“A Casa”
Alfred Hitchcock queria fazer um longa-metragem num único plano sequência, sem cortes. Para “Festim Diabólico”, de 1948, ele planejou, planejou, mas não conseguiu: não havia, em sua época, chassis para câmeras capazes de suportar tanta película assim. Cada take poderia demorar aproximadamente 8 ou 9 minutos, no máximo, para que o chassis pudesse ser trocado. Ele partiu então para alguns “cortes” falsos, tentando criar a ilusão que o plano não havia sido cortado. Era só impressão: Hitchcock fazia sua câmera passear por um quadro totalmente escuro – as costas do paletó preto de um protagonista, por exemplo – para neste momento fazer um corte imperceptível. E mesmo assim o filme apresentava alguns poucos cortes convencionais.
Muito tempo depois, em 2002, já na era das levíssimas câmeras digitais, Alexandr Sokurov realizou o sonho hitchcockiano do filme rodado num único plano sequência com seu “A Arca Russa”, de 99 minutos de tomada única. Por aqui, Gustavo Spolidoro fez seu “Ainda Orangotangos” também num único plano, cinco anos depois.
Tudo isso para dizer, enfim, que está agendada agora para o mês de junho a estreia do suspense “A Casa”, produção uruguaia anunciada como tendo sido gravada em um único plano sequência de cerca de 80 minutos. É possível, mas é muito difícil acreditar numa informação divulgada por uma produtora de cinema, que são empresas sabidamente criadas para produzir ilusões. Mesmo porque o filme tem vários momentos de escuridão total que se mostram perfeitos para a execução dos tais cortes falsos, no estilo Hitchcock 1948. De qualquer maneira, se “A Casa” foi ou não realmente filmada num único fôlego, isso não é de grande importância. A sensação do plano único é preservada.
Alegadamente baseada num caso real acontecido nos anos 40, a trama mostra um pai e uma filha chegando a uma casa abandonada e isolada para reformá-la. Como é final de tarde, ambos decidem dormir no andar de baixo, para iniciar os trabalhos na manhã seguinte. Mas estranhos ruídos fazem com que percebam que eles não estão sozinhos. Tem início o horror. Ninguém entra, ninguém sai, e a fórmula de sugerir mais que mostrar ganha dimensão ampliada num filme extremamente barato (fala-se em US$ 6 mil de custo), de ambientação única e quatro atores.
Nem poderia ser diferente num país como o Uruguai, que realiza poucos filmes, mas quando o faz é com simplicidade e qualidade, como “Whisky” e “Gigante”, por exemplo. “A Casa” não chega a tanto. É um interessante exercício de estilo e tem um notável trabalho de câmera que, apesar de estar ininterruptamente em movimento, não chega no desagradável resultado de um “A Bruxa de Blair”, por exemplo. Mas está longe de alcançar a qualidade dos seus citados conterrâneos.
O diretor Gustavo Hernández, que também escreveu e montou “A Casa” (mas se é plano único, vai montar o quê?) demonstra um bom domínio do clima de horror, neste que é seu filme de estreia. Ainda que com um roteiro fraco, consegue envolver o espectador e consegue até alguns bons sustos. Pode não ser muita coisa, mas foi o suficiente para ter sua ideia comprada pelo cinema americano, que já providenciou o remake: ele se chama “Silent House” e foi exibido no Festival Sundance do inicio deste ano, onde obteve críticas razoáveis.
Esses gringos realmente não dormem no ponto.
Por Celso Sabadin