Fest Gramado – Jessica Rodriguez é a quarta cineasta cubana a dirigir longa de ficção
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado
A cineasta cubana, radicada na Espanha, JESSICA RODRIGUEZ, de 29 anos e grande beleza, debateu, na manhã de 30/08, seu primeiro longa-metragem, a ficção ESPEJUELOS OSCUROS (Óculos Escuros). O filme, que parte de um dos mais inteligentes argumentos do cinema latino-americano, chega a resultado frustrante. Vamos, pois, ao argumento: como a Sherazade das MIL E UMA NOITES, a protagonista ESPERANZA (Laura de la Uz) é submetida a situação de alto risco e necessita desfiar histórias para safar-se da sanha de seu algoz (um ladrão priápico que invade sua casa, interpretado por Luiz Alberto García). Tudo isto aplicado à Cuba contemporânea, com recuos aos anos 1970, com o país submetido aos rigores políticos-burocráticos do partido único (primeira história), depois à Cuba pré-1958, sob a Ditadura Fulgêncio Batista (segunda história) e, por fim, ao Século XIX, durante as lutas pela independência do jugo espanhol (terceira história).
Some-se a isto um olhar feminino (Jéssica é a quarta cineasta cubana a dirigir um longa-metragem de ficção), uma produção independente (sem apoio, portanto, do ICAIC – Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográficas) e imenso desejo de compreender seu tempo histórico e o passado. E, nele, o papel da mulher. E por que, então, o resultado é frustrante? Porque a mise-en-scène de Jessica é pesada a ponto de lembrar más encenações teatrais. Nem os ótimos atores Laura de la Uz e Luiz Alberto García estão em grandes momentos (cabe a ele representar quatro personagens e a ela representar, além da SHERAZADE CUBANA, mais três personagens inseridos em momentos históricos diferentes).
No debate do filme, a diretora não entendeu direito as perguntas dos jornalistas e do público. Por isto, ou por razão que não ficou clara, preferiu dar respostas genéricas e vagas. Admitiu, sim, diálogo pleno com AS MIL E UMA NOITES, mas não assumiu diálogo com LUCIA, clássico do cinema revolucionário cubano, dirigido por Humberto Solás, em 1968. Neste filme, o diretor mostra LUCIA em três fases da história cubana (na época da Independência, sob a ditadura Batista e nos primeiros anos do período revolucionário, quando a camponesa LUCIA tem enfrentar o machismo dos companheiros).
JESSICA só admitiu sua admiração pelo filme de SOLÁS, mas jurou não ter pensando nele quando escreveu o roteiro (ela é também escritora, autora do livro LA BESTIA Y EL PUEBLO). A semelhança de construção entre os dois filmes é total. Só que falta à jovem diretora o que sobrava ao inquieto Humberto Solás (inventividade e domínio do seu ofício), nos anos mais vigorosos da história do cinema cubano (tempos de “Morte de um Burocrata”, “Memórias do Subdesenvolvimento”, “As Aventuras de Juan Quinquin” e dos ousados documentários de Santiago Alvarez).
O ótimo argumento de ÓCULOS ESCUROS deu, sim, origem a um bom roteiro. Só que ao imprimir suas ideias num filme, a diretora as reduziu a mau teatro. Ou a uma má telenovela. O filme ainda não foi lançado em CUBA, embora tenha sido integralmente rodado no país, com atores e técnicos (a maioria jovens) cubanos. ESPEJUELOS OSCUROS foi exibido no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de HAVANA, em dezembro passado, e pelo que contou a realizadora, lotou os cinemas. Finalizado com apoio espanhol, o longa traz a assinatura de duas pequenas produtoras cubanas, a CLORO e a LARGASLUCES (não regularizadas junto ao Estado comandado por Raul Castro).
A cineasta quer muito que o filme seja exibido em seu país. Ao ser indagada, mais uma vez, sobre a rarefeita presença das mulheres no comando de produções ficcionais, ela ponderou: “Não quero acusar o mundo cinematográfico cubano de machista, mas as estatísticas são demolidoras. Para as profissionais mulheres, são reservados preferencialmente os papéis de maquiadora e figurinista. Se há um orçamento mais significativo em jogo, a tarefa de diretor caberá aos homens. O mesmo se dá na direção de fotografia (a de ÓCULOS ESCUROS é de SUSANA OJEA)”.
JESSICA RODRÍGUEZ só se lembrou do nome de uma DIRETORA de longa-metragem ficcional a lançar um filme com grande repercussão (a ponto de chegar ao GOYA de melhor filme não-espanhol) antes dela: Marilyn SOLAYA, diretora de VESTIDO DE NOIVA. Em Cuba, finalizou, “as mulheres conseguem fazer documentários, porque eles exigem orçamento infinitamente menores que o longa ficcional”. Só admitiu uma conquista para as mulheres depois da Revolução de 1958: “há liberdade sexual, pois Cuba saiu do controle rigoroso da Igreja Católica”.