Chorar de Rir

Por Maria do Rosário Caetano

“Chorar de Rir”, o mais novo filme protagonizado pelo comediante Leandro Hassum, foi lançado na última quinta-feira, 21 de março, em 238 salas espalhadas por 92 cidades. O ator, radicado em Orlando, na Flórida, conheceu, nos tempos em que era gordo, imenso sucesso. Suas comédias vendiam milhões de ingressos. Mas as duas mais recentes – “Não se Aceitam Devoluções” e “O Candidato Honesto 2” – não passaram dos 500 mil espectadores (cada).

Leandro Hassum, que os mais íntimos chamam de Lelê, emagreceu e perdeu a graça? Ou a classe C, que vivia em sintonia fina com a comédia brasileira, cortou o lazer cinematográfico de sua lista de despesas?

O distribuidor Bruno Wainer, da Downtown, tem explicações diferentes. Para ele, o ator, ao mudar-se para a Flórida (ele vem fazendo shows para colônias brasileiras espalhadas por diversos países), perdeu sólidos elos com nosso público. Afinal, não conta mais com um programa de sucesso na TV, nem faz longas temporadas em nossos teatros (práticas do atual midas da comédia, Paulo Gustavo).

Estas questões não preocuparam o cineasta Toniko Melo, diretor de “Chorar de Rir”. Tanto que ele escolheu Leandro Hassum para protagonizar seu segundo longa (o primeiro, “Vips”, de 2010, foi protagonizada por Wagner Moura).

“Chorar de Rir” é uma comédia com ingredientes metalinguísticos, que presta tributo ao cinema (com citações de filmes como “Cantando na Chuva”, entre outros) e ao teatro (o filme lembra outro trabalho de Toniko, a série “Som & Fúria”, que teve Fernando Meirelles como diretor geral e foi apresentada pela Rede Globo).

Quem também se entusiasmou com a escalação de Leandro Hassum, de 45 anos, foi a produtora Geórgia Costa Araújo, da empresa Coração da Selva, responsável pelo filme, que marca o regresso de Toniko Melo ao cinema, oito anos depois do lançamento de “Vips”. Ela acompanhou os prés-lançamento de “Chorar de Rir” em diversas cidades brasileiras, ao lado do próprio Hassum, e ficou muito satisfeita com a reação do público.

Toniko Melo, que fez vários trabalhos na produtora O2, procurou Geórgia com o argumento de projeto que o mobilizara, desde que assistira a uma entrevista de Meryl Streep na TV.

Seu relato: “Anos atrás, num talk show americano, Meryl Streep foi questionada pelo entrevistador se haveria algo que ela, grande e superpremiada atriz, gostaria de fazer”. Ela respondeu de forma bem direta: “Creio que agora já estou pronta para fazer comédia”.

Tanto o apresentador do programa, quanto o espectador Toniko Melo ficaram “de boca aberta” com a resposta dela. E veio, naquele momento, um insight: “se ela, uma atriz dramática reconhecida diz que seu próximo desafio seria fazer uma comédia, Toniko se perguntou: “o inverso poderia acontecer? Se a genial Lucille Ball resolvesse partir para uma carreira dramática, ela seria aceita pelo público e, principalmente, pela classe artística?”

Toniko ficou com estas perguntas na cabeça e resolveu colocá-las, em forma de argumento, no papel. O fez com a colaboração do cartunista Caco Galhardo. Realizaria, pois, longa-metragem que se propunha a ser uma ode ao gênero que sempre o instigou: a comédia.

Geórgia entrou em campo para viabilizar “Chorar de Rir”, um nome, registre-se, de grande precisão, síntese e potência. Ela expressou seu desejo: realizar um filme que fosse “destinado a toda a família”. O primeiro passo foi convocar o escritor, cineasta e apresentador do programa “Super Libris” (SescTV), José Roberto Torero, para escrever o roteiro. O que ele fez, com a colaboração de Luciano Patrick.

Machadiano de carteirinha, Torero inspirou-se, claro, em contos do Bruxo do Catete. Vinte e dois anos atrás, ele escrevera o saboroso curta “Um Homem Sério” (Dainara Toffolli, com Ary França de protagonista). Quem prestar atenção no filme de Toniko Melo encontrará, também, diálogo e afinidades com a série “Som & Fúria”, disponível na GloboPlay.

