David di Donatello, o “Oscar italiano”, seleciona filmes de Sorrentino, Valéria Golino e o belo “Vermiglio”, de Delpero
Foto: “Vermiglio”, de Maura Delpero
Por Maria do Rosário Caetano
Paolo Sorrentino, premiado com o Oscar de melhor filme internacional por “A Grande Beleza”, é o recordista de indicações aos Prêmios David di Donatello. Seu novo filme, o controvertido “Parthenope – Os Amores de Nápoles”, obteve 15 indicações, incluindo a categoria principal – a de melhor filme italiano de 2024. Mas ele não está sozinho na lista de recordistas do ano. O cineasta Andrea Segre também emplacou 15 indicações com o drama político “Berlinguer – A Grande Ambição”. Um filme que registra o sonho do secretário-geral do PCI (Partido Comunista Italiano) de “construir o socialismo dentro da democracia”. Não conseguiu, embora comandasse o maior partido comunista do Ocidente.
Apesar do desempenho dos filmes dos dois diretores, Sorrentino e Segre, o longa-metragem que parece mais qualificado a levar para casa a estatueta — simbolizada na figura renascentista do David, criação do escultor Donatello — é “Vermiglio”, de Maura Delpero, belo drama ambientado em meio à neve, em tempo de guerra. Ele figurou na lista dos 15 semifinalistas ao Oscar de Hollywood. E durante semanas destacou-se como um dos cinco favoritos ao Oscar internacional (perdeu a vaga para a animação “Flow”, da Letônia).
Duas mulheres – Maura Delpero e Valeria Golino, esta a diretora de “A Arte da Alegria” – receberam, cada uma, 14 indicações. Completam a lista de concorrentes na categoria principal, o filme “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencine. Placar: três diretoras contra dois diretores.
A septuagésima cerimônia do “Oscar italiano” acontecerá no dia 7 de maio, em Roma, com transmissão pela RAI. A festa será comandada pela atriz Elena Sofia Ricci (premiada por “Silvio e Eu”, de Sorrentino), e pelo cantor Mika, o “Freddy Mercury libanês-europeu”, que substitui o ‘entertainer’ florentino Carlo Conti. O David di Donatello é um dos três prêmios mais antigos do mundo (perde para o Oscar, com suas 97 edições, e para o Bafta, com 78).
A edição de número 70 dos “David” deve – se houver bom senso – consagrar “Vermiglio”, que passou pelo Festival de Veneza e atraiu significativa plateia na Mostra Internacional de São Paulo. As excessivas indicações do novo filme de Paolo Sorrentino, mal recebido pelo júri do Festival de Cannes e pela Crítica internacional, devem reduzir-se a prêmios técnicos. Resta saber o impacto de “Berlinger – A Grande Ambição”, inédito no Brasil como três dos outros concorrentes. Só “Parthenope” foi lançado em nossos cinemas, pela Paris Filmes, mas empacou em modestos 15 mil espectadores.
Para enfrentar Sorrentino e Segre foram escaladas, pois, três diretoras. E, convenhamos, elas estão causando sensação em cerimônias de premiação audiovisual.
Maura Delpero fez de “Vermiglio” um filme excepcional. Sua trama, situada em 1944, portanto com a Segunda Guerra Mundial chegando a seus derradeiros momentos, se passa num remoto vilarejo nas montanhas geladas dos Alpes. Pietro, um desertor, chega à casa do mais respeitado professor do lugarejo. E se envolve emocional e sexualmente com a filha mais velha daquele que lhe dá abrigo. A mais velha e a preferida. Acabará colocando a vida de todos em suspensão. Um filme de densa atmosfera, personagens complexos interpretados por ótimos atores (embora pouco conhecidos por nós, brasileiros), fotografia magnetizadora (de Mikhail Krichman) e ritmo aliciador (não vemos seus 119 minutos passarem).
“Vermiglio” recebeu 14 indicações (uma a menos que “Parthenope e “Berlinguer”). Na mesma condição está “A Arte da Alegria”, da badalada atriz ítalo-grega Valeria Golino, de 58 anos. E outra realizadora, Francesca Comencini, viu seu filme destacado em cinco categorias, incluindo a principal (melhor filme e melhor ator). E ganhou destaque como finalista ao “David Giovanni” (a estatueta atribuída pelos jovens espectadores).

