Lúcia Nagib e Francisco Bosco apresentam seus primeiros filmes na Mostra SP

Por Maria do Rosário Caetano

Dois professores universitários, um compositor-poeta-filósofo e um artista plástico estreiam, como cineastas, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, cuja quadragésima-terceira edição começa nesta quinta-feira, 17 de outubro, e prossegue em 26 salas paulistanas e uma campineira até dia 30.

Lúcia Nagib, professora da Universidade de Reading, na Inglaterra, e Sidnei Paiva, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), assinam “Passagens”, um documentário sobre o cinema brasileiro contemporâneo.

Francisco Bosco, parceiro do pai, o compositor João Bosco, e autor do polêmico “A Vítima Tem Sempre Razão? – Lutas Identitárias e o Novo Espaço Público Brasileiro”, assina “O Mês que Não Terminou”, junto com o artista plástico Raul Mourão. A dupla investiga, em seu primeiro documentário, “o emblemático” mês de junho de 2013 no Brasil, seus acontecimentos marcantes e seus desdobramentos. E o faz a partir da análise de ativistas, cientistas políticos, filósofos, psicanalistas e economistas.

Lúcia Nagib, que foi professora de Teoria (e História) do Cinema na Unicamp, é autora de livros importantes como “Werner Herzog: O Cinema como Realidade”, “Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa” e “Nascido das Cinzas: Autor e Sujeito nos Filmes de Oshima”. Em 2002, ela coordenou, na PUC-SP, projeto do Centro de Estudos de Cinema, que reuniu alunos empenhados em pesquisar o chamado “Cinema da Retomada”. Ou seja, os filmes e seus realizadores, aqueles que, depois do desmonte promovido pelo Governo Collor, se incumbiram de fazer renascer, quantitativa e qualitativamente, a produção cinematográfica brasileira. O material que a professora e seus alunos produziram resultou em livro essencial: “Cinema da Retomada – Depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90” (Editora 34).

Passados 17 anos, Lúcia Nagib, agora em parceria com Sidnei Paiva, convoca 15 artífices do Cinema da Retomada para refletir sobre a criação audiovisual. Os pernambucanos ocupam a linha de frente de “Passagens”. Estão no filme os cineastas Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Cláudio Assis, Marcelo Gomes, Kleber Mendonça, Hilton Lacerda (também roteirista dos mais requisitados), Renata Pinheiro (também diretora de arte das mais premiadas) e Adelina Pontual. E o produtor João Vieira Jr. São Paulo se faz representar pelos cineastas Tata Amaral, Fernando Meirelles e Beto Brant e pela montadora (e professora da USP) Vânia Debs. O sergipano Helder Aragão, o DJ Dolores, inspirado trilheiro de “Narradores de Javé”, entre muitos outros filmes, e a curadora e fotógrafa Ana Farache completam o time.

“Passagens” traz potentes trechos de filmes (como “Baile Perfumado” e uma de suas principais sequências – a do canyon do São Francisco sob a artilharia musical de Chico Science), para refletir sobre a utilização que seus realizadores fizeram de expressões artísticas como a pintura (caso de Beto Brant, em “Crime Delicado”), a literatura, o teatro e a música. E, a partir destes diálogos, como os cineastas promoveram a passagem para a realidade social e política brasileira. O longa de Lúcia e Sidnei reflete também sobre o diálogo entre a ficção e o documentário. Paiva, registre-se, é autor, entre outros livros, de “A Figura de Orson Welles no Cinema de Rogério Sganzerla”.

O documentário de Bosco e Mourão nasceu de ensaio que o compositor-poeta-filósofo publicou na Folha de S. Paulo, cinco anos depois dos tumultuados dias de junho de 2013. O canal Curta! interessou-se pelo projeto e deu carta branca aos dois realizadores. Que resolveram compor o longa documental com vídeos de artistas plásticos, capazes de ajudar a complementar as necessárias reflexões sobre os acontecimentos daquele “mês que não terminou”.

Além de intervenção videográfica do próprio Raul Mourão, que é artista plástico e curador-produtor de exposições, o filme traz criações de Nuno Ramos, Cabelo, Lucas Bambozzi, Cao Guimarães e Pablo Lobato (estes três, também cineastas), Daisy Xavier, Janaína Tschäpe, Wagner Malta Tavares, Marcone Moreira, Cadu e Gabriel Giucci.

Para entender melhor o que aconteceu naquele mês de junho, seis anos atrás, Bosco e Mourão entrevistaram intelectuais como Marcos Nobre, professor de Filosofia da Unicamp, Áurea Carolina, socióloga e deputada federal, Laura Carvalho, professora de Economia da USP, Maria Rita Kehl, escritora e psicanalista, Samuel Pessoa, economista, Pablo Ortellado, filósofo, Pablo Capilé, ativista político e produtor cultural, entre outros. A atriz e escritora Fernanda Torres faz a narração de “O Mês que Não Terminou”.

Para os autores deste longa documental, os protestos de junho de 2013 constituíram-se como “o primeiro questionamento ao processo de consolidação da democracia liberal brasileira, rumo que o país tomava desde a redemocratização”. A partir deste momento, “o Brasil passou por uma transformação não só política, mas cultural, deixando de ser o ‘país do futebol’ para ser o ‘país da política’.

Eles entendem ser “impossível compreender o que aconteceu com o país nos últimos seis anos sem remontar àquele período de junho de 2013”. Por isto, “o filme começa buscando as causas daquele junho: os sinais ainda latentes de crise econômica, o esgotamento da representação institucional no país, o contexto de crise global das democracias liberais, o grande colapso econômico de 2008”. Daí em diante, o documentário aborda “os atos, propriamente, de junho, a cultura social do engajamento por eles produzida, a formação da polarização, os sentidos da Lava-Jato, o impeachment de Dilma Roussef, a emergência das novas direitas e o triunfo final da direita reacionária, com a eleição de Bolsonaro”.

“Sem pretensões ilusórias de neutralidade”, os diretores de “O Mês que Não Terminou” procuraram “realizar investigação sobre o recente processo político, social e cultural do Brasil, sendo os mais fiéis possíveis à complexidade que o define”. A intenção do documentário – arrematam – “é resgatar e refletir sobre este percurso”.

“Passagens” terá três sessões na Mostra SP: na segunda-feira, 21 de outubro, às 19h10 (no Itaú Frei Caneca 3), na terça, 22, às 17h45 (no Frei Caneca 4), e na sexta, 25, às 19h (Itaú Augusta 1). Nesta terceira e última sessão, haverá debate entre os realizadores (Lúcia Nagib e Sidnei Paiva) com os cineasta Tata Amaral e Lírio Ferreira.

Já “O Mês que Não Terminou” será exibido na terça-feira, dia 22, no Espaço Itaú Augusta (21h30), na quarta, 23, na CineSala (14h00) e na sexta, 25, no Itaú Frei Caneca (15h30).

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