50º Festival de Brasília monta a maior programação de sua história

A quinquagésima edição do mais antigo e duradouro de nossos eventos cinematográficos, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, terá início nesta sexta-feira, 15 de setembro, com exibição, em caráter hors concours, do filme “Não Devore meu Coração“, do carioca Felipe Bragança. No encerramento, dia 24, será exibido o novo longa-metragem do baiano Edgard Navarro, “Abaixo a Gravidade”.

A maratona vai durar dez dias e terá a mais intensa programação de sua história, iniciada em 1965 e fruto da soma de esforços da Fundação Cultural do DF e da UnB (Universidade de Brasília). Na equipe fundadora, estava Paulo Emilio Salles Gomes. Para evocar sua memória, o festival instituiu medalha que leva seu nome e foi entregue, ano passado, a Jean-Claude Bernardet. Este ano, o homenageado é Nélson Pereira dos Santos, colega de Paulo Emílio no curso de cinema da Universidade, criada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Ano que vem, o diretor de “Fala, Brasília” e “Vidas Secas” fará 90 anos.

Quem quiser aproveitar para valer a quinquagésima edição do festival, vai ter que correr muito, alimentar-se mal e arriscar-se a um estresse. Afinal, além dos nove longas da mostra competitiva (ver lista abaixo), que se farão acompanhar de 12 curtas, teremos a já tradicional Mostra Brasília, fruto de parceria com a Câmara Legislativa. A elas se somarão mostras informativas como a “Futuro Brasil” e “50 Anos em 5 – Os Melhores Filmes da História do Festival”, a terceira edição do Festival Universitário de Cinema de Brasília, o Festivalzinho (para crianças e adolescentes), três masterclasses (com as cineastas Anna Muylaert e Laís Bodanzky e com a produtora Vânia Catani), um Mercado de Novos Projetos (com possíveis parceiros de produção), debates dos filmes, oficinas, seminários e lançamentos de livros (dois deles sobre a história do próprio festival: “Entre Olhares e Afetos”, de Sérgio Bazi e Sérgio Moriconi, e “Candango – Memórias do Festival”, de Lino Meireles.

O Fest Brasília Ano 50 está orçado em R$ 3,8 milhões, sendo que R$ 340 mil serão gastos em taxa de aluguel a ser paga a todos os filmes participantes. Os exagerados prêmios que acompanhavam – e muitas vezes, postos em envelopes enormes, ofuscavam – o belo e elegante Troféu Candango (inspirado em escultura de Bruno Giorgi) estão agora mais contidos: R$ 200 mil para o melhor longa (a título de distribuição). Justiça seja feita: tal distorção foi corrigida por ato de generosidade do cineasta Adirley Queirós, que dividiu seu robusto prêmio (em dinheiro) de melhor filme (por “Branco Sai, Preto Fica”) com seus colegas-concorrentes.

No comando desta, que é a mais ambiciosa edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, estará, pela terceira vez, o ator (e diretor) de teatro e cinema, Guilherme Reis, de 62 anos. Como secretário de Cultura do DF, ele preside a comissão organizadora do evento. Brasiliense, nascido em Goiás, Guilherme viu, na infância, integrantes do Clube de Cinema de Brasília germinarem as ideias que culminariam na criação da Semana do Cinema Brasileiro, realizada em 1965, e vencida por “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos.

Em entrevista à Revista de CINEMA, o presidente do festival destaca as inovações desta edição, a de número 50 (seriam 53 se o festival não tivesse sofrido solução de continuidade nos duros Anos Médici), garante que não há “gigantismo” na programação, fala da revitalização da parceria histórica com a UnB, da homenagem a Nélson Pereira dos Santos e evoca memórias afetivas do festival que viu, sem entender muito bem, nascer de conversas num “quartinho de fundo” de sua casa, na 707 Sul.

Revista de CINEMA – O que há de novo e mais significativo nesta edição número 50 do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro?

Reis – Realizar a quinquagésima edição de um festival da importância do brasiliense, numa cidade de 57 anos é, convenhamos, um feito. Este marco histórico do festival vem acompanhado por iniciativas inéditas muito importantes para Brasília e para o cinema. Primeiro, destaco o fato de termos agora dez dias de programação, permitindo participação de um público maior e ampliando a exibição de filmes que refletem melhor a tão diversa produção brasileira atual. Isso se reflete ainda no fato de serem nove filmes de Estados diferentes. Também temos, neste ano, um olhar especial para o mercado e a criação da mostra Futuro Brasil, que transformam o festival em um fórum, não só de debates, mas também de negócios e oportunidades para o cinema brasileiro. Estamos comemorando de uma só vez várias as efemérides: 60 anos de escolha do projeto de Lúcio Costa para a nova capital, 50 edições do festival, 30 anos da declaração de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Revista de CINEMA – A programação do festival está gigantesca. Não há risco de excesso de atividades em período tão concentrado?

