“Glauber, Claro” triunfa no Festival Aruanda

Por Maria do Rosário Caetano

“Glauber, Claro”, documentário que o brasileiro César Meneghetti realizou em Roma, ganhou o Troféu Aruanda de melhor filme da competição nacional do Festival do Audiovisual Brasileiro, encerrado na noite da última quarta-feira, 16 de dezembro, em João Pessoa, na Paraíba.

O filme, uma coprodução ítalo-brasileira, ganhou, ainda, troféus Aruanda de melhor roteiro, fotografia, edição e, com o tradicional jeitinho brasileiro, o de “melhor personagem masculina” (um Aruanda póstumo para Glauber Rocha). Como nessa edição (a décima-quinta do festival) não havia filmes ficcionais (e, sim, sete longas documentais), o jeito foi escolher “personagens” como Glauber e a moradora de Ouro Preto, Kátia Silvério, uma das múltiplas vozes de “Chico Rei Entre Nós”, de Joyce Prado. Kátia lidera, como capitã da guarda, a Festa do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Ifigênia.

Se o júri encontrou a solução da “melhor personagem feminina” e “melhor personagem masculina”, num ponto ele se conteve: não elegeu a melhor direção de arte. Esta categoria passou batida.

Se na disputa de longas brasileiros só havia obras documentais, na mostra Sob o Céu Nordestino, dedicada à produção dos nove estados da região, havia, digamos, fartura de filmes ficcionais (três contra dois). E, como não poderia deixar de ser, o júri do Aruanda repetiu a consagração recebida pelo pernambucano e (pan-americano) “King Kong en Asunción”, promovida pelo Festival de Gramado, em setembro último. Foram seis troféus do júri oficial e um do júri popular. Sobrou pouco para os outros concorrentes.

Na categoria curta nacional, o júri premiou o capixaba “A Profundidade da Areia”, de Hugo Reis (outro papa-prêmios: melhor roteiro, fotografia, desenho de som e Prêmio da Crítica).

O melhor curta da mostra Sob o Céu Nordestino foi o paraibano “Remoinho”, de Tiago A. Neves (além de melhor filme, coube ao realizador o troféu de melhor direção). O talento do rapaz, cujo curta já fora selecionado pelo Festival de Gramado, se fez notar também em categoria técnica: foi eleito o melhor diretor de fotografia por “Reinado Imaginário”. Está explicada a beleza visual de “Remoinho”, construído com imagens de grande beleza e sem excessos retóricos.

Uma observação sobre a décima-quinta edição do Festival Aruanda (esta que só escolheu longas documentais para a competição nacional): assistimos a significativo êxito de produções fruto de parcerias internacionais.

O caso mais notório é “Glauber, Claro”, filme produzido pela Drama, empresa dos paulistas Renato Ciasca e Beto Brant. Este longa documental não teria se tornando realidade se não fosse a substantiva e orgânica parceria com instituições, locações e profissionais italianos. Um filme de duas pátrias. Aliás, foi em Roma e com seu italiano macarrônico, que Glauber Rocha realizou “Claro” (1975), matriz do belo documentário de César Meneghetti, este um brasileiro que deve muito de seu aprendizado aos estudos e lides no país de Roberto Rossellini. O troféu Aruanda de “melhor diretor de fotografia” vai cruzar o oceano rumo à Península Itálica, onde vive Eugenio Barcelloni.

Outro caso de parceria visceral e apaixonada: o do longa “Nheengatu – A Língua da Amazônia”, do português José Barahona, um gajo amorosamente seduzido pelo Brasil. Aqui, ele realizou seu filme anterior – “Alma Clandestina”, que arrancou lágrimas em debate na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2019. História brasileira (da guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dodôra), com participação dos atores Sara Antunes e Paulo Azevedo. Para produzir “Nheengatu”, ele mergulhou com sua equipe nas entranhas da Amazônia brasileira. E, antes, já realizara ficção que unira Brasil e Portugal (“Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, a partir de romance de Luiz Ruffato).

