O sufoco dos independentes

Sem as distribuidoras majors e o apoio promocional da Globo Filmes, e sem interferências mercadológicas, o cinema independente é, quantitativamente, o mais numeroso no Brasil. Este viés cinematográfico é o que mais tem crescido exponencialmente nos últimos anos, seja pelo barateamento das tecnologias, seja pelo aumento de recursos públicos para essa categoria. Se o cinema independente parece ter uma raiz essencialmente conceitual, autoral, centrada na figura do diretor, há muitos produtores que têm se destacado por fazer esses filmes acontecerem, brigando por um espaço exibidor ocupado pelo cinema com grande apelo comercial. Como essa turma faz para se impor em um mercado praticamente injusto com o cinema que busca inteligência como sua atração de público? A Revista de CINEMA conversou com cinco jovens produtores, de diferentes Estados brasileiros, que têm se destacado nesse cenário, buscando entender as dificuldades de se fazer um filme pequeno e independente, da produção à distribuição. São eles: Aletéia Selonk (RS), Cavi Borges (RJ), Emilie Lesclaux (PE), Leonardo Mecchi (SP) e Luana Melgaço (MG).

O caminho dos editais

Mesmo com estrutura e dimensão menor, há ainda a busca por orçamentos necessários para o filme acontecer. Saber como manejar o pouco dinheiro é, muitas vezes, o maior desafio. “Por vezes, um realizador chega com um projeto afirmando tratar-se de algo que pode ser realizado com pouquíssimos recursos, mas quando se começa a analisar o roteiro, conversar com o diretor sobre suas ideias, entender as expectativas, vê-se que nem sempre aquela estimativa se mostra coerente. Mas não é apenas na captação de recursos que se encontram dificuldades para a produção independente. Encontrar e montar a equipe certa para aquele projeto específico é sempre um enorme desafio – e, na maioria das vezes, definidor do sucesso ou não daquela empreitada – além de conseguir com que todos trabalhem na mesma sintonia, pois é preciso um envolvimento e dedicação verdadeiros para se trabalhar em uma produção independente. Não se pode ter uma atitude de ‘bater cartão’, uma relação patrão-empregado, nesse tipo de projeto, sob risco de inviabilizá-lo”, conta Leonardo Mecchi, da Enquadramento Produções, produtor, entre outros, de longas como “Super Nada” (2012), de Rubens Rewald, e de “À Margem do Lixo” (2008), de Evaldo Mocarzel.

Para Luana Megaço, da Teia, de Belo Horizonte, a dificuldade na produção decorre do aumento de projetos em competição, com o acréscimo de mais filmes concorrendo em poucos editais. © Leo Lara

“Trabalho sempre em uma parceria muito próxima com o diretor e, juntos, esboçamos quais editais, fundos e prêmios se encaixam na proposta que temos para o filme. A partir daí, pensamos em como desenvolver o projeto de forma que ele seja competitivo, salientando suas qualidades técnicas, artísticas e como pretendemos financiá-lo. A dificuldade é que, apesar do número de editais e oportunidades terem aumentado muito nos últimos anos, não corresponde à quantidade de filmes que são realizados. Dessa forma, a competição é grande. Ter patrocínio direto de empresas nem sempre é fácil, pois a maioria não está acostumada aos trâmites das leis de incentivo e/ou acreditam que o apoio a um projeto seja parte de ação de marketing para a própria empresa, não entendem bem o papel de investimento em uma política cultural”, pontua Luana Melgaço, da Teia, produtora de “A Falta que me Faz” (2009), de Marília Rocha, de “O Céu sobre os Ombros” (2010), de Sérgio Borges, e de “Girimunho” (2011), de Helvécio Marins e Clarissa Campolina, entre outros.

Dependente do mercado de captação

Melgaço toca num ponto importante no levantamento de recursos para se filmar. Há dois caminhos usuais dentro dos incentivos públicos a se trilhar: via captação de recursos com isenção fiscal diretamente nas empresas ou via editais. Algumas empresas, como BNDES, Petrobras, Eletrobras, entre algumas outras, criaram uma política cultural, transformando a captação de recursos nelas em edital. O ideal é conseguir os dois, segundo os produtores. “Os editais são muito importantes, mas, para uma produção maior, é difícil reunir todo o dinheiro apenas com eles. O tempo para levantar os recursos de um filme é muito variável, depende muito do orçamento. Para ‘O Som ao Redor’, foram cerca de dois anos, que é um tempo curto. As coisas aconteceram relativamente rápido: em 2008, ganhamos o Fundo Hubert Bals e, em 2009, os editais do Ministério da Cultura, da Petrobras e do Governo de Pernambuco. Depois, foi mais um trabalho de conseguir parcerias e apoios”, conta Emilie Lesclaux, da Cinemascópio, francesa radicada em Recife desde 2002 e produtora de “Crítico” (2008) e de “O Som ao Redor” (2012), ambos de Kleber Mendonça Filho, entre outros.

