Festival de curtas de SP exibe 365 filmes de 55 países

O Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo chega à sua 28ª edição, entre os dias 23 de agosto a 3 de setembro. O evento apresentará, gratuitamente, 365 filmes de 55 países, em seis salas de cinema da capital – MIS, CineSesc, Cinemateca Brasileira, Espaço Itaú Augusta, Cinusp, CCSP, além de outras dezessete participantes do Circuito Spcine.

Com o tema “Humor em tempos de cólera” e cartaz assinado por Laerte, a edição destaca filmes que utilizam o humor para tratar de questões polêmicas. A programação é dividida em três partes: as mostras principais Internacional, Latino-Americana e Programas Brasileiros, que reúnem o melhor do cinema atual; os Programas Especiais, com atrações já tradicionais do festival, como a Mostra Infanto-Juvenil e Quinzena dos Realizadores, além de novidades a cada edição; e as Atividades Paralelas, que incluem debates e workshops em torno do audiovisual, estreando neste ano o laboratório de desenvolvimento de projetos LABEX – Curta Kinoforum.

Mostras principais

A Mostra Internacional reúne 60 filmes – quase 2.500 foram inscritos na categoria, produzidos em 33 países. Além de curtas de nações de forte tradição audiovisual, como Estados Unidos, França e Reino Unido, há preciosidades vindas, por exemplo, do Nepal, Filipinas e Indonésia.

Em meio a uma diversidade de temas, gêneros e formas, percebe-se que os filmes são em conjunto um grito pela liberdade, como a desfrutada de maneira íntima na animação polonesa “Periquita”, de Renata Grasiorowska, respondendo à onda conservadora de seu país, ou a liberdade sonhada e nunca alcançada pelo garoto em fuga no turco “Baran”, de Hasan Serin.

Outra questão que surge nesse panorama é a dos deslocamentos. Refugiados, imigrantes ou simples viajantes, que por vontade própria ou forçados pelas circunstâncias, precisam deixar seus locais de origem. É o caso de “Elene”, de Sezen Kayhan, uma coprodução da Turquia e Geórgia, que nos apresenta a adolescente personagem do título, uma imigrante ilegal que trabalha em uma plantação de chá turca e se sente ameaçada na terra estrangeira, ou mesmo do americano “Lucia, Antes e Depois”, de Anu Valia, em que a jovem protagonista viaja 320 km e espera 24 horas do lado de fora de um órgão do governo do Texas para fazer um aborto.

Diversos filmes de Portugal e da China demonstram o momento de graça cinematográfica vivida pelos dois países, ambos premiados nos maiores festivais de cinema, o chinês “Uma Noite Suave”, de Qiu Yang, que recebeu a Palma de Ouro em Cannes e mostra uma noite na vida de uma mãe cuja filha está desaparecida, o português “Cidade Pequena”, de Diogo Costa Amarante, vencedor do Urso de Ouro em Berlim, que acompanha o pequeno Frederico após sua descoberta perturbante de que as pessoas morrem quando o coração delas para de bater. Outro destaque internacional é a animação francesa “Dois Caramujos se Vão”, dirigida por Jean-Pierre Jeunet, que alcançou fama mundial pelo seu longa “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”.

A Mostra Latino-Americana traz 28 curtas de 10 países – selecionados entre mais de 260 inscritos –, que exploram universos particulares e relações interpessoais por meio de temas como luto, tabu, preconceito e a brutalidade entre os homens. No peruano “Monopólio da Estupidez”, de Hernán Velit, um rapaz tenta conseguir o atestado de óbito de seu pai, mas se depara com a burocracia. Já o porto-riquenho “O Presente”, de Joel Pérez Irizarry, retrata uma mãe com passado obscuro que faz tudo para impedir sua filha de ser mandada para os EUA.

Com seis filmes no programa, a Colômbia atesta o grande momento de sua cinematografia. É do país “Damiana”, que integrou a seleção oficial de Cannes em 2017. Dirigido por Andrés Ramírez Pulido, o curta aborda um grupo de meninas mantidas sob vigilância em meio a uma floresta.

Questões indígenas também permeiam a mostra e estão presentes em dois títulos colombianos. “Mãe Natureza”, de Jorge Navas, conta a história de uma comunidade que busca de vingança após a morte misteriosa de um indígena, e “Killing Klaus Kinski”, de Spiros Stathoulopoulos, sobre um líder indígena da Amazônia que, durante as filmagens de “Fitzcarraldo”, no final dos anos 1970, se ofereceu a Werner Herzog para assassinar o ator alemão Klaus Kinski.