Dois detalhes curiosos saltam aos olhos nessa edição número 70 dos David di Donatello. Primeiro: o desmedido “Limonov, o Camaleão Russo”, de Kirill Serebrennikov, produzido com muita grana italiana (e também francesa), e por isso habilitado a concorrer à estatueta peninsular, só cravou uma mísera vaga: melhores efeitos especiais.
Segundo: a memória de Enrico Berlinguer (1922-1984), o mais importante líder comunista da Itália, continua muito viva. Tanto que dois filmes, que o têm como personagem, estão na disputa por importantes estatuetas. A ficção “Berlinguer – A Grande Ambição”, de Andrea Segre, recebeu 15 indicações, inclusive de melhor filme e de melhor ator (Elio Germano). No terreno do documentário, o político socialista volta em longa-metragem de Samuele Rossi: “Prima Della Fine. Gli Ultimi Giorni di Enrico Berlinguer” (“Antes do Fim – Os Últimos Dias de Berlinguer”).
Nos anos 1960 e 1970, a música italiana era muito conhecida no Brasil. Nomes como Gigliola Cinquetti, Rita Pavone, Mina, Peppino “Champagne” di Capri e Domenico “Volare” Moduno estavam nas trilhas de muitos filmes, nas rádios e nos bailes da moçada. No cinema, as trilhas sonoras de Nino Rota (1911-1979) e do quase octogenário Nicola Piovani a todos encantavam. A situação mudou muito.
Hoje, os créditos dos trilheiros e das canções indicadas ao “David” não chamam mais atenção dos brasileiros. A música peninsular desapareceu de nossas emissoras de rádio e dos bailes. Mas Piovani segue, incansável, em seu labor. A única indicação recebida pelo filme “O Trem Italiano da Felicidade” (“Il Treno dei Bambini”), de Cristina Comencini, é devida à sua criação musical.
Os atores e atrizes italianos, outrora onipresentes, já não povoam nossos cinemas. Anna Magnani, Marcello Mastroianni, Giulietta Masina, Virni Lisi, Monica Vitti, Vittorio Gassman e Alberto Sordi partiram. Estão distantes os tempos dos filmes de Rossellini, Fellini, Viconti, Antonioni e Pasolini. E das comédias à italiana, de Dino Risi, Mario Monicelli, Luigi Comencini, Pietro Germi e Ettore Scola.
Alguns (poucos) atores ainda conseguem romper o cerco. Este é o caso de Pierfrancesco Favino, romano de 55 anos, que este ano concorre ao David de melhor ator coadjuvante por “Napoli-New York”, de Gabriele Salvatores.
Favino tem três David di Donatello na estante. Um por “O Traidor”, filme de Marco Bellocchio, no qual interpretou o mafioso-delator Tomazzo Buschetta (parte do filme foi realizada no Brasil e teve Maria Fernanda Cândido no papel da esposa brasileira do traidor).
O Corriere della Sera, um dos mais influentes jornais da Itália, desenhou substantivo perfil do mais famoso dos atores italianos da atualidade (junto com Toni Servillo). “Pierfrancesco Favino” – registrou o matutino romano – “não poupa esforços ao criar seus personagens. Para interpretar (o ciclista) Gino Bartali treinou, em bicicleta, por 5 mil km. Para interpretar (o político) Bettino Craxi enfrentou cinco horas diárias de maquiagem e adereços protéticos. Para incorporar o pedreiro Mimmo, em ‘Senza Nessuna Pietà’, de Michele Alhaique, engordou 20 quilos”.
A propósito das obsessões de Favino, é hora de lembrar uma de suas mais divertidas transformações. Aquela que, marcada pelo bom humor, se dá na versão italiana da série francesa “Dix pour Cent” («Call my Agent – Italia», 2023). Na primeira temporada (terceiro episódio), ele se viu obsessivamente tomado pelo personagem ao qual dava vida num filme – o guerrilheiro Ernesto Che Guevara.
A Revista de CINEMA assistiu ao referido episódio e ele é realmente hilário. A agência, que cobra 10% de comissão dos atores que representa, tenta acertar um contrato com Pierfrancesco Favino. Isto no exato momento em que ele encarna o papel de Che Guevara. O ator, porém, está de tal forma envolvido com o Comandante, que proíbe suas filhas de tomar Coca-Cola e brincar com a boneca Barbie, “símbolos do imperialismo”.