A boa carreira nos festivais de “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, produzido por Emilie Lesclaux, deu um empurrão junto ao distribuidor. © Felipe Bandeira

“A captação com empresas é sempre fundamental, ainda que exija um trabalho árduo e de grande paciência. Os editais interessam, pois normalmente garantem uma boa porcentagem dos projetos em uma única instância. Mas, o que tem gerado bons resultados é a combinação de diversas fontes de financiamento, porque esta diversidade pode representar uma alternativa mais rápida para a viabilização”, complementa Aletéia Selonk, da Okna Produções, produtora de, entre outros, “A Última Estrada da Praia” (2010), de Fabiano de Souza, e de “Walachai” (2011), de Rejane Zilles.

Aletéia Selonk, da Okna Produções, de Porto Alegre, encontra nichos de mercado com exibição de seus filmes a longo prazo, mas sofre o preconceito com o rótulo de produção regional. © Lucifer

Mecchi explica como faz para buscar as diferentes fontes de financiamento. “Há projetos que têm perfil para captação junto a empresas, outros que você sabe que só serão financiáveis via editais. Se for algo mais ousado ou transgressor (temática ou esteticamente), dificilmente se consegue captar algo através de empresas e é preciso focar nos editais. Já, se há um apelo mais comercial/popular, a captação via empresas é muito mais fácil. ‘Obra’, do Gregorio Graziosi (filme em P&B, scope, poucos diálogos etc.) foi todo com edital. ‘Super Nada’ foi a maior parte por edital, mas conseguimos captar parte em empresas por conta da presença do Jair Rodrigues no elenco”, comenta.

Cavi Borges, da Cavídeo, um dos mais intensos produtores do Brasil, tem conseguido levantar dinheiro em parcerias e apoio diversos, sem contar com renúncia fiscal ou dinheiro público. “Meus últimos 20 longas não foram captados nem por empresas e nem por editais. Queria muito ajuda dos dois, mas ainda não rolou. Ou melhor, está começando a rolar agora, depois de quase 100 filmes, entre curtas e longas. Minha forma de captar se baseia numa rede colaborativa formada por contatos, ações, ideias, amigos e parceiros. Coproduções com canais de TV também têm sido uma ótima forma de captar. E essa nova lei do cabo me tem permitido capitalizar e financiar novos filmes. A grande vantagem dessa forma de produção é a velocidade com que as coisas acontecem. Fazemos a captação, a pré-produção, a produção e a pós em um ou dois anos no máximo”, conta o produtor de, entre outros, “Riscado” (2010), de Gustavo Pizzi.

Cavi Borges, da Cavídeo, do Rio de Janeiro, contou com uma rede colaborativa formada por contatos, amigos, parceiros e coproduções com canais de TV para realizar mais de 100 filmes. © Leo Lara

Mágica nos orçamentos

A contrapartida para Cavi tem sido o orçamento: os longas variam de R$ 50 mil a R$ 250 mil, e os curtas de R$ 5 mil a R$ 80 mil, valores, em geral, bastante abaixo dos praticados no mercado. “Para conseguir fazer com esses valores, temos que inverter a forma de pensar os filmes. Já na escrita do roteiro temos que fazê-lo já ciente de quanto temos em caixa e, com isso, adaptá-los à nossa realidade orçamentária. A pergunta que me persegue sempre: ‘Qual filme posso fazer com essa verba que dispomos?”, complementa. “Dependemos de muitas parcerias. Desde a escolha da equipe, do elenco, da locação, da câmera que vai ser usada, da alimentação, da finalização, da distribuição e da exibição”, conta Cavi, que aposta muito na relação que tem com o Canal Brasil e com a Link Digital, e nisso tem conseguido fazer uma média de sete longas por ano, além de ter produzido curtas, mostras e cursos.

