Prêmio Almanaque: “Os Catadores e Eu”

O Prêmio Almanaque deste mês vai para “Os Catadores e Eu” (“Les Glaneurs et la Glaneuse”), longa documental de Agnès Varda, cineasta de 87 anos, a quem o Festival de Cannes acaba de prestar grande homenagem. Única mulher a ocupar espaço nobre no núcleo duro da Nouvelle Vague, Varda teve a alegria de ver “Catadores” colocado em oitavo lugar na lista dos 50 maiores documentários de todos os tempos (pesquisa realizada pelo BFI e revista “Sigth & Sound”, no ano passado). O vencedor foi “O Homem e sua Câmara”, de Dziga Vertov (URSS). A diretora é mais conhecida por ficções como “Cleo de 5 às 7” (1962), “As Duas Faces da Felicidade” (1965) e “Os Desajustados” (1985, “Sans Toi, ni Loi”, com Sandrine Bonnaire em estado de graça), mas esteve sempre atenta ao documentário. Em sua prolífica filmografia, destacam-se o média-metragem que dedicou aos Panteras Negras e longa sobre o cineasta Jacques Demmy. Ganhador da Palma de Ouro com “Os Guarda-Chuvas do Amor”, Demmy, marido de Varda, morreu em 1990. A perda deu origem a um documentário – “Jacquot de Nantes” – de tocante beleza. “Os Catadores e Eu” (2000) constitui, junto com “Os Desajustados”, os dois momentos mais luminosos da carreira da realizadora belgo-francesa. Ela vai, aos poucos, enredando os espectadores com sua narrativa profundamente amorosa. Vemos um quadro de Millet (“Des Glaneuses”, 1857) e seus catadores de cereais rejeitados no processo da colheita. No dicionário, Varda encontra definição clara e legal para o ofício dos “catadores”. A vemos, então, com sua câmara digital, motivada a desempenhar o papel de “catadora de imagens”. Ela visita um campo de batatas, perambula por outros caminhos e conversa com plantadores. Conversa, também, com o viticultor e psicanalista Jean Laplanche, sem pedir a ele nenhuma explicação psicanalítica, econômica ou o que seja sobre os catadores. E, para nosso espanto, encontra, na rica França, gente que come o que cata nos refugos das feiras urbanas. Claro que, lá, a realidade não é tão brutal como a que vemos, por exemplo, em “Boca do Lixo”, de Eduardo Coutinho. A realizadora-catadora encontra um personagem – um biólogo-catador – que Jean-Claude Bernadet aproximou, em um de seus brilhantes ensaios, do filósofo com quem a personagem de Sandrine Bonnaire se encontra em “Os Rejeitados”. Quando o filme vai se aproximando do final de seus fascinantes 90 minutos, nos sentimos cativos desta Sherazade octogenária. Não há como resistir à simpatia da cineasta, assumida catadora de imagens e de restos da indústria do consumo (inclusive de um relógio sem ponteiros). “Os Catadores e Eu” é um filme feito com imensa liberdade narrativa e alegria contagiante. Programa obrigatório para quem ama o cinema.

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