Além do mais, a Academia Italiana de Cinema, representada por sua verdadeira presidente, Piera Detassis, o espera para a cerimônia de entrega dos David di Donatello. De smoking, bem barbeado e penteado, claro!. Mas ele se sente o próprio Comandante Che Guevara, não quer tirar o uniforme, nem a barba e, imagine!, largar o charuto, o “puro” cubano.
Os roteiros, base dessa série cômica que se espalhou pelo mundo, brincam (pelo exagero) com paixões e características de astros da França (seu país de origem), da Espanha, do Japão e da Itália (territórios onde ganhou remakes). O episódio estrelado por Favino há de encantar aos fãs brasileiros do astro peninsular. Além do mais, presta saborosa homenagem ao “Oscar italiano”.
Confira os finalistas:
Melhor filme
. “Vermiglio”, de Maura Delpero (14 indicações)
. “A Arte da Alegria”, de Valeria Golino (14 indicações)
. “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencini (5 indicações)
. “Berlinguer – A Grande Ambição”, de Andrea Segre (15 indicações)
. “Parthenope – Os Amores de Nápoles”, de Paolo Sorrentino (15 indicações)
Melhor direção
. Maura Del Pero (“Vermiglio”)
. Valeria Golino (“A Arte da Alegria”)
. Francesca Comencini (“Il Tempo Che Ci Vuole”)
. Andrea Segre (“Berlinguer – A Grande Ambição”)
. Paolo Sorrentino (“Parthenope – Os Amores de Nápoles”)
Melhor diretor estreante
. Edgardo Pistone (“Ciao Bambino”)
. Margherita Vicario (“Gloria! Acordes para a Liberdade”)
. Loris Lay (“Bambino de Gaza”)
. Gianluca Santoni (“Io e Il Secco”)
. Neri Marcorè (“Zamora”)
Melhor documentário
. “Duse, The Greatest”, de Sonia Bergamasco
. “Il Cassetto Segreto”, de Constanza Quatriglio
. “Lirica Ucrania”, de Francesca Mannocchi
. “Prima Della Fine. Gli Ultimi Giorni di Enrico Berlinger”, de Samuele Rossi
. “L’Occhio Della Gallina”, de Antonieta De Lillo
David Giovanni (Prêmio do Júri Jovem)
. “Napoli – New York”, de Gabriele Salvatores
. “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencini
. “Berlinguer, A Grande Ambição”, de Andrea Segre
. “Il Ragazzo di Pantaloni Rosa”, de Margherita Ferri
. “Famiglia”, de Francesco Costabile
Melhor filme estrangeiro
. “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders (Japão)
. “Anora”, de Sean Baker (EUA)
. “Jurado Número 2”, de Clint Eastwood (EUA)
. “Conclave”, de Edward Berger (Inglaterra-Alemanha)
. “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer (Inglaterra-Alemanha)
Melhor atriz
. Martina Scrinzi (“Vermiglio”)
. Barbara Ronchi (“Familia”)
. Celeste Dalla Porta (“Parthenope”)
. Tecla Insolia (“Parthenope”)
. Romana Maggiora Vergano (“A Arte da Alegria”)
Melhor ator
. Tommaso Ragno (“Vermiglio”)
. Elio Germano (“Berlinguer – A Grande Ambição”)
. Fabrizio Gifuno (“Il Tempo Che Ci Vuole”)
. Francesco Gheghi (“Familia”)
. Silvio Orlando (“Parthenope”)
Melhor atriz coadjuvante
. Jasmine Trinca (“A Arte da Alegria”)
. Valeria Bruni-Tedeschi (“A Arte da Alegria”)
. Geppi Cucciari (“Diamanti”)
. Tecla Insolia (“Familia”)
. Luisa Ranieri (“Parthenope”)
Melhor ator coadjuvante
. Pierfrancesco Favini (“Napoli – New York”)
. Peppe Lanzetta (“Parthenope”)
. Robert Citran (“Berlinguer – A Grande Ambição”)
. Francesco Di Leva (“Familia”)
.Guido Caprino (“A Arte da Alegria”)
Melhor roteiro original
. Maura Delpero (“Vermiglio”)