“‘Girimunho’, que é o filme de maior orçamento com que já trabalhei, custou aproximadamente R$ 1,2 milhão. Foi o suficiente para fazermos da forma que queríamos, mas não teve folga. Os salários foram abaixo do padrão do mercado, e trabalhamos com uma estrutura bem enxuta, por exemplo. Comparando com outros filmes, foi uma produção ‘confortável’: ‘O Céu sobre os Ombros’ foi realizado com recursos para a produção de curta-metragem, com R$ 100 mil. E o novo documentário de Marcos Pimentel (‘Sopro’), foi feito sem recursos para filmagem e com prêmios que ganhamos em editais e encontros internacionais para finalização. Trabalhar com filmes de baixo (às vezes baixíssimo, às vezes nenhum) orçamento, exige do produtor uma habilidade em negociar, dialogar com o diretor para entender onde é importante empregar os recursos financeiros e apostar naquilo que vai trazer diferença para o resultado final do filme”, explica Luana, que tem buscado na coprodução internacional um caminho. “Pretendemos continuar com essas parcerias em outros projetos, porque, além de trazerem recursos extras ao projeto, são fundamentais na difusão do filme quando pronto, tanto em festivais, quanto possibilitando a sua distribuição em outros países”, diz.

“O Céu sobre os Ombros”, produzido por Luana Melgaço, da Teia, foi realizado com um orçamento de curta-metragem, de R$ 100 mil

Para Emilie Lesclaux, as coisas não são tão diferentes. “Já fizemos curtas sem dinheiro, curtas com um pouco mais de dinheiro, um longa documentário sem dinheiro nenhum. ‘O Som ao Redor’ foi a nossa primeira ‘grande’ produção com um orçamento de R$ 1,8 milhão. Mas o filme que produzimos logo depois, ‘Permanência’, custou menos de R$ 1 milhão. ‘Bacurau’, próximo filme de Kleber com Juliano Dornelles, deverá ter R$ 2,5 milhões. Cada filme é diferente, mas sempre existem dificuldades para se adaptar à realidade do orçamento. A negociação com a equipe e elenco é importante, porque os salários sempre pesam muito num orçamento. Alguns departamentos como o de arte ou o de figurino podem sofrer um pouco com as restrições e ter que trabalharem com muitas parcerias para conseguir locações e objetos”, complementa Emilie, que alterna a produção de filmes com a do festival Janela Internacional de Cinema do Recife – atualmente, finaliza o curta “Sem-Coração”, de Tião e Nara Normande, e o longa “Permanência”, de Leonardo Lacca, além de se preparar para filmar “Bacurau” e já estar captando para “Aquarius”, novo roteiro de Kleber Mendonça Filho.
“Fazemos adaptações muitas vezes, mas isso não é regra. Se um projeto não consegue se viabilizar, é melhor preservá-lo para outra situação do que alterá-lo sem medida”, afirma Aletéia, que fez três longas com menos de R$ 500 mil e finaliza a animação “As Aventuras do Avião Vermelho”, de José Maia e Frederico Pinto, orçado em R$ 3 milhões.

Emilie Lesclaux, da Cinemascópio, de Recife, contou com uma campanha alternativa, como a internet, para atrair mais de 90 mil espectadores para “O Som ao Redor”. © Universo Produção

“Brinco que, dependendo do projeto e de seu orçamento, é mais fácil realizá-lo sem recurso nenhum do que com pouco orçamento. Isso porque, a partir do momento em que se envolve dinheiro, as relações de trabalho se alteram. Mas, quando se compara com uma produção de maior orçamento, é possível negociar em outro patamar cachês, serviços e locações, pois as pessoas entendem tratar-se de um projeto de baixo orçamento. Para isso, entretanto, é preciso saber com quais profissionais se pode trabalhar, pois há aqueles que ‘custam caro’ não apenas por seus cachês, mas por não conseguirem trabalhar de maneira ‘barata’”, afirma Leonardo Mecchi, cujos longas têm girado em torno de R$ 1,2 milhão e R$ 1,6 milhão. “Para alguns projetos, o valor é suficiente. Para outros, é preciso se adequar, seja negociando ‘com a rédea curta’ cachês, serviços e equipamentos, seja adaptando o roteiro original, reduzindo personagens, locações ou alterando/cortando cenas para minimizar o custo total do projeto”, pontua.

