Animação perde Marcello Tassara, diretor de “Povo da Lua, Povo do Sangue” e de longa sobre a USP

Por Maria do Rosário Caetano

Marcello Tassara, cineasta e professor da ECA-USP, morreu no domingo, 17 de maio, aos 86 anos. Diretor do longa-metragem “O Brasil, os Índios e, Finalmente a USP”, realizado para comemorar o cinquentenário da maior universidade do país, e do média-metragem “Povo da Lua, Povo do Sangue”, premiado em Oberhausen, na Alemanha, Tassara dedicou-se, principalmente, ao magistério e à pesquisa científica no campo da animação.

Os ortodoxos do cinema animado preferem colocá-lo no gueto do “fotofilme”. Mas o que o brasileiro, nascido em Gênova, na Itália, fez em mais de 70 filmes, de sua autoria ou de outros realizadores, foi utilizar técnicas de animação.

Quem conhece sua obra cinematográfica sabe que um tema, em especial, o apaixonou: a causa indígena. A convivência com duas grandes fotógrafas – a britânico-brasileira Maureen Bisilliat, de 89 anos, e a suíço-brasileira Claudia Andujar, de 88 – vocacionaram seus melhores filmes aos nossos povos originários. Aos Yanomami, fotografados por Andujar, dedicou o belo “Povo da Lua, Povo do Sangue” (1988, 30 minutos), exibido em diversos festivais no Brasil e exterior. Com Bissilliat, Tassara realizou “Xingu/Luta (Epílogo)”, em 1980.

A Universidade de São Paulo comemorou, em 1984, seu cinquentenário. Tassara, professor da Escola de Comunicação e Artes, desfrutava, então, de significativo prestígio graças à boa recepção dada a “Povo da Lua, Povo do Sangue” e a suas pesquisas no campo do filme científico, documental e experimental (“As Leis de Kepler”, “Cristais”, “Relação entre Trabalho e Energia Cinética”, “O Pêndulo”, “De Revolutionibus”). Foi, portanto, o nome certo para dirigir um longa-metragem que registrasse a história uspiana. Ele realizou, sem boa retaguarda de produção, “O Brasil, os Índios e, Finalmente, a USP”. Como diz o título, os Índios (hoje, prefere-se a palavra “indígenas”) ganharam relevo singular no filme.

O documentário “O Brasil, os Índios e, Finalmente, a USP”, captado em 16 milímetros, não ficou pronto em tempo de integrar os festejos do cinquentenário. Só viria a público quatro anos depois (1988), em história Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada no campus da USP. A recepção ao filme foi desconcertante. Como repórter do Correio Braziliense, deslocada para cobrir a SBPC, eu estava presente e testemunhei o “desencanto”.

O único longa de Tassara registra depoimentos de professores, estudantes e cidadãos comuns, que relembram fragmentos da história uspiana. E, ampliando seu escopo, o documentário acaba registrando também da história da cidade de São Paulo, vista em trechos de filmes do início do século XX. E dos indígenas. Entre os professores que dão depoimentos ao filme, estão Mário Schenberg, Oscar Sala, que fora presidente da SBPC, e Carolina M. Bori.

Uma sequência do longa documental tornou-se a mais incômoda. Estudantes, aparentemente desinteressados pela história e importância da instituição que frequentavam, falam banalidades. Resultado, o filme não foi ampliado para 35 milímetros, não chegou aos cinemas, nem à TV. Não houve novas sessões públicas em cineclubes, nem em associações de moradores, circuito muito prestigiado na época. Ficou esquecido.

Quem sabe é chegada a hora de rever este “O Brasil, os Índios e, Finalmente, a USP”, somado aos curtas e médias-metragens realizados por Marcello Giovanni Tassara, cineasta, pesquisador e professor genovês, radicado no Brasil desde os seis anos? Para cuidar da difusão de seus filmes não é necessário ir longe. Sua filha, Helena Tassara, é cineasta, autora de “Era uma vez o Brasil” (1995), “Um Rei no Xingu” (2001) e “Bode Rei, Cabra Rainha” (2008).

Quem consultar o currículo Lattes de Tassara ou o verbete dedicado a ele pelo site Escavador, ficará bem impressionado. São muitas e múltiplas as realizações que marcaram sua trajetória no campo das imagens e da pesquisa científica. Destaque-se a circulação de seus filmes – incluído o esquecido “O Brasil, os Índios e, Finalmente, a USP” – em escolas de Berlim, na Alemanha, e em Paris (na prestigiada Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais).

E, vale lembrar, que, assim como sua amiga Maureen Bisilliat, ele amou a literatura brasileira, à qual dedicou dois filmes: “A João Guimarães Rosa” (1968), sobre o autor de “Grande Sertão: Veredas”, dirigido por Roberto Santos (com roteiro de Tassara e Bisilliat) e “Bahia Amada Amado” (1999), sobre o baiano Jorge Amado, este escrito e dirigido por ele e pela amiga Maureen Bisilliat.

Um filme curioso, na obra de Tassara, é a animação “Steinberg”, que ele dirigiu com Marjorie Braum e Roman Stulbach. Em dez minutos, o trio anima charges do cartunista romeno-estadunidense Saul Steinberg, que visitou o Brasil em 1956 e desenhou aspectos das cidades que visitou. Algo semelhante ao que faria o francês Jano, tema do longa-metragem “Rio de Jano”, também dirigido por um trio (Ana Azevedo, Renata Baldi e Eduardo souza Lima).

 

FILMOGRAFIA
Marcello Giovanni Tassara

(Gênova, Itália/ 1933- São Paulo/Brasil, 2020)

Longa-metragem:

1988 – “O Brasil, os Índios e, Finalmente, a USP”

Média-metragem:

1983 – “Povo da Lua, Povo do Sangue”

Curta-metragem:

1969 – “As Leis de Képler”
1970 – “Cristais”
1970 – “Relação Entre Trabalho e Energia Cinética”
1971 – “Steinberg (codireção de Marjorie Braum e Roman Stulbach)
1973 – “O Pêndulo”
1975 – Abeladormecida Entrada Numa Só-Sombra”
1976 – “De Revolutionibus”
1978 – “Laboratório Sem Paredes/Sem Fronteiras”
1980 – “Xingu/Luta (Epílogo) – Codireção de Maureen Bisilliat
1986 – “Exercício de Animação”
1999 – “Bahia Amada Amado” – Codireção de Maureen Bisilliat

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