Os Programas Brasileiros incluem 96 curtas, produzidos em 16 Estados do país, revelando um panorama amplo e diverso do audiovisual nacional. Na Mostra Brasil, estão 45 deles. Muitos tratam de temas sociais e políticos relevantes, como representação negra e indígena, direitos sociais e trabalhistas e a situação dos imigrantes no Brasil e de brasileiros que deixaram o país. “O Estacionamento” (PR), de William Biagioli, expõe um imigrante haitiano no Brasil que arruma emprego em um estacionamento e passa a morar lá. “Casca de Baobá” (RJ), de Mariana Luiza, traz uma jovem negra que, nascida em um quilombo, estuda na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Já “Terminal 3” (SP), de Thomaz Pedro e Marques Casara, fala de 150 homens resgatados em situação de trabalho escravo na construção do novo terminal do Aeroporto de Guarulhos.

Atriz cultuada na cena do curta-metragem, Gilda Nomacce está presente em quatro produções paulistas, “Minha Única Terra é a Lua”, de Sergio Silva, “Febre”, de João Marcos de Almeida e Sergio Silva, e as estreias mundiais “Filme-Catástrofe”, de Gustavo Vinagre, e “A Passagem do Cometa, de Juliana Rojas”. Já Vinícius Oliveira (o garoto de “Central do Brasil”) está em “Demônia – Melodrama em 3 Atos” (SP), de Cainan Baladez e Fernanda Chicolet, que conta a história de uma traição de maneira cômica e foi premiado em vários festivais, ganhando do júri popular a láurea de Melhor Filme do Festival do Rio.

Outros destaques da mostra são “Em Busca da Terra sem Males” (RJ), de Anna Azevedo, sobre crianças de uma tribo indígena nos arredores do Rio de Janeiro, crescendo entre as antigas tradições e a cultura urbana, que foi selecionado para festivais como de Berlim e Hamburgo, e a animação “Torre” (SP), de Nadia Mangolini, que faz estreia no festival, revelando as lembranças de infância de quatroirmãos, filhos do sindicalista Virgílio Gomes da Silva, o primeiro desaparecido político da ditadura militar brasileira.

Para o Panorama Paulista, foram escolhidos 23 curtas do Estado de São Paulo. “Super Oldboy”, de Eliane Coster, segue um idoso que trabalha como office boy e se envolve em um assalto a banco inusitado. Com Laerte e Elke Maravilha, recebeu prêmio do júri popular no Festival de Gramado. “The Beast”, de Michael Wahrmann e Samantha Nell, se passa na África do Sul, em um dia divertido de safari, e foi exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes. Também está na seleção o documentário “Meninas”, de Carla Gallo, que conta a trajetória de ginastas olímpicas como Daiane dos Santos, Daniele Hypolito e Jade Barbosa.

Dez escolas de audiovisual, de sete Estados brasileiros, estão no Cinema em Curso Petrobras. Os filmes tratam de assuntos variados, com abordagens distintas, mesclando originalidade e um forte tom referencial. Entre os títulos, “Eu Sou o Ditador”, de Rodrigo Leme e Constantin de Tugny (UFF- RJ), uma fábula baseada em um conto do escritor underground Sam Pink, “No Ritmo das Obás”, de Graciela Zapatta (ETEC Jornalista Roberto Marinho – SP), um documentário que aborda a vida de quatro integrantes do bloco afro Ilú Obá de Min, e “Luiza”, de Caio Baú (UNESPAR – PR), sobre uma jovem deficiente e questões como sexualidade, preconceito e família. Por fim, as Oficinas de Realização Audiovisual reúnem mais de 20 produções de diversas regiões do país em dois programas: Oficinas Brasil e Oficinas Kinoforum.

Programas especiais e homenagens

Humor em tempos de Cólera, tema da edição, é também um dos programas especiais do ano. O humor crítico, que nos faz refletir sobre situações delicadas e provocativas e, claro, rir delas, está presente em uma retrospectiva de filmes de várias épocas que já passaram pelo festival e flertam com a comicidade em suas diferentes facetas.

Estão incluídos clássicos como “Vereda Tropical”, de Joaquim Pedro de Andrade, de 1977, um episódio do longa-metragem “Contos Eróticos”, que tem Cláudio Cavalcantino elenco, “A Alma do Negócio”, de 1996, dirigido por José Roberto Torero e, mais recente, de 2009, é “Recife Frio”, de Kleber Mendonça Filho.

Estão ainda na retrospectiva – dividida em três sessões – os curtas “Dossiê Rê Bordosa”, de Cesar Cabral, documentário em animação stop motion que investiga o “assassinato” do personagem criado pelo cartunista Angeli, e “Tapa na Pantera”, de Esmir Filho, Mariana Bastos e Rafael Gomes, que se tornou um sucesso instantâneo na internet (hoje tem quase sete milhões de visualizações no Youtube) ao exibir uma senhora usuária de maconha, interpretada por Maria Alice Vergueiro.

Da internet para a TV e agora para as telas do cinema, o coletivo Porta dos Fundos apresenta uma seleção de suas esquetes que abordam a fé e suas implicações no mundo moderno. Sorrindo à Francesa reúne filmes de humor particular que revelam que, apesar da impressão de seriedade, os franceses gostam de rir e sabem fazer rir. Já o programa MUMIA é uma parceria com a Mostra Udigrudi Mundial de Animação, de Belo Horizonte, com obras desde a década de 1990 de autores como Otto Guerra e Allan Sieber.

