Governo do Paraná estuda projeto de criação de um polo de cinema em Maringá
Por Helena Santana, especial para a Revista de CINEMA
Em meio à paralisação da produção cultural na pandemia, um ato de resistência surge no interior do Paraná com a criação de um Polo Cinematográfico em Maringá. Uma delegação de produtores de audiovisual da cidade apresentou a proposta de implantação do Polo ao governador do estado, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD), em uma reunião no Palácio Iguaçu, ontem (9/06) em Curitiba.
A proposta pretende gerar 10 mil novos empregos diretos na região e fomentar a capacitação local, onde alunos, preferencialmente de baixa renda e considerados população de risco, a partir de 14 anos, receberão gratuitamente formação de cinema em modalidade de contraturno com profissionais de renome nacional e internacional.
Além do governador, também participaram da reunião o deputado estadual Dr. Batista (DEM), a Superintendente Geral da Cultura Luciana Casagrande e José Padilha, pesquisador, produtor, diretor e roteirista, realizador paranaense e idealizador do projeto.
Padilha avaliou positivamente a conversa com Ratinho Júnior e disse que o governador se mostrou disposto a investir no projeto. “Vamos desenvolver mais a proposta para que possamos trabalhar junto com o Estado para implantar um Polo Cinematográfico em Maringá. O Paraná hoje é conhecido pelo agronegócio, mas com o polo ele pode passar a ser reconhecido pela indústria cinematográfica, que é estratégica para todo o país”, disse o produtor.
Depois da reunião, Padilha conversou com a Revista de CINEMA para dar mais detalhes sobre a iniciativa.
Revista de CINEMA – Como surgiu o projeto de um polo de cinema no Paraná?
José Padilha – Eu costumo dizer que o projeto é resultado dos 25 anos de minha carreira artística, iniciada acadêmica e profissionalmente nas Artes Cênicas, em meados da década de 1990, quando já, nas minhas primeiras montagens teatrais, inspirado em Vsevolod Meyerhold, fazia experimentos com audiovisual na minha primeira placa de captura de vídeo, adquirida em Cidade Del Este, no Paraguai, naquilo que foi por muitos anos minha ilha de edição não linear. Passou também pelas experiências na Companhia de Teatro “Vigor Mortis” dirigida por meu professor Paulo Biscaia Filho, desde meu primeiro curso de cinema feito com o professor e cineasta Fernando Severo e várias dezenas de cursos de formação em cinema nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas efetivamente foi num workshop com a americana Nancy Bishop, produtora e diretora de casting de dezenas de grandes produções europeias, no que a “Teoria da Semiótica das Paixões Aplicada a Narrativa de Ficção” do brilhante PhD Hermes Leal qualifica como “acontecimento extraordinário”, que minhas sinapses se direcionaram para a produção de cinema. Passei a estudar metodicamente os movimentos culturais, e depois de várias “Reuniões de Negócios” no antigo RioContentMarket, atual Rio2C, percebi que a engrenagem industrial de cinema que se solidificava no Brasil na última década exigia um pouco mais do que “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
RC – E por que Maringá?
JP – A ideia de trazer o projeto do Polo Cinematográfico para Maringá surgiu em uma reunião de um outro projeto cultural que envolvia cinema com o produtor local em Maringá, Vital Bem Waisermann. Sagaz ao ouvir sobre o projeto, ele me perguntou o que seria necessário para trazer o projeto para a cidade. Eu mencionei a infraestrutura necessária, e ele me relatou que Maringá possuía tudo que o projeto precisava. A partir de então redirecionei os estudos para Maringá.
RC – E qual a trajetória do projeto em Maringá?
JP – Apresentei o projeto primeiro para a cúpula diretiva da cidade. No início foi complicado, porque a Secretaria Municipal de Cultura em menos de dois anos teve três titulares diferentes. Todos com boa vontade, mas nenhum com experiência na área de cinema, e convenhamos, a envergadura do projeto assusta um pouco. Adicione ao molho um conturbado período eleitoral em meio a pior crise pandêmica de nossa história, onde somos recordistas mundiais em mortes, a falta de tradição cinematográfica local e a resistência de algumas pessoas que ainda me veem como um “invasor”. Criar a cultura cinematográfica industrial, numa cidade que orbita e tem respeitabilidade reconhecida mundialmente e gira em torno da agricultura, digamos que não seja uma das tarefas das mais fáceis. Mas metodicamente e com determinação fomos conquistando as pessoas com argumentos sólidos, removendo uma a uma as pedras do caminho e pavimentando uma jornada em direção ao destino da cidade ser a “Capital do Cinema das Américas”, excetuada claro, Los Angeles.
