Delicadeza agressiva
Talvez a melhor maneira de se conhecer “O que se Move”, estreia em longas-metragens de Caetano Gotardo, seja não sabendo nada sobre ele antes de assisti-lo, tamanho o impacto que sua narrativa, aparentemente banal, pode causar. O filme é composto por três histórias que versam sobre a relação mãe e filho, mais especificamente sobre a perda de um filho. No longa, não existem tantos acontecimentos e a premissa parece não oferecer mais do que muitos filmes feitos ao redor do mundo, típicas tragédias.
O que diferencia o trabalho de Gotardo é a maneira como conduz suas histórias. O completo domínio na construção do ritmo, sabendo usar longos planos, planos estáticos e dar tempo ao desenrolar de ações corriqueiras, e na construção da atmosfera sufocante e lúgubre, confere ao filme uma sensação de tragédia muito mais abismal do que as construídas a partir de clichês e chantagens fílmicas. “O que se Move” não é a típica tragédia do cinema, com todos os seus floreios, é a tragédia humana, ainda que Gotardo permita à sua história todas as liberdades poéticas possíveis. Características essas que fazem desse “O que se Move” uma pequena obra-prima.
Capixaba radicado em São Paulo, onde se graduou em cinema na ECA/USP, conheceu seus principais parceiros na seara e com quem formou o coletivo Filmes do Caixote, Caetano Gotardo se destacou com dois curtas-metragens, “Areia” (2008) e “O Menino Japonês” (2009), ambos selecionados para o Festival de Cannes. Nos dois filmes, Gotardo já se arrisca em diversos elementos estilísticos presentes em “O que se Move”, premiado em Gramado e na Semana dos Realizadores, porém sem a segurança e o domínio que demonstra no longa. É impressionante o salto enquanto diretor e roteirista.
“O que se Move”, de certa forma, investiga o afeto materno, sem reduzi-lo a explicações fáceis e/ou lógicas sobre o que ocorreu – explicações tão frequentes ao cinema contemporâneo. O que importa ali é o sentimento transbordante, acachapante e sufocante, sentido por aquelas mães nas situações mais diversas. Não faz diferença alguma como se deu aquilo; a tragédia interna, a situação de mãe em cheque, existe independentemente de qualquer coisa. Gotardo é muito feliz na maneira como se relaciona a esses sentimentos que retrata, quase como se compreendesse a dimensão das coisas e procurasse consolar muito respeitosamente seus personagens. Sua câmera sabe quando estar próximo, mas sem interferir, e, acima de tudo, quando precisa dar o espaço, o distanciamento, no momento de angústia, tristeza e luto. A tragédia parece muito mais eficaz dessa forma, porque não apela à cenas fáceis, à choros irrestritos em close-up, à músicas melosas no talo ou à verborragia autocondescendente.
Gotardo consegue outro grande feito em seu longa: mesmo com enorme leveza na condução, o filme vai numa crescente em relação à sua lugubridade, ao sentimento que exaspera ao espectador. Nisso, é muito sábio como costura as histórias, porque usa a repetição a seu favor, já que, quando passa o impacto, só resta a tristeza, assim como nas perdas inesperadas.
O filme também se beneficia da sensibilidade e precisão do elenco e da direção de atores, que, sem restringir-se a uma atuação naturalista, consegue compor um belo mosaico afetivo, com destaque para as três atrizes principais, Cida Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna, e para Rômulo Braga. A condução do elenco é o que permite a, talvez, maior ousadia do filme de Gotardo, que, sem medo do ridículo, insere momentos musicais, com bastante ternura e comedimento. A música surge com grande importância narrativa, já que é a única forma de as mães expressarem seu luto, quase num desabafo, numa busca de entender o que ocorre. Não à toa, as canções, compostas por Gotardo e por Marco Dutra, são pouco harmônicas ou melodiosas e a letra é quase falada; de uma delicadeza agressiva, como o filme.
Assista ao trailer do filme aqui.
O que se Move
(BRA, 97 min., 2012)
Direção: Caetano Gotardo
Distribuição: Lume Filmes
Estreia: 10 de maio
Por Gabriel Carneiro
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