Memórias no varal

Logo no começo do filme, diversos lençóis brancos com fotos antigas impressas são pendurados num varal. Paulo Pastorelo, em seu segundo longa-metragem, dá, ali, a chave da proposta de seu “Tokiori – Dobras do Tempo”, selecionado para competição do É Tudo Verdade 2012. “Tokiori” é um filme que surge das memórias diversas, das mais diversas fontes (sejam depoimentos, fotos, diários ou jornais antigos). Assim como as fotos no varal, o longa propõe o espalhamento das lembranças e seu rememoramento – abre-as para o mundo, disponível para quem quiser vê-las. Os lençóis são sintomáticos ainda mais como ponto político: o varal está em praça aberta, clamando para que as memórias não sejam esquecidas. Pastorelo, em seu longa, como no varal, dá a elas um lugar ao sol, para que não sejam enterradas.

É importante frisar que “Tokiori” é um filme memorialista, não um filme com pretensões históricas. O caminho trilhado é o das lembranças, da subjetividade, não só pelos depoimentos extremamente pessoais, que não são confrontados necessariamente, mas também pela busca do íntimo em cartas e diários, em fotos de família. Não se busca os fatos, uma “verdade” absoluta, típica dos documentários jornalísticos, e tampouco um recorte minimamente mais definitivo, pautado pelo contexto. Pastorelo, ao lado da roteirista e entrevistadora Noriko Oda, trabalha de maneira muito respeitosa suas personagens, dando a elas voz e tempo – mesmo porque a memória só surge do tempo, permitindo a prospecção. A ideia da memória trabalhada é a do fato esculpida pelo tempo, ou seja, em como isso foi transformado ao longo do tempo. A escolha de Pastorelo não encerra tema ou histórias, e sim abre possibilidades, assim como os lençóis foram expostos para interpretações múltiplas. Não cabe ao diretor explicitá-las.

“Tokiori” faz um panorama da vida das seis famílias que imigraram do Japão na década de 1920 e que se estabeleceram na comunidade rural de Graminha, a partir de 1936, no atual município de Oscar Bressane (SP), a 45 km da cidade de Marília. A subjetividade também é ponto de partida para o documentarista, diretor de “Elevado 3.5” (2007), ao lado de João Sodré e Maíra Bühler, que se coloca dentro da história, ligando-a ao objeto de pesquisa, ainda que não tenha qualquer descendência nipônica – seu avô tinha uma casa em Graminha e Pastorelo frequentava a comunidade nas férias. O recurso tão em moda, ainda que renda bons momentos, parece meio deslocado do foco do filme – porque é evidente que o filme não é nada sobre ele, ainda que aquilo estivesse presente em sua vida.

O grande problema do longa, talvez, é que, ao optar pela memória, Pastorelo parece ter se despreocupado demais com a informação. O filme é construído a partir das memórias dos integrantes de cada família, sem misturá-las. A transição, porém, demora a ficar clara, ainda mais por pontuá-la apenas com o nome dos fundadores, sem qualquer referência ao contexto da família e afins, deixando o trabalho confuso por vezes e dificultando a imersão em universo tão rico.

Problema que não tira do filme seus grandes méritos. Pastorelo não dá tempo apenas ao discurso, mas também às ações, optando pela observação em boa parte do filme, aliada ao material de arquivo, tudo usado de maneira rigorosamente construída, dos planos à voz over. O cineasta sabe que, da memória, emerge toda reflexão, e que de uma pequena comunidade rural, o mundo todo da imigração japonesa. O tema, tão pouco trabalhado, está ali, disposto, como as imagens nos lençóis – basta saber pinçar.

 

Tokiori – Dobras do Tempo
(BRA, 110 min., 2012)
Direção: Paulo Pastorelo
Distribuição: Lume Filmes
Estreia: 22 de novembro

 

Por Gabriel Carneiro

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