O sucesso da redundância

“Colegas”, de Marcelo Galvão, levantou a plateia do último Festival de Gramado. Provocou risos, gargalhadas, choros, foi ovacionado e, de longe, foi o filme mais aplaudido de um festival que não costuma ser muito caloroso com seus competidores. Na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o público repetiu a recepção calorosa, dando ao filme “Colegas” o prêmio de melhor filme brasileiro.

Parabéns. Agora, passada a euforia, é hora de ver “Colegas” mais friamente. O filme fala de três amigos portadores da Síndrome de Down que, inspirados pelo filme “Thelma & Louise”, resolvem fugir da instituição onde vivem internados e partir para grandes aventuras a bordo de um reluzente Kharmann Ghia vermelho. Porém, sempre inspirados por grandes sucessos do cinema, os simpáticos amigos cometem assaltos à mão armada durante a fuga, e passam a ser perseguidos como criminosos.

A plateia que curtiu, vibrou, torceu, riu muito e se identificou com “Colegas”, provavelmente, o fez à luz de seu humor pouco refinado e à sua falta de sutileza, elementos bastante identificados com o riso que geralmente é buscado por programas de televisão. Aberta. Pululam correrias, caretas, palavrões e gags fáceis, que não exijam muito do público. E o fato dos protagonistas serem downianos a tudo perdoa.

Porém, o grande demérito de “Colegas” fica por conta de uma das principais pragas do cinema brasileiro recente: a narração em off. Durante toda a ação, a voz de um narrador (Lima Duarte, abusando das entonações professorais) insiste em dizer aquilo que já estamos vendo e, pior, em “orientar” as sensações que “devemos” sentir nesta ou naquela cena.

Muitas situações cômicas – que numa primeira leitura podem até funcionar – são repetidas à exaustão, conspirando contra sua própria eficiência. Exemplo: pode ser divertido o toque do celular do policial ser o som de um burro, mas é mesmo necessário repetir a piadas mais dez vezes durante o filme? Ou quando um personagem tem a ideia de transformar uma cortina de banheiro em véu para o vestido de casamento de sua noiva. Pode funcionar. Mas é necessário que a menina diga “Olha, um véu feito de cortina de banheiro!!”. Tanta redundância passa a impressão de que os realizadores do filme não confiavam na percepção da plateia. E, a julgar pela recepção do público em Gramado, talvez eles estivessem totalmente corretos: o filme tem potencial para ser sucesso.

Detalhe: tudo bem que o diretor Marcelo Galvão seja um profissional mais ligado ao mundo da publicidade. Absolutamente, nada contra. Mas merchandising de bufê com direito a logomarca, site e telefone do patrocinador ficou um pouco demais.

Tematicamente, “Colegas” dialoga diretamente com o belga “Hasta la Vista: Venha Como Você É”, também um roadmovie protagonizado por portadores de deficiências. Estilisticamente, porém, há um intransponível abismo de sensibilidade entre ambos.

Colegas
(Brasil, 99 min., 2012)
Direção: Marcelo Galvão
Distribuição: Europa Filmes
Estreia: 9 de novembro

 

Por Celso Sabadin

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