O isolamento dos polos regionais

Com o aumento de recursos governamentais e políticas públicas culturais para a promoção do cinema, vários Estados têm conseguido se estabelecer fora do eixo Rio-SP. Porém, a distância ainda atrapalha as negociações, por conta da estrutura muitas vezes insuficiente dentro de toda a cadeia cinematográfica. Por sua vez, São Paulo e Rio de Janeiro, mesmo tendo mais recursos, concentram massivamente os produtores, aumentando a concorrência.

“Obra”, primeiro longa-metragem de Gregozio Graziosi, produzido por Leonardo Mecchi para a Superfilmes, com recurso de um edital da prefeitura de São Paulo

“Para a captação de recursos, diria que hoje não existem mais desafios aqui do que em outra região do país. Temos acesso a muitos editais nacionais e hoje temos recursos públicos em Pernambuco, que muitos Estados invejam. Para captar recursos de empresas, estar próximo do eixo Rio-SP e das sedes das grandes empresas ainda faz uma diferença. Nesse sentido, podemos nos sentir ainda um pouco isolados. Mas com o crescimento industrial de Pernambuco nos últimos anos, acho que existe um potencial de captação a ser explorado”, conta Emilie. “Por estarmos aqui, podemos ter acesso ao fundo local, o Filme em Minas, grande incentivador dos nossos filmes, mas é um recurso pequeno e bienal, deixando lacunas nos anos em que não há concurso. Nos editais nacionais, o gargalo é ainda maior para projetos fora do eixo Rio-SP. O único filme mineiro aprovado no edital da Petrobras desse ano foi o ‘A Cidade Onde Envelheço’, que produzo, mas tenho certeza que muitos outros bons projetos foram inscritos”, complementa Luana Melgaço, que trabalha no desenvolvimento de três longas “A Cidade Onde Envelheço”, de Marília Rocha, “Coiote”, de Sérgio Borges, e “Canção ao Longe”, de Clarissa Campolina, além de ter acabado de finalizar um curta e um longa de Marcos Pimentel (“Sopro” e “Sanã”).

Para Aletéia Selonk, as coisas complicam um pouco mais. “Dificulta estar no Rio Grande do Sul, porque fico longe do centro econômico do país e do local onde circula o maior volume de informações, o que me exige investimentos constantes em viagens para contatos e eventos. De qualquer modo, as conexões com o mercado externo e interno vêm se desenvolvendo, pois invisto nos contatos em um primeiro momento e em uma manutenção destas relações, podendo ocorrer de modo presencial ou não”, conta Aletéia, que não consegue necessariamente emplacar longas de maneira seguida, apesar de ter vários projetos em desenvolvimento, caso de “Mulher do Pai”, de Cristiane Oliveira, em captação, e de “Ponto Zero”, de José Pedro Goulart, que filma ainda neste ano.

Mesmo no centro financeiro, em São Paulo, Leonardo Mecchi vê outros problemas. “São Paulo é um dos locais onde há mais recurso público disponível para o cinema, mas é também um dos locais onde há mais produtoras e realizadores em atividade, tornando a concorrência mais acirrada. Além disso, São Paulo é uma cidade muito cara, não apenas nos custos diretos de produção (equipe, locação de equipamento etc.), mas também nos custos periféricos, como transporte, alimentação, hospedagem etc.”, comenta o produtor, que está em finalização de “Obra”, em desenvolvimento de “Carmen”, de Aaaron Ferandez, produzindo uma mostra e dois festivais, e iniciando a carreira em festivais de um curta.

O produtor Leonardo Mecchi, da Enquadramento Produções, de São Paulo, trabalha em um polo de cinema com muito dinheiro, excessiva concorrência e o alto custo de produção

