Mostra SP abre espaço nobre para cinema de fala espanhola com “Pedro Páramo”, “Saben Aquell”, “Soy Nevenka” e “Sujo”
Por Maria do Rosário Caetano
O cinema de expressão espanhola terá representação das mais significativas na quadragésima-oitava edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que durante duas semanas (16 e 30 de outubro) exibirá mais de 400 filmes. Quarenta e dois deles são originários da Espanha, América Hispânica e Caribe.
O México deve causar sensação com seis títulos, incluindo seu candidato a vaga no Oscar de melhor filme internacional (“Sujo”, de Astrid Rondero e Fernanda Valadez). E com produções assinadas por Rodrigo Prieto (“Pedro Páramo”, foto), Alonso Ruiz Palácios (“La Cocina”), Julian Hernandez (“Los Demónios del Amanecer”), Pierre Saint-Martin (“No nos Moverán”) e Nicolas Pereda (“Lázaro de Noche”).
A Espanha, como não poderia deixar de ser, reinará absoluta, com 13 títulos. Argentina e Colômbia também se farão representar por significativa quantidade de filmes. O cinema argentino, que quase desapareceu de nosso circuito de arte e ensaio (assim como todo o cinema hispano-americano), chega em numero significativo (onze produções). E a Colômbia com cinco.
O Chile participará com apenas dois longas-metragens. E este país, que ganhou o Oscar de filme internacional com “Uma Mulher Fantástica” (Sebastián Lélio, 2017) e cavou vagas nobres na categoria melhor documentário (com “O Agente Secreto” e “A Memória Infinita”, ambos de Maite Alberdi), não terá seu indicado desse ano na tela grande de um festival brasileiro. Isto porque “O Lugar da Outra”, da mesma e onipresente Maite Alberti, é uma ficção (estreia dela no formato) já disponibilizada pela Netflix.
Sete outros países da América Hispânica marcarão presença na Mostra SP com um filme cada (Costa Rica, República Dominicana, Cuba, Uruguai, Equador, Peru e Guiana). Matriz da língua castelhana, o país de Buñuel-Saura-Almodóvar mandará, além do indicado ao Oscar internacional (“Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodríguez), o novo filme da atriz, diretora e gestora cultural Iciar Bollaín (“Soy Nevenka”), e duas produções do Clã Trueba – “Saben Aquell”, comédia de David Trueba, 55 anos, e “Volveréis”, de Jonas Trueba, 42. O primeiro é irmão e o segundo, filho do oscarizado Fernando Trueba (“Belle Époque – Sedução”).
Na Mostra SP estarão nomes com os quais ainda não estamos familiarizados. A maioria é composta de representantes do sexo feminino, caso de Liliana Torres (“Mamífera”), Adria Orr (“A Nuestros Amigos”), Maria Trénor (“Rock Botton”), Célia Rico (“Los Pequeños Amores”), Pilar Palomero (“Los Detellos”) e Mar Coll (“Salve Maria”). A elas se somarão Alex Montoya (“La Casa”), Guillermo Rojas (“Solos em la Noche”) e Alberto García (“La Parra”).
Quem gosta de humor corrosivo e econômico não pode perder “Saben Aquell”. Em especial, os amantes de stand up comedy, que devem formar filas nas salas onde for programado o longa de David Trueba. No centro da narrativa dessa comédia – digamos – amarga, está o humorista barcelonês Eugeni Jofra (1941-2001), interpretado por David Verdaguer, merecidamente premiado com o Goya de melhor ator.
Por longos anos, o verdadeiro Jofra lotou teatros e casas noturnas. E chamou atenção por sua obstinada dedicação ao trabalho. Quando sua mulher (e maior incentivadora) Conchita Alcaide, morreu, prematuramente, vítima de câncer, ele tinha um show agendado. Mesmo de coração partido e luto fechado (amava a mãe de seus filhos), encerrado o funeral, ele dirigiu o próprio automóvel até cidade interiorana que o aguardava. Tinha dúvidas se o público compareceria. Mas, se comparecesse, o espetáculo seria apresentado.
