Corrida em busca do filme de ação
O país que gosta de rir, quem diria, prefere mesmo é testemunhar perseguições vertiginosas, tiroteios ágeis e bons sopapos entre bandidos e mocinhos. Segundo uma pesquisa do Ibope, divulgada no fim de fevereiro, a ação é o que mais faz o brasileiro pagar pelo ingresso na porta do cinema: 68% preferem o gênero, seguido pela comédia, com 50%. As bilheterias comprovam os números, levantados entre os meses de agosto de 2014 a setembro de 2015, entre 20 mil pessoas, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília, além de cidades do interior do Sul e Sudeste. Em 2015, “Os Vingadores – Era de Ultron” foi o recordista de público no país, com 10,1 milhões de espectadores, seguido por “Velozes e Furiosos 7”, com 9,8 milhões, segundo dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Números fabulosos ambicionados por nossa indústria cinematográfica em também conquistar estes patamares com filmes nacionais que agrade o gosto deste público ávido por filme de ação.
Para Bráulio Mantovani, roteirista de “Tropa de Elite” (2007) e “Tropa de Elite 2” (2010), o gosto do brasileiro pelo gênero da ação se justifica. “Talvez uma explicação possível seja o fato de os filmes de ação terem sempre muito movimento, muitas coisas se mexendo muito e em alta velocidade. Sempre é exagero. Quase o tempo todo. Há também alguns momentos de respiro e outros, mais numerosos, em que nada acontece de fato, mas há a expectativa de que algo muito intenso está prestes a acontecer. Eu costumo dizer, meio em sério, meio em tom de brincadeira, que nós gostamos de ir ao cinema porque gostamos de ver coisas se mexendo”, afirma.
Os números minguados
À exceção do que ocorreu com os filmes de José Padilha, que somaram respectivamente 2,4 milhões e 11,2 milhões de espectadores, a lógica do público do cinema nacional parece, no entanto, ir em direção diferente à da pesquisa. A comédia “Loucas pra Casar” foi recordista de audiência em 2015, com 3,7 milhões de espectadores, na frente de “Vai que Cola – O Filme” e “Meu Passado me Condena 2” – ambas do mesmo gênero, respectivamente com 3,3 milhões e 2,6 milhões.
A opção pelo riso não foi motivada exatamente por falta de opção. “Operações Especiais”, de Tomás Portella, apostou na ação para falar sobre uma policial novata (Cléo Pires) que cai de paraquedas em uma missão. O longa teve 348 mil espectadores. “Não foi nada péssimo, tanto que conseguimos retornar os custos de lançamento sem prejuízo, mas esperava que o público encontrasse melhor o filme”, afirma o diretor.
O número minguado também é partilhado por outros títulos nacionais que apostaram, nos últimos anos, na mesma linha de tiroteios e perseguições de “Tropa”. São filmes como “Salve Geral” (2009), de Sérgio Rezende, com 317 mil; “400 Contra 1” (2010), de Caco Souza, com 127 mil; e “2 Coelhos” (2012), de Afonso Poyart, com 336 mil. O que se saiu melhor dessa leva foi “Alemão” (2013), de José Eduardo Belmonte, com 955 mil, que falhou ainda em ultrapassar a sonhada marca do 1 milhão de público – o último a conquistar o feito foi “Assalto ao Banco Central” (2011), de Marcos Paulo, com 1,9 milhão.
O esforço para conquistar um público viciado em filmes americanos de ação
Com uma produção pequena, mas crescente, por que a ação nacional ainda patina em alcançar seu público? “O filme de ação brasileiro é sempre uma novidade, porque não há quantidade nem frequência de lançamentos. Sendo uma exceção, é preciso fazer um esforço imenso para ele se tornar visível”, afirma Mariza Leão, que estreou “Em Nome da Lei”, thriller de ação de Sérgio Rezende, lançado no fim de abril.