A escolha do projeto certo

Eles trabalham com estruturas pequenas, fazem filmes com poucos recursos, e ainda assim aparecem muitos projetos para eles. Para dar conta da demanda, precisam selecionar ao que se dedicar. “Recebo projetos e roteiros quase todo dia. Uma verdadeira loucura. No início, dizia ‘sim’ pra todos, agora preciso escolher. Meus critérios variam muito. Às vezes, o projeto não é tão bom, mas a pessoa que quer fazê-lo está muito determinada e acredita muito naquele projeto. Isso conta muito pra mim. Às vezes, escolho o projeto pelo diretor, um amigo, um cara que já fez outros filmes interessantes. Às vezes, aposto num diretor estreante. Nem sempre participo de um filme desde o início. Às vezes, sim, opinando até no roteiro. Às vezes, só participo das filmagens, outras vezes, apenas da finalização e outras, apenas na distribuição. O que realmente me importa é contribuir e ajudar aquele filme/diretor a terminar o seu filme da melhor forma possível”, conta Cavi, que, no momento, se prepara para filmar “Dois Casamentos”, de Luiz Rosemberg Filho, e “Arca de Noé”, de André Sampaio, e finaliza 11 longas e 10 curtas, entre eles, “Cidade de Deus – 10 Anos Depois”, que codirige com Luciano Vidigal, e “Faroeste”, de Abelardo Carvalho.

“Faroeste”, de Abelardo Carvalho, produzido por Cavi Borges, tem investimento próprio e apoio do município onde foi filmado

A busca por produzir filmes em que realmente acredita ou se interessa, sem vislumbrar apenas o aspecto comercial, é, muitas vezes, o que motiva o produtor a apostar em projetos independentes. “Recebo cada vez mais projetos. Sinto que faltam produtores no mercado. Existem muitos técnicos – diretores de produção, assistentes de produção, produtores de set e locação, e eles são essenciais –, mas poucos profissionais conseguem se dedicar à produção de um filme de forma mais global, ou seja, lidar com o longo tempo de dedicação entre a ideia/roteiro, a captação dos recursos, o desenvolvimento do projeto etc., pensando o filme de forma estratégica. Não consigo atender a todos os convites que recebo. Tenho que fazer escolhas e a preferência é produzir os filmes daqueles diretores dos quais já sou parceira, principalmente, porque posso acompanhar a sua realização desde o início. Se tenho que escolher, escolho aqueles projetos para os quais, de fato, posso contribuir”, conta Luana Melgaço.

Leonardo Mecchi, formado em engenharia, começou a trabalhar com cinema primeiro como crítico e depois como produtor da Raiz Produções. A Enquadramento Produções surgiu em 2008. “Uma das razões que me fez parar de trabalhar em uma produtora maior, mais consolidada, e abrir minha própria produtora foi justamente a possibilidade de escolher aqueles projetos nos quais me interessa trabalhar, seja porque me identifico com o roteiro ou com o realizador. Logicamente, nem sempre é possível escolher, por questões pragmáticas e financeiras, ‘aquele’ projeto que acha mais interessante, mas posso afirmar que nunca trabalhei com algo ou alguém que não respeitasse ou não tivesse o mínimo interesse”, conta. Para ele, o fato de ter sido crítico antes é um diferencial. “Mais do que na escolha de projetos, influencia no diálogo com os diretores, no processo colaborativo, pois os diretores adoram poder discutir o filme no plano estético, estrutural, com o produtor, e não apenas de questões de cronograma e orçamento”, afirma o produtor, que ainda não consegue emplacar um longa após o outro, mas tem diversificado, produzindo mostras, festivais e também curtas.

Os meios para o filme chegar ao público

Talvez o maior desafio de um filme independente seja o de chegar ao público, não importando o meio. Boa parte desses longas fica relegada apenas aos festivais, não conseguindo uma carreira comercial, seja no cinema, em home video, televisão ou streaming. Novas formas têm aparecido, mas ainda é difícil. Dos 80 filmes brasileiros que estrearam comercialmente, pouco mais da metade teve menos de 10 mil espectadores. Poucos conseguem quebrar essa barreira. “O Som ao Redor” é surpreendente nesse sentido, ao fazer mais de 93 mil espectadores. O filme é distribuído pela Vitrine Filmes, a principal desse setor. Outras começam a se juntar em torno dela, como a Lume Filmes, a Pipa Filmes, a Tucuman Filmes, entre outras.

“Com ‘O Som ao Redor’, tivemos a sorte de nos associar a uma distribuidora muito parceira e acho que juntos tomamos decisões estratégicas em termos de divulgação e espaços para exibir o filme. Como produtores, investimos muito pessoalmente nessas escolhas e no próprio trabalho de concepção dos anúncios, de montagem de trailers, teasers, vídeos. Sem dúvida, a internet, bem utilizada, permite alcançar resultados surpreendentes com investimentos mínimos (redes sociais, YouTube). As campanhas na internet, a escolha das salas, os poucos anúncios que fizemos na imprensa, tudo foi pensado estrategicamente para o perfil do nosso filme. Sem falar que contamos com uma recepção muito boa em termos de festivais e de imprensa, que deu um empurrão importante ao filme”, conta Emilie Lesclaux, que, por conta do resultado e do fato de possuírem quase 100% do filme, tem conseguido algum retorno financeiro.