Desaguamos, por fim, no grande vencedor da Mostra Sob o Céu Nordestino: “King Kong en Asunción”, filme digno de um Troféu OEA (se a Organização dos Estados Americanos não andasse tão reacionária). O pernambucano Camilo Cavalcante filmou em três países: Bolívia, Paraguai e Brasil. E ainda mobilizou parceiros (e profissionais) argentinos e colombianos. Ou seja, conseguiu feito similar ao de Simón Bolivar – reunir vários países num projeto (sonho?) comum. Ou seja, derrubou montanhas (os Andes?), superou os incômodos do Chaco e os mosquitos de florestas para erguer um filme poderoso, interpretado por ator em estado de possessão – Andrade Júnior, célula-mater do filme. Foi, afinal, com uma impressionante performance símia, apresentada a Camilo, num longíquo 2007, em quarto de hotel de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que Andrade ganharia o seu maior desempenho no cinema. O ator cearense-brasiliense (e louco pelo Paraguai) não viveu para assistir à consagração do filme camiliano em Gramado e João Pessoa. Mas conseguiu o que parecia impossível: unir cinco países da América Latina.

Confira os vencedores:

Mostra de Longas-metragens Brasileiros

. “Glauber, Claro” (Brasil-Itália): melhor filme, roteiro, fotografia (Eugenio Barcelloni), edição (Willem Dias) e personagem masculino (Glauber Rocha)

. “Nheengatu – A Língua da Amazônia” (Brasil-Portugal) – melhor direção (José Barahona), desenho de som (José Barahona e Damião Lopes)

. “Chico Rei Entre Nós”, de Joyce Prado (São Paulo-MG) – melhor personagem feminino (Kátia Silvério), trilha sonora (Sérgio Pererê)

. “Codinome Clemente”, de Isa Albuquerque (RJ) – melhor filme pelo Júri Popular, Prêmio da Crítica (Abraccine)

Mostra Sob o Céu Nordestino (longas)

. “King Kong en Asunción” (Brasil, Paraguai, Bolívia-Argentina-Colômbia) – melhor filme, diretor (Camilo Cavalcante), roteiro (Camilo Cavalcante), fotografia (Camilo Soares), trilha sonora (Shaman Herrera), figurino (Luján Riquelme, Lia González e Paulo Ricardo), Júri Popular

. “As Órbitas da Água”, de Frederico Machado (Maranhão) – melhor atriz (Rejane Arruda), ator (Antonio Saboia)

. “A Jangada de Welles” (Ceará) – melhor edição (Petrus Cariry e Firmino Holanda)

. “Swingueira” (Ceará) – melhor desenho de som (João Martins e Juliana Gurgel)

. “Aponta Prá Fé – Ou Todas as Músicas da Minha Vida”, de Kalyme Almeida (Paraíba) – melhor direção de arte (Helder Nóbrega)

Mostra de Curtas-Metragens Brasileiros

“A Profundidade da Areia”, de Hugo Reis (ES) – melhor filme (ex-aequo), roteiro (Hugo Reis), fotografia (Igor Pontini), desenho de som (Hugo Reis), Prêmio da Crítica (Abraccine)

. “À Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente” – melhor direção (Bruna Barros e Bruna Castro), edição (Bruna Barros e Bruna Castro)

.”Remoinho” – melhor atriz (Zezita Matos)

. “Pranto” – melhor ator (André Morais)

.“Rasga Mortalha” – melhor trilha sonora (João Simas, Thierry Castelo, Jales Carvalho, Viviane Vazzi, Pedro e André Lucap), direção de arte (Raul Luna)

. ”Recôncavo”, de Pedro Henrique Chaves – melhor filme pelo Júri Popular

Menções Honrosas: para o elenco de “A Profundidade da Areia” e ao filme “Mãtãnãg – A Encantada”, de Shawara Maxakali e Charles Bicalho

Mostra Sob o Céu Nordestino (Curtas)

. “Remoinho (PB) – melhor filme, direção (Tiago A. Neves)

. “Cura-me” – melhor roteiro (Eduardo Varandas Araruna), atriz (Ingrid Trigueiro)

. “Pranto” – melhor ator (André Morais), direção de arte (Ju Escorel), som (Allan Pequeno)

. “Reinado Imaginário” – melhor fotografia (Tiago A. Neves)

“A Pontualidade dos Tubarões” – melhor trilha sonora (Paulo Ramon)

. “Makinaria”, de Igor Tadeu – melhor edição (João Paulo Palitot), Júri Popular

.“E Agora Você?” – melhor figurino (JR Nessim)

. Menção Honrosa: “A Pontualidade dos Tubarões”, de de Raysa Prado

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