O público compareceu, silencioso e solene, já que tinha pleno conhecimento da tragédia vivida pelo humorista. O iconoclata Eugeni Jofra, para quebrar o tom sepulcral do ambiente, indagou: “Les veo muy sérios. Se les há muerto alguien?”
O filme mais festejado da representação mexicana é “Pedro Páramo”. Primeiro, por tratar-se de nova recriação de um dos mais famosos romances da literatura latino-americana, criação do escritor Juan Rulfo, espécie de Raduan Nassar mexicano. Não pelo estilo, mas pela síntese. Ambos escreveram poucos (raros!) livros. E deixaram sua marca.
Rulfo publicou, além de “Pedro Páramo”, apenas um livro de contos (“El Llano em Llamas” – O Planalto em Chamas). Nassar, além de “Lavoura Arcaica”, escreveu “Um Copo de Cólera”, ambos transformados em ótimos filmes.
A quarta adaptação de “Pedro Páramo” se arrastava (antes, três mexicanos ousaram dar suas versões do livro – Carlos Velo, em 1966, José Bolaños, dez anos depois, e Salvador Sanchez, em 1981. Nenhuma teve repercussão internacional). O projeto, que traria a assinatura do roteirista (e cineasta) espanhol Mateo Gil foi engendrado em 2007.
Gil contava com o prestígio acumulado por “Mar Adentro” (Alejandro Amenábar, 2004), escrito por ele e um grande sucesso em língua espanhola. Gael García Bernal deveria dar vida ao protagonista rulfiano. Porém, para transformar o filme em realidade, o roteirista necessitava de orçamento de 10 milhões de dólares. Pouco em Hollywood, mas muito na América Latina (e até na Europa).
Dezessete anos depois, o filme se materializou graças ao apoio da Netflix, que anda apostando cada vez mais na produção mexicana destinada ao streaming (desde o emblemático e fascinante “Roma”, de Alfonso Cuarón, detentor de significativas estatuetas no Oscar).
Junto com “Páramo” (com estreia prevista para seis de novembro, na Netflix), outro livro chegará em breve ao streaming, “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, o Gabo. O escritor, Prêmio Nobel de Literatura, não demonstrava entusiasmo com a recriação audiovisual de seu épico colombiano. Por isso, ninguém acreditava, mesmo depois de sua morte, que a saga dos Buendía virasse filme ou série. Afinal, quem ousaria adaptar o mais famoso romance do Realismo Mágico latino-americano? Movimento literário que o escritor e ensaísta cubano Alejo Carpentier gostava de opor ao Realismo Fantástico europeu. Vide o ensaio que publicou como prefácio de “O Reino desse Mundo”.
Curioso notar que, por trás dos dois projetos, agora transformados em realidade, estejam dois diretores de fotografia. E ambos radicados no México e nos EUA (ou seja, com um pé em cada canoa) – Rodrigo García, filho de Gabo, e Rodrigo Prieto, autor das imagens do seminal “Amores Perros” (Iñarritu, 2000), de “Brokeback Mountain” (Ang Lee) e, hoje colaborador assíduo de Martin Scorsese (“Silêncio”, “O Irlandês” e “Assassinos da Lua das Flores”).
O Rodrigo, que nasceu na Colômbia, mas cresceu no México, e seu irmão Gonzalo resolveram permitir que “Cem Anos de Solidão” virasse série de TV. Não um filme, pois nesse formato, mesmo que fosse longuíssimo, exigiria cortes significativos.
Esse problema (necessidade de largueza temporal) não atormentou o Rodrigo mexicano. Como Juan Rulfo (1917-1986) praticou narrativas descarnadas e sintéticas, ele conseguiu resumir a história de “Pedro Páramo” em pouco mais de duas horas (131 minutos). E assinou a fotografia em parceria com Nico Aguilar. Na trilha sonora, o argentino Gustavo Santaolalla, um mestre.
“Pedro Páramo”, que estreou no Festival de Toronto, Canadá, terá na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo sua pré-estreia brasileira. Poderá ser visto em tela grande. Sonho de qualquer realizador cinematográfico, ainda mais quando construiu carreira como um dos maiores diretores de fotografia da atualidade.
