Produtor de “3 Obás de Xangô” assegura cumprimento à regra da Academia de Cinema na disputa pelo Prêmio Otelo

Foto: Diogo Dahl, produtor, e Sérgio Machado, diretor de “3 Obás de Xangô”

Por Maria do Rosário Caetano

Diogo Dahl, produtor do longa-metragem “3 Obás de Xangô”, premiado pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais com o Troféu Grande Otelo de melhor documentário, encaminhou “esclarecimentos necessários” à Revista de CINEMA. Afinal, pairam sobre o filme, dirigido por Sérgio Machado, e sua produtora, a Coqueirão, dúvidas relativas ao seu ineditismo. Ou seja, o documentário ainda não foi lançado. Só o será, segundo a lista de “Lançamentos” do Boletim Filme, em setembro (dia 4).

Seguem os argumentos de Diogo Dahl, que gosto de chamar de Diogo Magalhães Dahl Pereira dos Santos (por ser um legítimo filho do Cinema Novo – da atriz e diretora Ana Maria Magalhães e de Nelson Pereira dos Santos, tendo Gustavo Dahl como seu pai adotivo). Depois, virão minhas ponderações.

Diogo Dahl: “Li seu artigo e réplica do Paulo Mendonça, vice-presidente da Academia. Entro na discussão para assegurar que nosso filme, “3 Obás de Xangô”, seguiu o Regulamento, que, por sua vez, segue o padrão internacional. E, ao contrário da prática usual, não exibimos nosso filme num lugar escondido, mas sim no Espaço Petrobras, em São Paulo. Em se tratando de um documentário, nem sei se faz grande diferença para um lançamento ‘maior’. De qualquer maneira, como você notou, tivemos sucessivas alterações na nossa data de lançamento. Isso se deu por conta do atraso na liberação de recursos nos Editais de Comercialização que vencemos. E aí temos que levar em conta a realidade brasileira. Mas o Prêmio sempre foi nossa prioridade. Por isso, só alteramos a data quando tivemos a certeza que nossa primeira semana de exibição em São Paulo seria suficiente para nos qualificar. E aí tenho que defender mais uma vez a Academia: ninguém sabe o resultado antes. Eu mesmo tinha certeza que ‘Othelo, o Grande’ ia ganhar. Acho até que convenci Ailton (Freitas, produtor) e o Lucas (Rossi, diretor), amigos queridos, de que o filme deles seria premiado. Mas, mesmo assim, preparei meu discurso (just in case, né?). Hoje em dia, é muito fácil anotar no celular, fazer vídeo etc. É uma prática. E é importante exercitar essa possibilidade que te permite relembrar todo o processo e as pessoas envolvidas nele. Por fim, faço um acréscimo: o fato de ‘3 Obás de Xangô’ não ter sido exibido num circuito maior que uma sala, foi justamente o que me fez achar que não venceríamos. Tenho certeza que foi o que ajudou ‘Bituca’, por exemplo, a vencer o Prêmio do Público, pois o filme foi um grande sucesso nas salas, com quase 30 mil ingressos vendidos”.

Ponderações da repórter:

. ‘Lançamento secreto’ – Leio, por dever profissional (e interesse pessoal), as edições semanais do Boletim Filme B (acompanho sua lista de lançamentos, com respectivas atualizações) e todas as quintas-feira confiro, no Guia Cultural – o Rio Show – de O Globo, e todas as sextas, no Guia da Folha de S. Paulo, a lista de estreias cinematográficas, verificando, cuidadosamente, os lançamentos brasileiros. Não vi, em nenhuma dessas três fontes, registro do lançamento de “3 Obás de Xangô” em tempo hábil de concorrer ao Prêmio Grande Otelo, da Academia Brasileira de Cinema (prazo de maio de 2024 a abril de 2025). Não recebi (o que é costumeiro) release que anunciasse o lançamento do filme. O que vi-li (e basta consultar o Boletim Filme B): a estreia comercial do filme foi adiada e, finalmente, agendada para 4 de setembro. O produtor Diogo Dahl assegura que o filme foi lançado numa única sala, sem divulgação, para habilitar-se à disputa do ‘Otelo’. Sendo assim, resta sugerir à Academia que abandone esse artifício. Sei que ele foi copiado do Regulamento do Oscar da Academia de Hollywood. O que não retira de tal cópia sua explícita inadequação à realidade do cinema brasileiro. Se a Noite dos Otelos é dedicada ao reconhecimento dos filmes lançados comercialmente no “ano anterior”, que assim seja. Destaque-se, aqui, outra adaptação da Academia Brasileira: como ela só tem conseguido (por enquanto) entregar seu prêmio no segundo semestre, passou a pautar-se por lançamentos realizados entre maio do ano anterior e abril do ano de entrega da láurea. Assim agindo – no que está certa – evita que o prêmio se componha com filmes “esquecidos”, distantes na memória do espectador. O subterfúgio (mesmo que regulamentar) usado pela equipe de “3 Obás de Xangô” resulta em uma anomalia. Os outros concorrentes haviam sido lançados com divulgação pública, registro no Boletim Filme B e nos guias dos jornais. Vale citar caso que serviria como parâmetro para o imbroglio “3 Obás de Xangô”: a ficção “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes (recriação de romance de Milton Hatoum), foi lançada, com a devida divulgação e com registro no Boletim Filme B e guias dos jornais. E teve seu desempenho nas bilheterias computado no Top 20 do mesmo Filme B. O filme de Gomes-Hatoum será relançado no próximo dia 28. Como faz, sempre que isso acontece, a equipe de Paulo Sérgio Almeida, editor do Filme B, fez o devido registro: Relançamento. Por que “3 Obás” continua figurando na lista de Lançamentos? Por isso, entendo que ele será um filme que chegará ao público brasileiro em 2025. Que a Academia, tão sensível aos questionamentos a ela dirigidos, extinga o artifício do “lançamento secreto”. Quanto mais límpidas forem as regras, mais credibilidade terá o Prêmio Grande Otelo.

