Um documentário para morrer de rir

Por Maria do Rosário Caetano, de Fortaleza

O filme que mais arrancou gargalhadas no XXVIII Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza) foi, por incrível que pareça, um documentário: “Muitos Filhos, um Macaco e um Castelo”, do madrilenho Gustavo Salmerón.

O longa-metragem foi exibido em sessão especial, portanto fora de concurso, e seu diretor passou a semana em Fortaleza, vendo a seleção de filmes ibero-americanos, já que integrou o júri oficial. Depois da exibição marcada por sonoras gargalhadas do público, Gustavo respondeu a diversas perguntas, todas igualmente bem-humoradas. Como as respostas. Contou que o filme iniciou sua trajetória no Festival de Karlowy-Vary, na República Tcheca, onde conquistou o prêmio principal. Participou da secção Pérolas, do Festival de San Sebastián, no País Basco, o maior de seu país, e da seleção oficial de Toronto, no Canadá. No começo do ano, venceu o Goya de melhor documentário. Em junho, conquistou o Prêmio Platino, na mesma categoria, em festa na Riviera Maya, no México. E continuou recebendo convites para festivais em vários continentes.

“Muitos Filhos, um Macaco e um Castelo” fala, com raro bom humor, dos sonhos da octogenária e burguesa Julita Salmerón, mãe do cineasta e de mais seis filhos (perdeu um, e aí sentiu que era chegada a hora de curar a dor comprando um macaquinho). Com a fortuna acumulada pelo marido, engenheiro industrial e empresário, ela construiu um imenso castelo nos arredores de Madri. E nele foi acumulando lembranças que iam de dentes de leite dos filhos aos ossos (algumas vértebras) de seus avós, mortos na Guerra Civil Espanhola.

Admiradora de José Antônio Primo de Rivera, criador da Falange franquista e, por extensão do ditador Francisco Franco, Julita aproveitou os anos de fartura financeira para atulhar os cômodos do imenso castelo com caixas e mais caixas recheadas de vestidinhos, fantasias de mouros, bibelôs, fitas e para encher um quarto com bonecas de todos os feitios. Sem falar em armaduras, porcelanas, crucifixos e outros símbolos religiosos, brasões e pinturas (dela e de seus familiares, mas, também, de temas diversos e de qualidade duvidosos). Um dia, chegou a aguda crise econômica que atormentou Grécia, Espanha e Portugal e a família foi obrigada a vender o castelo para pagar hipotecas.

O filme, que pode ser definido como um irresistível documentário-comédia, tem em Julita Salmerón a sua estrela. Carismática, falante, contraditória e, especialmente, bem-humorada e irônica, ela transforma a todos que a cercam em coadjuvantes. O marido, que também tem lá seu senso de humor, conta que casou-se com uma bela jovem de 53 quilos e que agora vive com uma mulher com muito mais de cem quilos. “Uma gorda e um surdo”, resume ele, também octogenário, monarquista e saudoso dos anos do franquismo.

“Muitos Filhos, um Macaco e um Castelo” foi lançado na Espanha na mesma semana em que mais uma sequela de “Star Wars” invadiu as telas. Houve salas em que sua média de público bateu a da saga estelar. O filme permaneceu meses em cartaz e transformou Julita numa super-star. Ela ocupou páginas e páginas nos jornais e revistas e nos programas de TV. Tudo começou em Karlowy-Vary, no Leste Europeu, onde ela e os familiares foram ovacionados. E multiplicou-se quando, na pré-estreia madrilenha do filme, Julita foi a anfitriã de Pedro Almodóvar e Alejandro Amenábar, convidados especiais do ator e cineasta Gustavo Salmerón. E os presenteou com um garfo raro. Ou seja, um garfo que ela utiliza no filme e que dispõe de cabo oculto capaz de estender-se por um metro. E por que? Para que?

Para Julita, que dorme em cama separada do marido, mas no mesmo quarto, cutucá-lo de noite, para saber se ele “continua vivo”. Como à noite o Senhor Salmerón retira o aparelho auditivo, ele nada escuta. De forma que os rogos dela, ou mesmo gritos, não seriam ouvidos. O jeito foi apelar ao engenhoso garfo, transformado em 2 mil réplicas distribuídas como brinde à imprensa e aos que foram prestigiar as pré-estreias. Almodóvar e Amenábar divertiram-se a mais não poder com o estranho objeto.

O sucesso do premiadíssimo doc-comédia madrilenho foi tamanho, que há quem espere que Gustavo Salmerón faça uma sequência para contar o que aconteceu com sua família depois que Doña Julita virou uma estrela de cinema. Ele diz estar “farto das loucuras da família”. E que, se vier a fazer o novo filme, dará mais espaço ao pai. Isto, se Julita Salmerón aceitar ser coadjuvante. Ainda mais agora que virou uma estrela, mesmo que sem castelo. Ah, um registro: ao macaco, ela deu fim quando ele lhe aplicou dolorosa mordida na mão, próximo ao polegar, deixando no local cicatriz visível até hoje.

O delicioso e irresistível “Muitos Filhos, um Macaco e um Castelo” já foi vendido para diversos países. Gustavo Salmerón espera encontrar comprador no Brasil.

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