Ator e cineasta Júlio Calasso morre em São Paulo aos 80 anos
Por Maria do Rosário Caetano
O ator, diretor e produtor musical Júlio Calasso morreu em São Paulo, sua cidade natal, na tarde da última sexta-feira, 11 de junho. Ele tinha 80 anos e um filme inédito – o longa documental “Plínio Marcos nas Quebradas do Mundaréu” – que queria ver na lista de oferta de plataformas de streaming, para que mais pessoas, como ele, pudessem amorosamente cultivar o ator e dramaturgo santista que brilhou na novela “Beto Rockfeller” e escreveu “Navalha na Carne” e “Dois Perdidos numa Noite Suja”.
Diretor do curta “Copa 66” e do longa ficcional “Longo Caminho da Morte” (1971), protagonizado por Othon Bastos, Calasso tornou-se famoso por aparição relâmpago em “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), cult movie de Rogério Sganzerla. As novas gerações o festejavam por ser um dos espectadores (ele e, também, Carlão Reichenbach) em cena metalinguística do filme do bandido que pregava, aos que nada podiam, que partissem para a esculhambação. Na verdade, o principal papel desempenhado por Júlio Calasso Jr no mais famoso dos filmes sganzerlianos foi o de diretor de produção. E ele o exerceu full time, com paixão absoluta. Amava (cultuava) o “Bandido da Luz Vermelha” e seu diretor.
Outro cineasta, o paraense-paulista Denoy de Oliveira (1933-1998), deu a Júlio Calasso Jr um personagem – o divertido Inspetor Galo, em “O Baiano Fantasma” – que lhe rendeu dois prêmios de melhor ator coadjuvante: o Governador de Estado e o troféu do IV Rio-Cine Festival. O filme, protagonizado por José Dumont, conquistou o prêmio máximo (o Kikito de melhor longa) no Festival de Gramado de 1984. Júlio vibrou com o reconhecimento dado ao amigo Denoy.
A trajetória do ator começou pelo teatro. Aos 23 anos, fez o curso de interpretação ministrado por Eugenio Kusnet, no Teatro Oficina e, em 1965, participou da montagem de “Galileu Galilei”, de Brecht, sob direção de José Celso Martinez Corrêa. No Teatro de Arena, atuaria em “Neca do Pato”, de Walter George Durst, “O Processo”, de Kafka, e faria seu primeiro Plínio Marcos – “Reportagem de um Mau Tempo”. Em 1977, dirigiu montagem de “Fala Baixo Senão Eu Grito”, a mais conhecida das peças de Leilah Assunção. Fez novelas na TV Excelsior de 1966 a 1968.
No cinema, foi assistente de direção ou produção em “Viramundo” (Sarno, 1965), “Anuska Manequim e Mulher” (Ramalho, 1968), “República da Traição” (Ebert, 1970) e “Prata Palomares” (André Faria, 1970).
Júlio Calasso sentiu-se, então, pronto para dirigir seu primeiro longa-metragem. Escreveu “Longo Caminho da Morte” e convidou, para protagonizá-lo, o grande Othon Bastos, o Corisco do glauberiano “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Mobilizou, ainda, Dionísio Azevedo, Assunta Perez e Gésio Amadeu.
O filme, por demais hermético, não aconteceu junto ao público. Vale relembrar a história, já que “Longo Caminho da Morte” foi restaurado e exibido no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, três anos atrás: “A vida e morte de um ‘coronel’, de nome Orestes. Ele é um cafeicultor decadente e o vemos em desepero ou tomado por alucinações. Vive num mundo fechado, sem saídas aparentes. O vemos ora com 40 anos, ora centenário. Um homem que não consegue morrer, morrendo a todo instante, dependendo do ponto-de-vista de suas três mulheres, Maria, Irena e Zina. Ou serão elas apenas projeções da mente de Orestes?”
O próprio cineasta definiu o filme “como um jogo de xadrez”, um intrincado jogo de cartas. O júri da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) atribuiu a Júlio Calasso o modesto prêmio pelo “melhor argumento”. Mas não se entusiasmou com o resultado.
Quando as chances no cinema diminuíram, o ator-diretor passou a dedicar-se a outra de suas paixões, a música, produzindo discos (e shows) de artistas como o baiano Moraes Moreira, o paranaense-paulista Itamar Assunção, e banda paulistana Joelho de Porco.
Voltou ao cinema no episódio “Desordem em Progresso”, que Carlão Reichenbach realizou para o longa “City Life” (1990). Nos últimos anos, dedicou-se à vida de Plínio Marcos, que resgatou no documentário “Nas Quebradas do Mundareu” e para o qual recolheu depoimentos de Tônia Carrero, que interpretou Neusa Suely, protagonista-prostituta de “Navalha na Carne”, e de Neville D’Almeida, que deu o mesmo papel a Vera Fischer (em filme realizado em 1997).
O cineasta e produtor cultural Francisco César Filho evocou a memória do amigo em suas redes sociais, lembrando que recebeu de Calasso o estímulo para que se dedicasse à organização de mostras de cinema, ainda na década de 1980. “Júlio sempre aparecia, cheio de entusiasmo, com algum projeto novo. Até me engajou na equipe de um longa-metragem dele, que acabou não dando certo”. Chiquinho sugere aos admiradores de Júlio Calasso que leiam o dossiê que a revista digital Zingu, editada pelo cineasta Adilson Marcelino, dedicou ao ator-cineasta-produtor musical. E lembrou, por fim, que ele foi, também, um sobrevivente, que meteu-se em aventuras no comércio (como padarias e uma lavanderia self-service).
Em janeiro deste ano, quando o cineasta e diretor de fotografia Peter Overbeck (de “O Bandido da Luz Vermelha”) morreu em Israel, Calasso fez questão de registrar seu pesar, lembrando tripla parceria com ele: “trabalhamos juntos no ‘Bandido’ e ele fotografou meu longa “Longo Caminho da Morte” e faria o outro, cuja produção se inviabilizou quando a Embrafilme foi desmontada. Fizemos dezenas de reuniões para discutir a luz do filme”. E completou: “estou aguardando um documentário que revê minha trajetória, feito por um aluno da Faap (Ricardo P. Pinheiro). Ele realizou uma longa entrevista comigo e está editando o material. Júlio Calasso morreu sem ver o filme pronto.