Outros Olhares

Quem assistiu às pré-estreias, no Festival do Rio ou na Mostra de São Paulo, de “Setenta”, de Emília Silveira, percebeu um sopro de novidade no documentário político brasileiro. O filme, que recupera a história dos 70 brasileiros banidos e exilados no Chile, em 1970, nos leva à constatação de que são as mulheres as responsáveis pela renovação do tom nas abordagens do duro período da ditadura militar. Flávia Castro já havia causado grande entusiasmo com “Diário de uma Busca”, sobre o pai, militante político que foi parar nas páginas policiais da imprensa, acusado (injustamente?) de crime comum. Depois vieram Lúcia Murat e Tata Amaral. Com “Uma Longa Viagem”, Lúcia registrou a esquizofrenia do irmão, um viajante de alma hippie, cuja trajetória estabeleceu contraste com a da própria realizadora (presa política na juventude) e o outro irmão, o médico Miguel Murat. Tata Amaral, com a ficção “Hoje”, deixou em segundo plano os grandes panoramas históricos para tratar das memórias e afetos íntimos da viúva de um preso político. Agora, duas realizadoras, Maria Clara Escobar (com “Meus Dias com Ele”) e Emília Silveira (com “Setenta”), seguem os passos de suas antecessoras. Emília, ex-presa política e jornalista respeitada, soma a dolorosos depoimentos de ex-guerrilheiros boas doses de humor. Sim, humor! É só conferir os divertidos depoimentos de Wilson Negão e Reinaldo Guarany, enriquecidos por montagem ágil e por um bom (e econômico) uso de trechos de filmes da dupla Haskell Wexler & Saul Landau (“Brasil – Uma Reportagem sobre a Tortura”, 1971), Luiz Alberto Sanz e Pedro Chaskel (“Não É Hora de Chorar”) e Sanz e Lars Safströn (“Nar Stunden ar Inne”). O documentário, há que se registrar, traz o logotipo da Globo Filmes. Sinal de que o império dos Marinhos pretende, depois de décadas de conivência, afastar-se do apoio explícito à ditadura militar.

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