É Tudo Verdade seleciona 19 longas brasileiros e internacionais

Sete longas-metragens brasileiros e 12 internacionais, todos 100% inéditos, vão disputar o principal prêmio da 24ª edição do Festival de Documentários É Tudo Verdade, que acontece em São Paulo (de 4 a 14 de abril) e no Rio (8 a 14). Os vencedores estarão, automaticamente, habilitados a disputar vaga no Oscar da categoria.

Os selecionados brasileiros incluem dois filmusicais (“Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos”, de Daniela Broitamn, e “Rumo”, de Fávio Frederico e Mariana Pamplona, sobre um dos mais importantes grupos da Vanguarda Paulista), e duas histórias de “soldados” (os nordestinos que foram colher látex na Amazônia, em “Soldados da Borracha”, de Wolney Oliveira, e “Soldado Estrangeiro”, de Joffily e Rossi, sobre três brasileiros empenhados em guerrear sob outra bandeira). Incluem, também, um perfil da octogenária arqueóloga Niède Guidon, defensora incansável do Parque Nacional da Serra da Capivara, e uma narrativa sobre militantes Sem-Teto que buscaram abrigo em um belo cinema paulistano (“Cine Marrocos”, de Ricardo Calil).

“Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, de Marcelo Gomes, completa a lista de concorrentes. Este filme pernambucano, que representou o Brasil no Festival de Berlim, registra o ano barra-pesada de trabalhadores da indústria do vestuário na pequena e agreste Toritama. Operários labutam sem descanso, em imensas e suadas jornadas. E sonham com um único momento de folga e diversão compensatória, os festejos de Momo.

No segmento internacional do festival, concorrerão doze longas estrangeiros. A presença, cada vez mais preocupante, da extrema direita em governos outrora democráticos, destaca-se em parte significativa dos filmes selecionados.

O longa documental mais esperado entre os concorrentes estrangeiros é “A Beira”, de Alison Klayman, que chega do Festival Sundance com registro sobre as manobras em período eleitoral (eleições legislativas nos EUA) do estrategista-mor da extrema direita norte-americana, Steve Bannon, guru de Donald Trump e dos três filhos do presidente Jair Bolsonaro.

A política no Leste Europeu terá, além de Vladimir Putin e Gorbachev (tema de dois filmes também muito aguardados, um deles com a grife Werner Herzog), outro político em foco: o ultra-direitista Viktor Orbán, nome festejado pelos ideólogos do governo Bolsonaro. Em “Hungria 2018: Bastidores da Democracia”, Eszter Hadju registra a campanha presidencial que opôs o vitorioso Orbán ao ex-premiê socialista, o derrotado Ferenc Gyurcsány.

Da Noruega, chega a versão documental da tragédia de Utoya. Tema do longa ficcional “Utoya – 22 de Julho” (Erik Poppe, 2018), o massacre de 69 jovens estudantes por um atirador de extrema direita, numa ilha de veraneio, continua a espantar o mundo. “Reconstruindo Utoya”, de Carl Javér, tenta entender, depois de seis anos, como um dos países mais civilizados do planeta, a escandinava Noruega, foi cenário de tamanha atrocidade.

Os cinéfilos, claro, vão disputar ingressos (gratuitos) para assistir a mais um documentário do grande cineasta alemão Werner Herzog, que, em parceria com André Singer, realiza “Encontro com Gorbachev”. O governante que promoveu a Glasnost e a Perestroika e, consequentemente, o desmonte da grande URSS, tornou-se figura festejada no Ocidente. Mas, no que restou da velha União Soviética, ele foi condenado a um quase ostracismo. Quando disputou eleições presidenciais com Boris Yeltsin, teve pouco mais de 1% dos votos. Herzog e Singer recorreram a materiais de arquivo e realizaram três grandes entrevistas com o ex-presidente, já quase nonagenário.