RC – Parece ser um objetivo grandioso, mas é possível?
JP – Sim, é totalmente possível. Penso que, quanto maior o arco da nossa trajetória, mais próximos estamos daquilo que as pessoas imaginam ser inalcançáveis. Em 2007, a cidade de Paulínia tinha 50 mil habitantes, não tinha sequer um teatro ou sala de cinema, de cena cultural irrelevante no cenário nacional, tinha apenas o desejo, a crença de um prefeito que “queria fazer um festival como o Oscar”, e potencializado pelo conhecimento de especialistas levantou um Polo Cinematográfico que entrou para a história do cinema brasileiro. No auge, a pequena Paulínia, por anos, rivalizou em termos de produção com as gigantescas Rio de Janeiro e São Paulo, sendo responsável por quase 30% da produção nacional, já estreando grande, com o filme “Ensaio sobre a Cegueira”, do diretor Fernando Meirelles e do livro homônimo de José Saramago, e com astros da primeira grandeza de Hollywood, como Mark Ruffalo (“Os Vingadores”), Julianne Moore (“Hannibal”), Danny Glover (“Máquina Mortífera”) e Gael Garcia Bernal (“Mozart in the Jungle”), além da talentosíssima Alice Braga, pedra preciosa do cinema brasileiro no mundo. Se Paulínia fez seu Polo de Cinema em 2007, Maringá, a terceira maior economia do Paraná, de cultura muito mais efervescente, pode fazer em 2021.
RC – Paulínia tinha a riqueza do Petróleo. Quais são os pontos positivos de Maringá?
JP – Maringá tem a riqueza do agronegócio, que pode alavancar a indústria do entretenimento. A cidade tem um orçamento de R$ 1,8 bilhão, nove empresas entre as 500 maiores do país, a 11ª maior empresa do estado, estado este que tem um orçamento anual que gira em torno de R$ 50 bilhões. E com autoridades públicas visionárias que sabem que a indústria do audiovisual gira mais de R$ 30 bilhões anuais para o PIB nacional, é maior que a indústria farmacêutica e automobilística, gera divisas, turismo e além de tudo, projetará o nome da cidade internacionalmente, e que tem em seu governador um empreendedor que almeja transformar o estado na “Califórnia Brasileira”. Qual a indústria mais pulsante e evidente da Califórnia? O cinema! Faremos de Maringá a “Los Angeles do Brasil”!
RC – E agora com a pandemia? Houve alguma modificação no projeto do Polo Cinematográfico em Maringá?
JP – A pandemia evidenciou que a cultura, o cinema, são cada vez mais relevantes para o ser humano, é um segmento artístico que serve como um grande guarda-chuva catalisador para todas as outras artes. A nossa “Dama do Teatro” brasileiro há alguns anos foi indicada ao Oscar. O Festival de Cannes, com raríssimas exceções, em todos os anos tem filmes brasileiros selecionados e premiados. Na última edição tivemos o privilégio de ter três filmes nacionais premiados em Cannes. Você imagina como seria tediosa nossa vida durante a pandemia sem a existência do cinema, do streaming? Acordamos pela manhã bombardeados pelo audiovisual em nossos smartphones, pessoas se alimentam ao meio-dia com o audiovisual do lado, na mesa, dormimos com audiovisual, e quando ficamos insones é o audiovisual que nos salva durante a madrugada.
RC – Você apresentou alguns argumentos potentes, existem outros que justifiquem o investimento público?