Vencendo os entraves da distribuição

Para Leonardo Mecchi, o ideal é você saber qual é o seu público potencial e como atingi-lo, tarefa muito árdua. “Há cada vez mais caminhos alternativos para se chegar ao público. Se sua intenção é que o maior número possível de pessoas veja seu filme, é possível fazê-lo por inúmeras vias, desde o grande e capilarizado circuito de cineclubes existentes no Brasil hoje, até a internet. A grande questão é como monetizar essa distribuição”, comenta. “É possível um retorno financeiro com as vendas de seu filme para TVs, em DVD, distribuição internacional etc. Produzi um documentário, de média-metragem, em plano-sequência, com câmera fixa, falado em inglês [“Chantal Akerman, de Cá” (2010), de Gustavo Beck e Leonardo Ferreira]. Consigo pensar em poucas coisas menos ‘comerciais’ do que isso. Entretanto, consegui lançá-lo no circuito comercial, vendê-lo para duas TVs no Brasil, comercializá-lo em DVD, distribuí-lo nos EUA e em Portugal etc. Logicamente, não fiquei rico com isso, mas houve um retorno financeiro, porém sempre à custa de muito esforço, estratégia e trabalho”, complementa Mecchi, que julga que os maiores concorrentes para um filme brasileiro no circuito exibidor não são os blockbusters, mas sim os demais filmes brasileiros, que chegam para tirá-lo de cartaz e atrair o mesmo público almejado.

Aletéia Selonk tem encontrado outros entraves para distribuir um filme para além da pecha de independente e não comercial. “Meus filmes sempre carregaram um rótulo de ‘produção regional’ e isso não é visto com bons olhos, considerando a prática do mercado. É importante desenhar uma estratégia de comunicação que prepare as diferentes instâncias envolvidas – exibidores, formadores de opinião e público em geral – para o que está por vir. Outra estratégia relevante é tentar driblar algumas barreiras como a distribuição quando estamos trabalhando filmes de nicho. Nesse caso, acredito em métodos alternativos de distribuição como diálogo direto da produtora com as salas e utilização dos novos meios”, conta Aletéia, que não consegue retorno financeiro imediato, apenas explorando as janelas por longos períodos.

Marketing e divulgação inclui festivais

“É difícil ter visibilidade quando o mercado nacional reconhece um filme apenas por seu retorno financeiro e o sucesso está atrelado ao volume de recursos gastos em publicidade e ações promocionais. Resta aos filmes independentes brasileiros um nicho de mercado muito pequeno, com possibilidades de exibição comercial cada vez mais reduzidas, já que as salas dedicadas ao cinema de arte, fora dos multiplexes e shoppings, estão diminuindo também. Não acredito que esses filmes sejam difíceis e não dialoguem com o público. É importante trabalhar com uma distribuidora que busque novas estratégias de divulgação, incluindo as novas mídias e redes sociais, saiba incentivar a propaganda boca a boca, dialogar com escolas e universidades, conciliar as exibições em salas tradicionais com outras em museus, cineclubes e centros culturais e, em algumas ocasiões, buscar a distribuição em janelas simultâneas. Mas temos poucas empresas que investem nesse nicho de mercado, são distribuidoras pequenas com capacidade de trabalhar com poucos filmes por ano. Encontram uma quantidade enorme de filmes sendo realizados e a decisão de apostar em uma ou outra produção vai depender, entre outras coisas, da recepção do filme nos festivais e pela crítica, e também se o projeto tem algum recurso reservado para o seu lançamento comercial, seja através de prêmios ou editais de distribuição”, pontua Luana Melgaço, que vê com dessabor a distribuição atual, e tem apostado em parcerias com cineclubes, e em estratégias alternativas de divulgação, como o envio de um DVD de “O Céu sobre os Ombros” para mais de 22 mil assinantes da Revista Piauí.