Da mesma Rússia, só que sob a bandeira da Letônia, chega “Testemunhas de Putin”, de Vitaly Mansky. O cineasta, hoje dissidente, revisita material que ele mesmo filmou (20 anos atrás, para uma TV estatal) sobre as eleições de 1999, que elegeram Vladimir Putin, pela primeira vez, presidente da Federação Rússia.

O Brasil tem um representante na competição internacional — “Meu Amigo Fela”, de Joel Zito Araújo, diretor do seminal “A Negação do Brasil”. Neste filme, o cineasta, conhecido como “o Spike Lee brasileiro”, perfila, de forma matizada, o grande compositor, multi-instrumentista e cantor Fela Kuti (1938-1997). O nigeriano é visto, no documentário, já mostrado em Berlim e premiado em festival africano, pelo olhar de seu biógrafo, o cubano Carlos Moore. Moore, que passou temporada na Bahia, privou da amizade do genial, mas muito controvertido, artista e defensor do pan-africanismo.

Da Ásia, chega “Retrato Chinês”, de Wang Xiaoshuai, registro da complexa China contemporânea, vista pelo olhar de trabalhadores do campo e de fábricas citadinas, por turistas que desfrutam de praias e por passageiros de trens, transporte estratégico no país de Mao Tse-Tung.

O cinema é a razão de ser de “Ziva Postec. A Montadora Por Trás do filme Shoah”, produção canadense dirigida por Catherine Hébert. As feministas vão gostar de ver uma diretora fazendo justiça à profissional que assinou a montagem do monumental “Shoah”, mas foi “esquecida” até pelo diretor do filme, Claude Lanzman (1925-2018). Ele a ignorou até em seu livro de memórias. Muito da potência do longuíssimo inventário da barbárie nazista (613 minutos), considerado um dos mais importantes documentários do mundo, se deve ao trabalho e à abnegação da israelense Ziva Postec.

Da Holanda, chega “Agora Algo Está Mudando Lentamente”, do Mint Film Office, que acompanha diferentes sessões de terapia e cursos, para investigar a incansável procura por crescimento, orientação pessoal e sentido para a vida.

O israelense “Defensora”, de Rachel Jones e Philippe Bellaïche, retrata a advogada Lea Tsemel, que defende, há cinco décadas, palestinos. Por isto, muitos de seus conterrâneos a têm na conta de uma “advogada do diabo”. Ou seja, defensora de inimigos históricos de Israel.

O último concorrente da mostra internacional é o vibrante “Piazzolla: os Anos do Tubarão”, de Daniel Rosenfeld. Afinal, ele disputará prêmio, também, na Mostra Latino-Americana, como representante da Argentina. O filme, com vigor e ousadia, traça retrato multifacetado do genial e genioso Astor Piazzolla (1921-1992), o maior renovador da história do tango. O público ficará fascinado pelas invenções musicais do artista, mas verá que ele não era de trato fácil. Sabia se impor e se indispor com os que o incomodavam.

Na disputa latino-americana, estarão mais cinco longas documentais. O mexicano “Maricarmen”, de Sérgio Sorkin, chama atenção pela história singular de sua protagonista, a violoncelista Maricarmen Graue, polivalente como ela só. Aos 52 anos, além de integrar uma formação de música de câmara, ela toca numa banda de rock e corre em maratonas. Tudo ok se ela não fosse cega.

Do Chile, chega “Hoje e Não Amanhã”, de Josefina Morandé. O documentário reconstitui a história do movimento Mulheres pela Vida, formado no país andino, em 1983, para combater a ditadura liderada por Pinochet.

Da convulsionada Venezuela, fruto de parceria com a Alemanha, vem “Está Tudo Bem”, de Tuki Jencquel. O filme, segundo sua sinopse, “acompanha a dona de uma farmácia, um cirurgião, um ativista e dois pacientes”. Os cinco “enfrentam falta de medicamentos, um dos problemas nevrálgicos da crise do sistema de saúde venezuelano”.