. Marco Pettenello e Andrea Segre (“Berlinguer – A Grande Vitória”)
. Francesca Comencini (“ Il Tempo Che Ci Vuole”)
. Paolo Sorrentino (“Parthenope”)
. Enrico Maria Artale (“El Paraiso”)
. Anita Rivaroli e Margherita Vicario (“Glória! Acordes para a Liberdade”)
Melhor roteiro adaptado
. Gianni Amelio e Alberto Taraglio (“Campo de Bataglia”)
. Francesco Costabile, Adriano Chiarelli, Vittorio (“Familia”)
. Gabriele Salvatores (“Napoli-New York”)
. Roberto Proia (“Il Ragazzo dei Pantaloni”)
. Francesca Marciano, Stefano Sardo e Luca Infascelli (“A Arte da Alegria”)
Melhor casting
. “Vermiglio” (Stefania Rodà e Maurilio Mangano)
. “Berlinguer – A Grande Ambição” (Stefania Di Sanctis)
. “Gloria!” (Massimo Appolloni)
. “Familia” (Anna Pennella)
. “A Arte da Alegria” (Francesco Vedovati, Anna Maria Sambucco, Massimo Appolloni)
Melhor produção (empresas produtoras)
. “Vermiglio” (coprodução Itália-França-Bélgica, com participação da RAI Cinema)
. “Berlinguer – A Grande Ambição” (Vivo Film, Jolefilm, em colaboração com Tarantula, Agitrop e RAI Cinema)
. “Glória!” (Tempesta, em colaboração com Tellfilm e RAI Cinema)
. “Vittoria” (Saccher Filmes, de Nanni Moretti, Zoe Films e RAI Cinema)
. “Caio Bambino” (Mosaicon. Minerva Picture, Anemone e Bronx Films)
Melhor fotografia
. Mikhail Krichman (“Vermiglio”)
. Luan Amelio Ujkay (“Campo di Battaglia”)
. Matteo Cocco (“ Dostoevskij”)
. Daniele Ciprì (“Hey Joy”)
. Fabio Cianchetti (“A Arte da Alegria”)
. Daria D’Antonio (“Parthenope”)
Melhor montagem
. Luca Mattei (“Vermiglio”)
. Walter Fasono (“Dostoevskj”)
. Jacopo Quadri (“Berlinguer – A Grande Ambição”)
. Giogio’ Franchini (“A Arte da Alegria”)
. Cristiano Travaglioli (“Parthenope”)
Melhor trilha sonora
. Nicola Piovani (“O Trem Italiano da Felicidade”)
. Iosonuncane (“Berlinger”)
. Thom Yorke (“Segredos”)
. Colapesce (“Cartas da Sicília”)
. Pavanello & Vicarlo (“Gloria!”)
Melhor canção
. “La Mavagità” (“Cartas da Sicília”), por Colapesce
. “Knife Edge” (“Segredos”), por Thom Yorke
. “Atoms” (“Familia”), por Zuzzoli & Vigliar
. “Diamanti” (“Diamant”), por Travia, Taviani & Giorgia
. “Arial” (“Gloria!”), por Roberts, Fazio, Pavanelo, Vicario & Nonono
Melhor direção de arte
. Pirra, Zito & Pergher (“Vermiglio”)
. Desmann, Schirripa & Zera (“ Il Déluge”)
. Autero & Guarino (“Parthenope”)
. Rimoldi & Merlini (“A Arte da Alegria”)
. Casalini & Vannucci (“Berlinguer”)
Melhor figurino
. Andrea Cavelletto (“Vermiglio”)
. Rita Barbera (“A Arte da Alegria”)
. Mary Montalto (“Glória!”)
. Maximo Cantini Perrini (“Le Déluge”)
.Carlo Poggioli (“Parthenope”)
Melhor som
. “Campo di Battaglia”
. “Vermiglio”
. “Parthenope”
. “Berlinguer – A Grande Ambição”
. “Gloria! Acordes para a Liberdade”
Melhores efeitos especiais
. “ Limonov, o Camaleão Russo”
. “Berlinguer – A Grande Ambição”
. “Parthenope”
. “Napoli-New York”
. “A Arte da Alegria”
Melhor make-up
. Frederique Foglia (“ Vermiglio”)
. Maurizio Fabrini (“A Arte da Alegria”)
. Sara Morlando e Viola Moneta (“Berlinguer”)
. Vita & Visintin (“Le Déluge”)
. Lorenzo Tamburini e Paola Gattabrusi (“Parthenope”)
Melhor cabelo/penteado
. Desiree Corridoni (“Berlinguer”)
. Tiziana Argiolas (“Vermiglio”)
. Santoro & Signoretti (“Le Déluge”)
. Indoni & Iacoponi(“Glória!”)
. Marco Perna (“Parthenope”)