Cena de “Riscado”, produzido por Cavi Borges, premiado no festival do Rio e de Gramado, e realizado com ajuda de parceiros

Cavi Borges tem se destacado justamente pela busca de métodos alternativos de distribuição. Poucos de seus longas chegaram às salas comerciais, ainda que tenham circulado bem em festivais. “Esses são nossas primeiras e talvez mais importantes janelas de divulgação e exibição. Depois vêm as TVs, a internet, DVDs, cineclubes, cinemas e até barracas de ‘pirateiros’. Não necessariamente nessa ordem. A ordem tradicional de lançamento – festivais, cinema, TV e DVD – também não funciona tão bem e para esses filmes mais independentes. Por que não quebrar essas regras e testar novos caminhos? Não tem como ignorar mais a internet”, argumenta. Cavi, que, além da produtora, tem um selo de DVD (Original) e uma locadora (Cavídeo), está abrindo sua própria distribuidora, em parceria com a Carla Osorio e a Jal Guerreiro, a Livres. “Penso hoje nos cinemas apenas como espaço para agregar valor a esses filmes pequenos, para ter matérias, críticas e criar um buchicho. Pra depois ganhar grana e ser visto realmente nas outras mídias. Meu primeiro longa, ‘L.A.P.A.’ ficou 8 semanas em cartaz no Rio e foi visto por duas mil pessoas. O mesmo aconteceu com o ‘Riscado’. Ganhamos uma mixaria de grana nos cinemas e ainda fomos vistos por poucos. Isso pode ser diferente. Tanto de público, quanto de grana”, comenta, apontando que nenhum filme da Cavídeo, pelos seus baixíssimos orçamentos, deixou de dar lucro.

 

Por Gabriel Carneiro

7 thoughts on “O sufoco dos independentes

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  • 4 de fevereiro de 2016 em 00:16
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    Eu trabalhei durante 3 anos sozinho em um filme de animação de longa metragem com cerca de 1:30 hs e é exatamente o meu drama. Como colocar isto no mercado a não ser no Youtube?! Bem, no Youtube já está com o nome de “Gui em…O poder do leite” que é a história de uma menina que ganha poderes com um leite turbinado.
    No Youtube ele se perde em meio à tantos outros desenhos e fica despercebido por todos. Portanto é bastante frustrante continuar fazendo animações sem recursos para dar visibilidade a sua produção num mercado praticamente fechado a grandes corporações. Mas continuarei fazendo animações porque é algo que gosto se houvesse um retorno melhor ainda; mas não contarei com isso.

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  • 20 de julho de 2016 em 20:44
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    Depois de ler todos a matéria começo a ficar com um pouco de receio dessa área que escolhi como profissão; o audiovisual é pra quem tem garra e força de vontade… mas parece que o mercado exige que você crie novas estratégias de distribuição e produção, assim como nosso Mestre Cavi Borges! Pensemos.

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  • 26 de junho de 2017 em 14:39
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    Eu gosto inclusive roteirizei um texto meu e estou fazendo um filme.
    Produção independente, a dificuldade que tenho encontrado além da capitação de dinheiro é do profissionais da área, desculpe-me o termo! Bastante pernósticos, críticas destrutiva, incentivo nada. Quando procurei um cineasta ele detonou o roteiro, disse-me que era uma storyline e não um roteiro, mas que ele fazia um bom roteiro através do storyline. Pediu muito dinheiro, isto aí até entendo, não é fácil.
    Mas o que eu queria não era nada disso, eu o procurei porque o cara nisso aí ele é perito, tem maestria… O que eu queria era uma orientação, o fato de fazer o roteiro eu sei, fazer o storyboard eu sei, as cenas estão todas no meu cérebro e cerebelo, minha mente trabalha a mil por hora, eu escrevo tenho livros lançados, eu quero é fazer a história que roteirizei, escrevi, quero caminhos para escrever em festivais, basta ter abertura disso e mais e mais, o elenco eu preparo, ensaio. Escrevi a história e sei como direcionar e fazer a minha ideia. Antes de criar o meu filme eu pesquisei, conheço a história da arte, não mergulhei de cabeça sem saber o que estava fazendo. E faço porque gosto. Acho que um pouco de humildade faria bem por parte dos profissionais. E capitar faz parte desta dificuldade que não é a única, depois do filme pronto vem os display, onde divulgar, onde chegar e saiba que é a pior parte, principalmente quando se trata de alguns cineasta.

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