O Brasil é parceiro secundário em dois dos seis filmes da competição latino-americana: o cubano “Arrancada”, de Aldemar Matias, e o uruguaio “A Liberdade é uma Grande Palavra”, de Guilherme Rocamora. O primeiro, também coproduzido pela França, mostra uma atleta de Cuba, que lida com grave lesão e a impossibilidade de participar de importante competição. Rocamora, por sua vez, registra a busca de uma nova pátria (o Uruguai), por um palestino, detido ao longo de 13 anos na prisão de Guantánamo, mantida pelos EUA em solo cubano.

O Festival É Tudo Verdade promoverá, também, duas competições de documentários de curta-metragem (uma brasileira e uma estrangeira, cada uma com nove títulos). E voltará a realizar a mostra O Estado das Coisas, que este ano apresentará dois filmes sobre cinema e um sobre novas sexualidades.

O primeiro, “Carta a Theo”, da belga Elodie Lélu, relembra o cineasta grego Theo Angelopoulos (1935-2012), morto tragicamente (atropelado por uma moto), quando trabalhava em um filme sobre migração e crise econômica. O segundo, “Marceline. Uma Mulher. Um Século”, de Cordelia Dvorak, traça amplo retrato da francesa Marceline Loridan-Ivens, companheira do holandês voador, Joris Ivens. A mulher do diretor de filmes rodados em todos os quadrantes da Terra, foi, além de esposa, laboriosa colaboradora do marido. Ivens (1898-1989), nunca é demais lembrar, é reconhecido como um dos maiores nomes do documentário mundial.

Fecha O Estado das Coisas, o brasileiro “Maria Luíza”, de Marcelo Díaz. O filme acompanha a trajetória de Maria Luíza da Silva, a primeira militar reconhecida como transsexual, pelas Forças Armadas brasileiras. Após 22 anos de carreira militar, ela foi aposentada “por invalidez”.

Dois cineastas serão homenageados com pequena mostra de seus filmes pelo festival, que tem o crítico Amir Labaki como idealizador e diretor: o brasileiro Nelson Pereira dos Santos e o francês Claude Lanzman. O diretor de “Vidas Secas”, que morreu, aos 89 anos, ano passado, no dia da premiação da 23ª edição do Festival É Tudo Verdade, será relembrado por sua produção como documentarista, com os longas (divididos em capítulos) “Casa Grande & Senzala” e “Raízes do Brasil”.

Lanzman será homenageado com o inédito (no Brasil) “As Quatro Irmãs”. Este documentário, composto de quatro partes, dedica-se a quatro mulheres judias, sobreviventes do genocídio nazista. O imenso material colhido para “Shoah”, épico que consumiu 12 anos de trabalho do cineasta e de seus colaboradores, continha em suas sobras, os ricos depoimentos (agora resgatados) destas quatro sobreviventes.

Em programação especial, o É Tudo Verdade 2019 apresentará três filmes: “Fotografação”, do diretor de fotografia e cineasta Lauro Escorel (reflexão sobre o ofício que abraçou como profissão e o impacto das imagens digitais na sociedade contemporânea), “Milú”, de Tarso Araújo e Raphael Erichsen, sobre a rica herdeira Milú Villela (do Banco Itaú), que “reinventou” sua sofisticada vida burguesa ao dedicar-se a projetos de educação, cultura e filantropia, e “O Barato de Iacanga”, sobre o Festival de Águas Claras, um Woodstock caboclo, que levou milhares de jovens a uma fazenda, no interior de São Paulo, para curtir música e outros prazeres.

 

É Tudo Verdade 2019 – 24º Festival Internacional de Documentários
Data:
4 a 14 de abril (São Paulo) e 8 a 14 de abril (Rio de Janeiro)
Local: SP – IMS e Itaú Cultural (ambos na Avenida Paulista), CCSP-Vergueiro e Sesc 24 de Maio / RJ – Estação NET Botafogo e IMS-Gávea
Entrada franca

 

Por Maria do Rosário Caetano

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