E, afinal, em que se transformou o insigth do cineasta, provocado pela entrevista de Meryl Streep? Transformou-se em uma comédia que busca, sim, diálogo com o grande público, mas sem rebaixar-se com piadas chulas ou apelativas. Em muitos momentos, o público se diverte (a Revista de CINEMA assistiu ao filme no imenso e abarrotado Roxy, em Santos, cinema de rua que comemorava 85 anos de existência).

Tudo começa quando Nilo Perequê (Hassum) conquista o prêmio de “melhor ator de comédia”. Ali, ele decide que será respeitado – e futuramente premiado – como ator dramático (tomando o personagem de Fúlvio Stefanini, o ator sério e laureado da noite, como modelo). Para conseguir a credibilidade que deseja, resolve deixar o programa de TV, que fez dele um ídolo popular, e montar “Hamlet”, de Shakespeare, sob a direção de um encenador vanguardista e idiossincrático.

O roteiro soma, em produção bem cuidada, série de situações cômicas e românticas. Afinal, Perequê quer reconquistar sua ex, a atriz e “namoradinha do Brasil” Bárbara Castro (Monique Alfradique), com quem montara o mesmo “Hamlet” nos tempos de escola. Como o filme é uma comédia, alguns personagens e situações são desenhados com traços caricaturais. O elenco, composto com grandes atores, como Jandira Martini, Perfeito Fortuna, Otávio Muller e o próprio Stefanini, consegue, muitas vezes, contornar as armadilhas e quiprocós da trama. Um deles, em especial, se sai muito bem: o veterano “asdrúbal” Perfeito Fortuna, que interpreta, com ternura e delicadeza, o generoso pai de Perequê.

Num dos bons momentos do filme, ficamos sabendo que a palavra “merda”, dita nos camarins dos teatros brasileiros para desejar “boa sorte” a quem entra em cena, carrega origem das mais divertidas. E nos perguntamos: tal gênese é real ou fruto de invenção dos roteiristas?

O produtor-executivo e corroteirista Luciano Patrick conta que a internet foi a fonte consultada na busca da origem do desejar “merda” brasileiro (os conterrâneos de Shakespeare dizem “break a leg”– quebre uma perna).

“Para construir a graça de trocadilhos” – relata Patrick, bem humorado – “encontramos a versão que adotamos, ou seja, a de que quanto mais carruagens e seus respectivos cavalos houvesse para despejar merda no pátio dos teatros, melhor, pois sinal de que mais gente chegava para prestigiar o espetáculo”.

Esta origem vem da França. Mas Patrick admite que “outras fontes dão explicação diferente para o uso da palavra ‘merda’ pelos atores”. “Chorar de Rir” adotou a suposta origem francesa, “por ser a melhor, a mais engraçada”.

“O forte cheiro de merda em frente aos teatros causava incômodo em quem passava” – pondera – “mas também indicava sucesso da peça em cartaz, quanto mais cocô de cavalo, mais público. Por que descartar explicação tão divertida?”

“Chorar de Rir”, mostram as contas da produtora Geórgia Costa Araújo, custou R$ 8,5 milhões e mobilizou 72 atores (com falas) e ampla figuração, foi rodado em 35 sets, entre locações e cenários de estúdios, em São Paulo. Em Campinas, foi filmada sequência lacustre com uma caravela.

Quem for ver o filme, deve esperar os créditos finais, pois eles são ilustrados com hilárias participações de Ingrid Guimarães, a rainha da comédia blockbuster brasileira, e Fábio Porchat, o craque do Porta dos Fundos. A eles, somam-se Carol Pertes, Caito Mainer e Rafael Portugal, que faz o rival de Nilo Perequê (e aparece como um disfarce de seu personagem, o humorista invejoso Jotapê Santana). O quinteto improvisa e faz o que quer. Ingrid incorpora uma comediante feminista, que denuncia o machismo como força hegemônica no humor brasileiro.

Assista ao trailer do filme aqui.

 

Chorar de Rir
Brasil, 103 minutos, 2019
Direção: Toniko Melo
Elenco: Leandro Hassum, Monique Alfradique, Natália Lage, Otávio Muller, Rafael Portugal, Felipe Rocha, Jandira Martini, Fúlvio Stefanini, Sidney Magall

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