O filme mexicano conta a história de Juan Preciado, que, após a morte da mãe, decide buscar seu pai, Pedro Páramo, em Comala, um ‘pequeño pueblo’ fantasmagórico. Encontrará pessoas misteriosas e saberá que (o falecido) Páramo empreendeu implacável busca por riqueza e poder. O que nos caberá ver soma de mortos e vivos, passado e presente, desejos, esperanças, arrependimentos e ressentimentos. No elenco, do qual Gael García Bernal não participa, destacam-se Manuel García Rulfo, Tenoch Huerta, Ilse Salas, Mayra Batalla, Héctor Kotsifakis e Roberto Sousa. O roteiro de Mateo Gil, finalmente, foi filmado em grande estilo.
Filmes da Espanha, América Hispânica e Caribe:
. “Pedro Páramo”, de Rodrigo Prieto (México)
. “Sujo”, de Astrid Rondero e Fernanda Valadez (indicado ao Oscar pelo México)
. “A Cozinha”, de Alonso Ruiz Palácios (México)
. “Los Demónios del Amanecer”, de Julian Hernandez (México)
. “No nos Moverán”, de Pierre Saint-Martin (México)
. “Lázaro de Noche”, de Nicolas Pereda (México)
. “Saben Aquell”, de David Trueba (Espanha)
. “Soy Nevenka”, de Iciar Bollaín (Espanha)
. “Volveréis”, de Jonas Trueba (Espanha)
. “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodríguez (indicado ao Oscar pela Espanha)
. “Mamífera”, de Liliana Torres (Espanha)
. “A Nuestros Amigos”, de Adria Orr (Espanha)
. “Rock Botton”, de Maria Trénor (Espanha)
. “Los Pequeños Amores”, de Celia Rico (Espanha)
. “Los Detellos”, de Pilar Palomero (Espanha)
. “Salve Maria”, de Mar Coll (Espanha)
. “La Casa”, de Alex Montoya (Espanha)
. “Solos em la Noche”, de Guillermo Rojas (Espanha)
. “La Parra”, de Alberto García (Espanha)
. “Lo que Quisimos Ser”, de Alejandro Agresti (Argentina)
. “Tu me Abrasas”, de Matías Piñeiro (Argentina)
. “Reas”, de Lola Arias (Argentina)
. “Los Tonos Mayores”, de Ingrid Pokropek (Argentina)
. “Abril, Verde, Amarillo”, de Santiago Aucilino (Argentina)
. “El Agronómo”, de Martín Turne (Argentina)
. “Las Léguas”, de Diego Fió (Argentina)
. “Un Pájaro Azul”, de Ariel Rotler (Argentina-Uruguai)
. “Simón de la Montaña”, de Federico Luis (Argentina)
. “Algo Viejo, Algo Nuevo, Algo Prestado”, de Hermán Rosselli (Argentina)
. “Most People Die on Sundays”, de Isar Said (Argentina e parceiros)
. “El Vaquero”, de Emma Rozanski (Colômbia)
. “Golan”, de Orlando Culzat (Colômbia)
. “Matrioska”, de Jorge Forero (Colômbia)
. “Ma Bestia”, de Camila Beltrán (Colômbia)
. “Água Salá”, de Steven Morales Pineda (Colômbia)
. “Fiebre”, de Elisa Eliash (Chile)
. “Una Luz Negra”, de Alberto Hayden (Chile)
. “Delírio”, de Alexandra Latishev Salazar (Costa Rica, Chile)
. “Tiguere”, de José Maria Cabral (República Dominicana)
. “Dom Goyo”, de Jorge Flores Velasco (Equador)
. “Agarrame Fuerte”, de Ana Guevara e Letícia Jorge (Uruguai)
. “Kouté”, de Maxime Jean-Baptiste (Guiana, França, Bélgica)
. “Fenómenos Naturales”, de Marcos Díaz Sosa (Cuba, Arg, Méx, França)
. “Zafari”, de Mariana Rondón (Peru, França, Brasil, Chile, República Dominicana)
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