A produtora compara a situação atual dos filmes de ação com a ocorrida com todo o cinema nacional após a extinção da Embrafilme pelo governo Collor e o esforço de retomada com “Carlota Joaquina” (1995), de Carla Camurati. “Foi difícil fazer o espectador se acostumar com a existência do cinema brasileiro na tela. A mesma coisa se reproduz quando esse é um gênero tão pouco realizado e não alimenta um hábito.”
Distribuidor responsável pela estratégia de lançamento de “Tropa de Elite 2”, Marco Aurélio Marcondes faz uma leitura parecida com a de Mariza. “É a oferta da lei e da procura. A oferta de comédia é muito maior do que a de filmes de ação, e eles estão, de alguma maneira, muito próximos do público.”
Para o executivo, os dados da pesquisa Ibope estão certos, mas uma leitura generalizante deles pode levar a conclusões equivocadas. Mais importante do que prestar atenção no número absoluto de público é extrair uma média dele em relação ao número de cópias e de salas em que o título é exibido. Exemplos da safra nacional de ação mais recente, “Reza a Lenda”, de Homero Olivetto, foi lançado em 376 salas, enquanto “Operações Especiais” ficou em 321. “Não dá para alcançar o mesmo número de ‘Tropa’ lançando em menos de 1,2 mil salas”, diz ele, que adotou uma estratégia hollywoodiana para recuperar no segundo longa o público perdido com o vazamento e a pirataria do original: ocupou, muitas vezes, mais da metade dos complexos de salas brasileiros com o filme de Padilha.
O problema para colocar o filme no mercado
Lançar produções com tamanho estrondoso exige, no entanto, muito dinheiro. “Normalmente, a ajuda financeira acaba na hora de vender, o que não faz sentido”, afirma Portella. Não bastasse isso, os chamados filmes médios não têm tido a chance de ganhar popularidade no boca a boca por “falta de ousadia” dos exibidores, segundo o diretor. “O digital é muito cruel para a distribuição. Se a gente não lançar já bombando, não tem chance de crescer. Deixam seu filme em uma sessão à tarde e colocam um blockbuster que vai fazer a média da sala”, critica ele, que se prepara para rodar em 2017 a ação “Terroristas”, sobre um grupo de jovens que decide explodir políticos corruptos.
A dificuldade em levantar recursos para colocar o filme no mercado de forma agressiva reprisa aquela ocorrida anos antes para financiar a própria produção. O fator orçamento é apontado como o grande culpado pela ausência de mais títulos de ação em cartaz. “Para você conseguir fazer algo do tamanho americano, só com dinheiro e tempo, mas a gente não pensa assim. O cinema brasileiro nivela tudo no mesmo patamar, mas uma explosão de R$ 10 é muito diferente de uma explosão de R$ 1.000 – e é essa que o espectador quer ver”, afirma Homero Olivetto. O mais difícil é conseguir uma quantia suficiente para apresentar um resultado a contento. Mariza levou quatro anos para reunir os R$ 7,5 milhões de “Em Nome da Lei”. “Qualquer valor acima de R$ 6 milhões começa a ficar muito difícil de captar”, diz ela.
Vencendo a limitação financeira
Para manter o custo baixo e otimizar o tempo de gravações, Olivetto fez uma decupagem minuciosa com um software que o permitiu realizar uma pré-visualização em 3D das cenas antes de gritar “ação!”. Portella foi na mesma linha. Das seis semanas de gravações de seu filme, duas foram dedicadas apenas a cinco cenas de ação.
Esse cuidado ajuda a quebrar a imagem de “cinema brasileiro tosco” que, segundo Afonso Poyart, ainda está no inconsciente coletivo. Segundo o diretor, que lançou o thriller de ação “Presságios de um Crime” (2015), com Anthony Hopkins, o Brasil já ultrapassou dificuldades técnicas e não faz mais feio na criação de efeitos que saltam aos olhos. “O que há nos Estados Unidos é uma quantidade maior e mais acostumada de profissionais do tipo. Aqui há um hiato muito grande entre um filme e outro”, diz o autor de “2 Coelhos”.