Reis – Ampliamos a programação, mas também os dias de atividade. Ao mudarmos o início do festival para uma sexta-feira e o encerramento para o segundo domingo, acredito que alcançamos um ótimo equilíbrio, pois teremos dois fins de semana. Não acredito que teremos problema com excesso de atividades, mas sim mais ofertas para uma demanda cada vez maior por oficinas, debates e mostras paralelas. Brasília vem mudando a cada ano e é hoje uma cidade com um público ativo e diverso que saberá se distribuir pelas diversas atividades.

Revista de CINEMA – A homenagem a Nelson Pereira, professor da UnB em seus anos pioneiros, e a abertura de espaço para trabalhos de estudantes retoma, organicamente, o vínculo do festival com a instituição que ajudou a criá-lo?

Reis – Exatamente. Neste ano, estreitamos o diálogo com a academia, e mais especificamente com a UnB, um dos lugares de origem do festival. Esta característica de pensar o cinema junto com a juventude, com uma nova geração de realizadores, nunca foi perdida pelo festival. No entanto, o vínculo está mais forte este ano. Teremos participação ativa da UnB (e do Iesb, uma faculdade privada) na programação, inclusive com a realização do inédito Festival Universitário de Cinema de Brasília. A homenagem a Nélson vem da relação visceral do realizador com o evento e com a própria história da nossa produção. A medalha Paulo Emilio Salles Gomes, entregue pelo segundo ano, foi criada para prestigiar nomes que contribuíram para o pensamento, a pesquisa, a formação intelectual do cinema brasileiro. Nélson é um desses nossos gigantes do cinema brasileiro. É um justo e belo reconhecimento.

Revista de CINEMA – Como ator de teatro e cinema, gestor cultural e espectador assíduo, que momentos do festival ficaram na sua memória afetiva?

Reis – Eu cresci na Quadra 707 Sul, em frente ao antigo Cine Cultura. Num quartinho, na garagem da casa de meus pais, foi criado o pioneiro Clube de Cinema de Brasília, no qual germinou a 1ª Semana do Cinema Brasileiro, origem do nosso tradicional festival. Dessa época, as lembranças são difusas, mas alguns personagens fazem parte da memória familiar e pessoal e também da cidade e do festival: minha prima Cleyde Fernandes participava das discussões ao lado de Walter Mello, Geraldo Sobral Rocha, Rogério Costa Rodrigues, entre outros. Vem daí a minha relação com o festival e com o cinema. Como, ainda muito jovem, enveredei pelo teatro, passei a acompanhar o festival desde meados dos anos 70, primeiro como espectador, depois como ator eventual, como apresentador e também como diretor das cerimônias no Cine Brasília. Fui parte integrante de um grande êxito da produção brasiliense: “Louco por Cinema”, de André Luiz Oliveira, que, entre outros prêmios – inclusive o de melhor longa de 1994 – nos brindou, coletivamente, com o Troféu Candango de melhores atores coadjuvantes. Hoje, sou um dos responsáveis por sua continuidade.

A competição

Em sua quinquagésima edição, o Festival de Brasília aposta, como nunca em sua história, na descentralização cultural. Ou na regionalização. Quatro das cinco regiões que compõem o país estão representadas. O Sul participa com “Construindo Pontes”, da paranaense Heloísa Passos, e “Música para quando as Luzes se Apagam”, do gaúcho Ismael Canepele. O Nordeste comparece com “Café com Canela”, dos baianos Ary Rosa e Glenda Nicácio, “Por Trás da Linha de Escudos”, do pernambucano Marcelo Pedroso, e “O Nó do Diabo”, representante da Paraíba, dirigido por quarteto formado por Ramon Porto Mota, Ian Abé, Jhesus Tribuzi e Gabriel Martins. O Sudeste também tem três representantes: o mineiro “Arábia”, de Affonso Uchoa e João Dumans, o carioca “Pendular”, de Júlia Murat, e o paulista “Vazante”, de Daniela Thomas (produção de Sara Silveira). O Centro-Oeste se faz representar pelo candango “Era Uma Vez Brasília”, de Adirley Queirós, único entre os concorrentes a ter ganho o Troféu Candango de melhor longa-metragem (com “Branco Sai, Preto Fica”).

 

Por Maria do Rosário Caetano

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