“Petra”, representante da Espanha, chega com força à disputa no Cine Ceará

Por Maria do Rosário Caetano, de Fortaleza

O terceiro concorrente aos troféus Mucuripe, láurea principal do XXVIII Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza), vem da Espanha. “Petra”, do catalão Jaime Rosales, passou pela Quinzena dos Realizadores de Cannes e tem no elenco uma estrela em ascensão, Barbara Lennie, e uma diva espanhola, a almodovariana Marisa Paredes. A elas, somam-se os atores profissionais Alex Brendemühl, Carmen e Oriel Pla, Chema del Barco, Natalie Maduño e um engenheiro catalão, Joan Botey, que nunca havia atuado num filme.

Jaime Rosales, de 48 anos, levou três de seus longas-metragens à Quinzena do Realizadores, dois à mostra Un Certain Regard (ambas em Cannes) e conquistou dois Goya, o “Oscar” castelhano (um de diretor revelação e um de roteiro original). O cineasta não veio ao Cine Ceará, mas foi representado por sua produtora e sócia, Barbara Diéz, como ele, egressa da Escola Internacional de Cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba.

Em concorrido debate do filme, a falante e bem-informada Barbara contou que “Petra” nasceu com o propósito de dialogar com a tragédia grega. Na fase de criação do roteiro, Rosales releu, entre outros, textos de Aristóteles e David Mamet. O filme tornou-se realidade quando encontrava-se já no décimo-quinto tratamento.

“Petra” (a espanhola, filha de pais argentinos, Barbara Lennie, de “Uma Espécie de Família” e “Todos lo Saben”) é a protagonista do filme. Ela é uma mulher de 30 e poucos anos, artista plástica, que vive com a mãe idosa e doente, em estado terminal. Não sabe quem é seu pai. E a mãe morre sem desvendar o segredo. Uma tia, porém, fornece pistas à sobrinha. Afinal, a mãe relacionara-se, na juventude, com um famoso escultor catalão, Jaume. A moça vai, então, de Madri à Catalunha, conhecer o artista e sua esposa (interpretados por Joan Botey e Marisa Paredes). O casal, já idoso, rico e dono de uma magnífica casa de campo, construída com sólidas pedras, recebe a moça com frieza.

O filme, que nascera como uma tragédia grega, conserva elementos trágicos, mas estabelece frutífero diálogo com o melodrama. Além da busca pela paternidade, de questões de fidelidade que levam à desestruturação familiar e busca pela redenção, o filme — rompendo radicalmente com a tragédia grega — encerra-se com um final esperançoso.

A produtora Barbara Diéz disse, claramente, que “depois de dois longa-metragens radicais”, e de pouco diálogo com o público, “Jaime Rosales desejava realizar filme que respeitasse a inteligência do espectador, sem fornecer a ele uma trama previsível”. Uma narrativa com ousadias de linguagem, grandes elipses e quebras temporais. Enfim, “um filme de narrativa clássica, mas fertilizada por instigantes recursos do cinema moderno”. Por isto, a narrativa começa pelo capítulo dois e, mais uma vez, alterará a ordem cronológica dos acontecimentos. E, duas características, valorizadíssimas pelo cinema contemporâneo, ganham relevo: a aposta no improviso (os atores tiveram liberdade total para recriar os diálogos) e mistura de intérpretes profissionais e não-profissionais (caso do escultor Jaume, papel de grande importância, entregue a um engenheiro e, na vida real, dono da bela e burguesa casa de pedras, principal cenário do filme). Barbara Diéz admitiu também que o longa é, em essência, um melodrama. Tanto que, por um ano, na fase de roteirização, trabalhou-se com a possibilidade de dar ao filme o título de “Melodrama”. Só depois, o diretor e roteirista (nesta função, em parceria com Michel Gaztambide e Clara Roquet) chegaria ao título definitivo “Petra” (pedra em latim). Nome da personagem e presença catalizadora na rochosa região de Gijona, que ambienta as sequências mais importantes do filme.

O resultado é notável. O que o “Petra” perde em radicalidade e experimentos de linguagem, ganha em densidade e no poder de sugestão. A sequência final, embora esperançosa, está bem distante dos happy end de filmes cujo destino final são as sessões da tarde televisivas. Os atores, sem exceção, são brilhantes. E somos confrontados com temas de grande relevância: o mundo das artes plásticas movidas por altas somas de dinheiro, os privilégios burgueses, o autoritarismo paterno que aniquila filhos, o patrão que desfruta da mais-valia (e até de favores sexuais) dos empregados, e — mesmo que de passagem — as valas comuns onde falangistas arremessaram milhares de corpos republicanos, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Ainda não se sabe se Jaime Rosales realmente conseguiu realizar filme capaz de dialogar com grandes plateias, pois “Petra” só chegará ao público depois de participar, em setembro, da secção “Pérolas” do Festival de San Sebastián, no País Basco. Barbara Diéz está confiante: “vamos lançar o filme em 70 salas”.

Além do longa espanhol, a terceira noite do Cine Ceará apresentou quatro curtas-metragens: o mineiro (de Juiz de Fora) “Maria Cachoeira”, ficção de Pedro Carcereri, a animação goiana “O Evangelho segundo Tauba e Primal”, de Marcia Deretti e Márcio Júnior, o documentário carioca “Nomes que Importam” (sobre a importância do nomes social para travestis), de Angela Donini e Muriel Alves, e “Eu Sou o Super-Homem”, do paulista Rodrigo Batista, apoiado por edital inclusivo (o filme introduz a questão do racismo numa festa infantil em que as crianças comparecem fantasiadas de super-heróis).

“Petra” foi bastante aplaudido pelo público que assistiu ao filme no Cineteatro São Luís. Mesmo caso de “Nomes que Importam”. Já “Maria Cachoeira”, que dialoga com o cinema de horror, “Eu Sou o Super-Homem” e “O Evangelho segundo Tauba e Primal” foram recebidos com frieza. Mas, no debate, na manhã seguinte, os curtas-metragens motivaram muitas perguntas e contaram com detalhados argumentos de seus realizadores, alguns deles professores universitários. Ângela é professora da UniRio. Já Márcia e Márcio são docentes da Escola Goiana de Desenhos Animados.

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