. Melhor filme do Júri Popular – Diogo Dahl faz consideração sobre o “Otelo” atribuído a “Milton ‘Bituca’ Nascimento”, longa documental de Flávia Moraes, produção da Gullane, produtora-distribuidora que colocará “3 Obás de Xangô” nos cinemas (no dia 4 de setembro). Como jornalista, recebo e-mails e zaps de leitores da Revista de CINEMA, que desqualificam o Prêmio da Academia. Me recriminam por dar espaço excessivo ao referido Prêmio. Até por “perder tempo” com ele. Dizem tratar-se de “ação entre amigos”, “jogo de cartas marcadas entre grandes produtores do Rio e de São Paulo”. Que produtoras independentes não passam de “meras figurantes” na Noite dos Otelos. Que tal festa presta “desserviço ao cinema brasileiro”.

Se pensasse assim, eu não enfrentaria uma cerimônia com duração de 4h05 (como a última), com discursos intermináveis, quatro ou cinco pessoas agradecendo por um mesmo prêmio etc. etc.

Sou, reafirmo, testemunha da abertura da diretoria da Academia a sugestões de aperfeiçoamento de seus critérios de premiação. Já citei aqui o caso (a anomalia) do Otelo de melhor filme estrangeiro, que delegou, um ou dois anos atrás, a escolha dos indicados aos distribuidores-exibidores de blockbusters. Feitas essas considerações, aplaudo a parceria da instituição brasileira com as Academias Ibero-Americanas (mesmo insatisfeita com a indicação espanhola, que preferiu o thriller “A Infiltrada” ao encantador “El 47”, e muito satisfeita com o triunfo do lusitano “Grand Tour”). E questiono a premiação de “Bituca” (mesmo sendo fã juramentada de Milton Nascimento e do Clube da Esquina) na categoria Júri Popular. A Academia montou um cipoal de regras para chegar ao vencedor segundo o gosto popular. Um filme que vendeu menos de 30 mil ingressos derrotou “Ainda Estou Aqui” (5.837.000 espectadores), “O Auto da Compadecida 2” (4,3 milhões), “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” (quase 1 milhão) e a animação “Arca de Noé” (quase 400 mil).

Primeiro, a instituição jogou a categoria melhor comédia como objeto do olhar do espectador. Uma delas era “O Auto da Compadecida 2”. Mas o vencedor não saiu dessa lista! Por que?

A Academia diz que a escolha foi feita por votantes de mostra, por ela organizada, em cineclubes e universidades. Quantas pessoas foram atingidas por essas exibições? Todos os filmes que disputaram o “Júri Popular” (e estavam habilitados a serem votados) foram exibidos para os frequentadores de cineclubes e cinemas de universidades? Ou só produções mais alternativas?

. Paradigma francês (Júri popular) – Vale recordar aqui a experiência da Academia de Cinema da França. Eles também decidiram entregar um César (o Oscar gaulês) ao melhor filme, segundo votação digital do público. Para tanto, escolheram os finalistas respaldados por bilheterias na casa dos milhões de espectadores (a França trabalha com “almas” e não com “dólares”, segundo Luc Besson). Caberia aos frequentadores das redes sociais da instituição atribuir voto no seu preferido (todo mundo quer, com razão, colocar o cinema de seu país como fonte de mobilização dos espectadores). As críticas se multiplicaram ao modelo adotado. Por que a Academia Francesa não entregava o César ao filme que mais vendera ingressos? Não estava ali um poderoso medidor de popularidade? Depois da polêmica, o prêmio do Júri Popular desapareceu da Noite do César.

Se a Academia Brasileira deseja incrementar suas redes sociais, que torne cristalinos e simplificados os critérios usados para a categoria Júri Popular. Na base do jeitinho brasileiro, pode até adotar um paliativo: escolher as maiores bilheterias de cada ano (4 ou 5) e motivar os votantes a escolher, por gosto pessoal, a que acham digna de levar um Otelo para casa (mesmo que a experiência francesa tenha naufragado). Correrá, claro, o risco de ouvir o contra-argumento: votaram apenas 100 mil pessoas (cálculo otimista???) num filme que vendeu – como “Ainda Estou Aqui” e “Compadecida 2”, milhões de tíquetes! Isso é certo? 100 mil valem mais que 5,8 milhões de ingressos (caso do filme de Walter Salles)? Que a Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais descasque esse abacaxi.

One thought on “Produtor de “3 Obás de Xangô” assegura cumprimento à regra da Academia de Cinema na disputa pelo Prêmio Otelo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.