A limitação financeira e uma produção episódica tornam difícil a aposta em um filme nacional puramente de ação. Olivetto encara “Reza a Lenda” como um western com cenas de ação. Já “Operações Especiais” e “Em Nome da Lei” mesclam o gênero com o policial. “Mesmo filmes que têm alguma pitada de ação não têm o gênero em sua essência. Eles são mistos por um motivo simples: fazer ação é muito caro. Só Estados Unidos e Coreia conseguem entregar algo forte nesse sentido”, analisa o crítico Pedro Butcher.
Filme de artes marciais no Ceará
Estaria nessa mistura a busca por uma alternativa brasileira aos filmes de ação? “Acredito que sim. Este ano, teremos ‘O Shaolin do Sertão’, de Halder Gomes, que segue uma vertente da ação a partir dos filmes de luta. Talvez essa seja uma saída”, aponta o crítico.
Ambientado em uma cidade do interior cearense, nos anos 1980, o longa apresenta a história de um aficionado por filmes de artes marciais que se vê diante do desafio de enfrentar um lutador aposentado de vale-tudo. “O filme traz o mundo das artes marciais inserido na nossa comédia nacional e no contexto regional do Ceará. A soma de uma coreografia de luta bem intensa com nosso humor cria cenas com personalidade única e lúdicas, capazes de seduzir o adulto e a criança”, explica o diretor, que pratica luta há mais de 20 anos e chegou a atuar como dublê em Los Angeles. O filme tem estreia prevista para outubro.
Outro filme de gênero misto, com pitadas de drama, romance e ação de luta, é “Mais Forte que o Mundo – A História de José Aldo”, de Poyart, que chega aos cinemas em 16 de junho, narrando a trajetória do popular campeão de MMA. “É meu primeiro filme de pancadaria. Tem luta no ringue e fora dele, e a gente se preparou muito. É rápido, intenso, emotivo e, às vezes, violento”.
Apesar de todas essas limitações, Butcher acredita ser possível – e necessário – que o cinema brasileiro vá ao encontro desse gênero até como uma resposta aos sinais de esgotamento da comédia. “O problema de filmes brasileiros voltados à comunicação com o público é que só se aprende a fazê-los com muito desenvolvimento e prática e uma indústria pungente. A ação exige cenas sem diálogo em que você entenda algo, mas a maior parte do que se vê é uma bagunça.”
É preciso bons roteiros e bons personagens para dar certo
Segundo Felipe Braga (“Trash”), que no momento prepara o roteiro de “Marighella”, uma das principais falhas nos títulos do gênero está na falta de relações de causa e consequência bem delineadas. “O filme de ação não permite qualquer digressão em relação a isso. É importante pensar na cena como uma sucessão de obstáculos a serem superados. E, barata ou cara, não adianta escrever cena de ação que não tenha conflito”, afirma o roteirista, que se aventura nessa seara para contar a história do guerrilheiro que lutou contra a ditadura naquele que será o primeiro longa dirigido por Wagner Moura.
Além do conflito, Bráulio Mantovani aponta a construção de personagem como fundamental. “Balas que cortam o ar em slow motion, carros que explodem, socos e pontapés, um cara pendurado de cabeça para baixo em uma ponte de dezenas de metros de altura que segura um outro cara com uma mão enquanto, com a outra, dispara seu revólver contra os vilões que o atacam de helicóptero – tudo isso pode ser muito intenso e gratificante. Ou simplesmente barulhento e cansativo. A diferença está no personagem que está pendurado. Por que ele está ali? Só para dar os tiros? Se for, o filme é ruim”, afirma.
Segundo ele, a maior dificuldade de preparar um roteiro do tipo é detalhar ao máximo o que acontece quando os diálogos são raros. “Em princípio, uma cena de ação que dura três minutos na tela deve ter três páginas de roteiro”, aponta o escritor, que atualmente elabora o thriller “Albatroz”, novo filme de Daniel Augusto. O maior segredo para fazer o texto dar certo, no entanto, continua sendo a regra de ouro para qualquer produção, seja ela do gênero que for. “Quer escrever um filme? Escreva de tal maneira que se você fosse o espectador você iria adorar vê-lo”.
Por Amanda Queirós
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