As loucas aventuras de príncipe
David Gordon Green é um cineasta de trajetória interessante. Seus filmes são como romances de formação, ambientados em pequenas cidades rurais dos EUA, recheados de belos planos de contemplação da natureza, de elipses estruturantes, de diálogos e narrações poéticas. Em 2000, quando estreou “George Washington”, seu primeiro longa, Green, aclamado pela crítica, foi associado ao cinema impressionista de Terence Malick (que, aliás, viria produzir seu terceiro filme, “Contracorrente”). Sua filmografia, no entanto, passaria por uma surpreendente virada com “Segurando as Pontas” (2008). Escrito por Seth Rogen e Evan Goldberg (a mesma dupla de “Superbad”), o filme trazia Green para a comédia (mais especificamente os chamados “stoner movies”), onde ele permaneceria em seus trabalhos seguintes, em especial na série “Eastbound & Down” e, agora, em seu mais novo longa, “Your Highness”.
Coescrito por Danny McBride e Ben Best (os mesmos de “The Foot Fist Way”), o filme conta-nos a história de Thadeous (McBride), um príncipe preguiçoso e imaturo que vive na sombra de seu ilustre irmão mais velho, o destemido cavaleiro Fabious (James Franco) – a dupla trabalhou com Green em “Segurando as Pontas”. Sucessor ao trono do Rei Tallious (Charles Dance), Fabious quer se casar com Belladonna (Zooey Deschanel), uma princesa imaculada. No dia do casamento, no entanto, ela é sequestrada por Leezar (Justin Theroux), um malvado feiticeiro que almeja utilizar Belladonna para concretizar um maléfico e macabro plano contra o Reino. O Rei Tallious ordena uma nova missão e força Thadeous a acompanhar seu irmão sob pena de perder todas as suas mordomias. Os irmãos partem então numa conturbada aventura, enfrentam terríveis criaturas e encontram Isabel (Natalie Portman), uma misteriosa arqueira.
De certa maneira, em “Your Highness”, um filme sobre a transformação de Thadeous, Green permanece na seara dos “romances de formação”. Mais do que isso. Se o compararmos com “Segurando as Pontas”, há uma continuidade curiosa. São longas que se desenvolvem como quem compartilha um baseado, partindo de uma sugestão inusitada e caminhando por situações e personagens para além da imaginação. Em determinado momento, os irmãos visitam um “sábio mago”, que acaba por ser algo como um Yoda maconheiro, promíscuo e um tanto perverso. Soa idiota, e é mesmo idiota. Foi feito para ser percebido desta maneira. Sua radical vulgaridade, quando funciona (e não é sempre), transpira um estranho frescor. Aonde mais veríamos Natalie Portman sendo ameaçada pelo enorme pênis de um minotauro?
“Your Highness” brinca com certas convenções dos contos de fadas com seus príncipes vaidosos, os personagens covardes, as donzelas, os magos, os anões, os dragões… Esse jogo de referencialidade (o cineasta diz ter se inspirado em filmes dos anos 80, como “Conan” e “Krull”) chega, como vimos, quase às raias do ofensivo, desafiando o bom gosto dos espectadores, mas sem desorganizar esse universo. Isso faz com que o filme se aproxime muitas vezes do registro da paródia, algo complicado hoje. Os nossos olhares são tão cínicos, já tão atentos aos códigos, aos personagens típicos, às piadas… É como se nada mais nos surpreendesse. E assim, “Your Highness” é um filme absurdo e engraçado, mas talvez não tanto quanto era esperado.
Ainda há outro problema. Green e seus parceiros optam por um trapo fragilíssimo de dramaturgia, uma fisicalidade expansiva que flerta com o grotesco e um esvaziamento dos personagens principais. “Your Highness” é muito rápido e um tanto solto no que concerne à caracterização de seus personagens. E algo que sublinhava as qualidades de “Segurando as Pontas” era justamente a fidelidade ao ponto de vista dos personagens. Era isso que tornava crível a absurda cadeia de eventos narrada pelo filme, não a verossimilhança, mas o interesse radical pela verdade dos personagens.
O que fica de mais interessante deste novo filme é a sensação de cumplicidade, de companheirismo entre protagonista, coadjuvantes, diretor e roteirista, de assistir um grupo de atores e técnicos se divertindo muito, sem limites ou medo de serem ridículos. Não há brilhantismo algum em “Your Highness”. No entanto, a impressão de diversão que parece perpassar a equipe e a vontade de todos, impressa na tela, de transformar tudo em piada fazem com que este filme permaneça prazeroso do início ao fim. “Your Highness” é o filme de alguém que não pode se importar menos com o que vão achar dele. É um longa orgulhoso de sua própria idiotice.
Por Julio Bezerra