A 28ª edição do festival presta homenagem a dois ícones do cinema em mostras especiais. Jacques Rivette (1928 – 2016) foi um grande expoente da Nouvelle Vague, integrando o grupo de críticos da revista Cahiers du Cinéma, ao lado de François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e Claude Chabrol. Serão exibidos três títulos inéditos do autor, todos em preto e branco e silenciosos. Produzidos entre 1949 e 1952, os curtas ficaram esquecidos durante quase sete décadas, sendo encontrados por sua viúva, Véronique, no apartamento do casal, no ano passado.

A Revolução do Desejo – Carole Roussopoulos (1945-2009) celebra a cineasta e ativista feminista, nascida na Suíça e radicada na França. Roussopoulos foi uma das pioneiras na arte do videomaker e registrou o movimento pelo direito das mulheres e a luta contra o preconceito homossexual e racial em mais de 150 documentários, produzidos entre 1960 e 1990. Entre os filmes, está “S.C.U.M. Manifesto”, baseado na obra da feminista radical norte-americana Valerie Solanas, e “Genet Parle D’Angela Davis”, em que o escritor Jean Genet denuncia a política racista dos Estados Unidos, apoiando os Black Panthers e a ativista Angela Davis, presa em 1970.

Cineastas integrantes da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) assinam a curadoria de Mulheres Negras – Mergulho Ancestral e Mulheres Negras – Identidade Polfônica, com filmes feitos por e sobre mulheres negras, abordando representativa e ancestralidade, e também Empoderadas, com episódios da websérie idealizada pela cineasta paulistana Renata Martins, que luta contra o racismo e o machismo da nossa sociedade.

Diferente como Todo Mundo traz filmes escolhidos pelo Festival International du Film sur le Handicap, da França, a respeito de pessoas com deficiência e uma seleção brasileira, incluindo “Conferência”, primeiro filme dirigido por Ariel Goldenberg, protagonista do longa-metragem “Colegas”. Já Lusofoniaé uma parceria com o Arte Institute, organização sem fins lucrativos que promove a cultura de Portugal, e apresenta filmes de língua portuguesa produzidos em países como Angola, Cabo Verde, Moçambique eTimor Leste.

Em comemoração a 70ª edição do Festival de Cannes, a mostra Cannes 70 exibe os curtas brasileiros que estiveram na competição oficial da premiação francesa ao longo de suas sete décadas de história. Entre os filmes, “Quimera” (2004), de Erik Rocha, e “A Janela Aberta” (2002), de Philippe Barcinski. Os 50 Anos do Festival de Cine de Viña del Mar também são celebrados, com a seleção de produções latino-americanas premiadas nas últimas edições do FICVIÑA.

Os Programas Especiais reúnem diversas outras atrações, como a Mostra Infanto-Juvenil e a Quinzena dos Realizadores, que estão todos os anos na programação.

Atividades paralelas

A programação do festival traz diversas atividades, como palestras, workshops e lançamentos de livros abertos ao público, estreando neste ano o LABEX – Curta Kinoforum. O laboratório de desenvolvimento de projetos audiovisuais de curta-metragem, idealizado há sete anos em Buenos Aires, tem caráter competitivo e é apoiado pelo canal TNT. Após quatro dias de curso, com tutores como Marcelo Caetano, diretor de “Corpo Elétrico”, o projeto vencedor receberá um prêmio de R$ 5 mil para finalização do curta, que terá prioridade de aquisição pelo TNT.

O debate Quesito Cor reunirá as convidadas Viviane Ferreira, presidente da APAN, Vilma Reis, socióloga, Ouvidora da Defensoria Publica do Estado da Bahia e ativista do movimento de mulheres negras, Yasmin Thayná, diretora do curta “Kbela” e Débora Ivanov, presidente da ANCINE, para discutir a equidade no audiovisual.  Já em Animação: Gênero ou Linguagem, com mediação de Samuel Mariani, crítico do Cine Festivais, terá especialistas e entusiastas da animação para uma conversa sobre a seleção, programação e crítica de obras animadas dentro deste contexto de pluralidade de gênero e linguagem.

O já tradicional encontro Do Curta ao Longa convida um realizador que passou dos curtas-metragens para o formato longo. Neste ano, Caroline Leone – Prêmio Revelação na 16ª edição do festival com o filme “Dalva” – compartilhará sua trajetória ao lado da produtora Sara Silveira. Outro destaque da programação é o Kino-Quiz, um divertido gameshow cinematográfico, inspirado no Quiz da Cavídeo.

Mais informações e a programação completa estão em www.kinoforum.org/curtas.

 

28º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo
Data: 24 de agosto a 3 de setembro
Locais: MIS, CineSesc,  Cinemateca Brasileira, Espaço Itaú Augusta, Cinusp, CCSP  e Circuito Spcine de Cinema
Entrada gratuita

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