja, exigir que ele assuma a posição de derrotado em disputa pelo cinturão de “luta unificada” contra o poderoso Harry “El Guapo” Felix, de cidadania britânica.
Os cinco capítulos, a seguir, nos levarão a imprevisível desfecho. Afinal, Estebán “La Máquina” Osuna aceitará pagar tal dívida, que não foi contraída por ele, e fechar sua trajetória com derrota humilhante? Eis a questão.
Como dissera Andy, convicto e sempre fiel ao amigo pugilista (depois de vê-lo humilhado pelo filipino Protasio), dias melhores hão de chegar. “La Máquina”, com certeza, dará a volta por cima. Afinal, “a história do México é feita de quedas, de golpes, de sangue”. E de reviravoltas. Pelo que veremos impresso nas imagens e diálogos banhados de humor, nem tudo está irremediavelmente perdido. A linguagem ‘callejera’, soma de gírias e palavrões, trará a musicalidade do fascinante país cuja sina o colocou “tan lejo de Dios y tan próximo de los EUA”. Protagonistas e coadjuvantes (incluindo a dupla de comentaristas de programas sensacionalistas dedicados ao boxe) jamais recorrerão ao professoral, ao explicativo. “La Máquina” quer divertir, sem apelações baratas. Só aqui e ali cometerá um ou outro exagero (como os excessos estéticos de Andy).
E, por fim, não esqueçamos a deliciosa filosofia de almanaque de Sixto, o cubano de Camaguey, que evoca Platão e boa quantidade de frases de efeito – “a vida dá e tira”, “não há prazer sem sofrimento”, “nossa luta será a da arrogância contra a determinação” (esta representada por “La Máquina”). E, num lance metalinguístico, ele garantirá que o confronto no ringue constitui “uma hora de teatro” oferecida à massa torcedora. Afinal, é isso que ela busca nas imensas arenas.
La Máquina
México, 2024, 6 capítulos, média de 50 minutos cada um
Direção: Gabriel Ripstein
Elenco: Gael García Bernal (Estebán “La Máquina” Osuna), Diego Luna (Andrônico “Andy” Luján), Eiza González (Irasema), Lúcia Méndez (Dona Josefina, a Jose), Karina Gidi (Carlota Luján), Andres Delgado, (Saul, o cunhado), Jorge Perugorría (Sixto, o treinador cubano), Luis Gnecco (Facundo), Darian Coco (Zamira), Raul Briones (Juan Carlos), Leandro Firmino da Hora (João Falcão Jr.), Christopher Evangelou (Harry “El Guapo” Felix), Mercito Gesta (Protasio, o filipino)
Argumento: Diego Luna, Gael García Bernal, Monika Revilla e Julian Hebert
Roteiro: Marco Ramirez e Fernanda Coppel
Onde assistir: Disney+