JP – Uma indústria que cria 10.000 postos de trabalhos diretos, que impactam 40.000 pessoas, se considerarmos uma família média de quatro integrantes, mãe, pai e dois filhos. Mas são 10.000 empregos de qualidade, de renda média do audiovisual sendo o dobro da renda média da cidade, o que potencializa o posto de trabalho no cinema. Profissionais de outras áreas migrarão para esses postos de trabalho qualificados, então os 10.000 empregos iniciais se tornam 20.000 empregos diretos, pois abrem-se vagas de emprego nas outras áreas originárias dos novos trabalhadores do audiovisual, o que projeta um impacto econômico em 80.000 pessoas, numa cidade de 400 mil habitantes, 20% da população orbitará diretamente no Polo. Nem falamos dos empregos indiretos, um filme em escala industrial gera em média 1.000 empregos, exemplo do filme “Hebe”, que gerou 1.267 empregos diretos. Essas 1.000 pessoas necessitam de alimentação pelo menos duas vezes ao dia. Logo a economia em torno do Polo será afetada, falamos do incremento de pequenos restaurantes, mercados. Filmes necessitam de figurinos, abrem-se vagas para costureiras, figurinistas. Toda produção necessita de locomoção, surgem mais vagas para motoristas. Em Paulínia criou-se até um segmento de imprensa especializada em cinema e em Maringá não será diferente, teremos uma sala de imprensa exclusivamente para abrigar jornalistas do setor com todo conforto. Os dados econômicos são contundentes, o filme recordista de bilheteria no Brasil é o “Minha Mãe é uma Peça 3”, do saudoso Paulo Gustavo, que em um mês de exibição rendeu mais de R$ 150 milhões. Apenas a título comparativo, Maringá tem uma empresa cooperativa que é uma potência agrícola internacional. Todo o esforço produtivo de bilhões de reais rendeu a todos os seus cooperados juntos, ao final de um ano de exercício, aproximadamente R$ 142 milhões. Um único filme em escala industrial rendeu em um mês mais do que todo o esforço da cidade que tem na agricultura sua maior riqueza atualmente.
RC – Você usa como exemplo um fenômeno econômico do cinema, isso não é perigoso como parâmetro?
JP – Não. As bases de sustentação do projeto são o extraordinário. Se fosse para ser ordinário nem levantaria da cama. Temos uma potência econômica de cidade, uma equipe cujo esqueleto é altamente qualificado, com mais de 500 prêmios internacionais em seus currículos somados, uma teoria de cinema que revolucionará a forma de se fazer cinema no mundo, cunhada sob o manto intelectual da maior universidade da América Latina, resultado de estudos de mais de 30 anos realizados por um PhD excepcional. Tudo no projeto aponta para o extraordinário.
RC – Qual o apoio das autoridades ao projeto?
JP – O projeto foi ganhando corpo gradativamente, foi apresentado aos produtores locais, à imprensa, ao Conselho de Políticas Públicas de Cultura do município, Secretaria de Cultura, Secretaria de Inovação Tecnológica, Secretaria de Cidadania e Juventude, Poderes Legislativo e Executivo Municipal, Parlamentares Estaduais e Federais, Secretaria Especial da Cultura, Superintendência de Cultura, Superintendência da Casa Civil e Governo do Estado do Paraná. O percurso não foi pequeno. As repercussões foram as mais diversas, desde assombro até incredulidade, mas vencidas as primeiras impressões não há quem não apoie o projeto. O governo municipal, através do prefeito Ulisses Maia, se comprometeu em fazer a cessão de um terreno de 5.000 metros quadrados, os parlamentares federais liderados pelo deputado federal Ricardo Barros se comprometeram a trazer os recursos financeiros para construir os estúdios, e o Governador do Estado Ratinho Junior, acessado por intermédio do deputado estadual Dr. Batista, deverá aportar recursos financeiros e tecnológicos para construção de infraestrutura. Foi necessária uma engenhosa arquitetura política para tirar o projeto do papel, mas todos os envolvidos estão entusiasmados com o projeto.
RC – Qual você acha que é o impacto mais de relevante no projeto?
JP – A menina dos meus olhos, aquilo que me faz vibrar quando projeto o futuro é a nossa contrapartida social para a cidade, nosso legado para as futuras gerações do Brasil como nação exportadora de cultura. O projeto social do Polo Cinematográfico de Maringá pretende formar centenas e milhares de pequenos cineastas. Na modalidade de contraturno escolar, ofereceremos gratuitamente a adolescentes a partir de 14 anos, preferencialmente de baixa renda e de população em situação de risco, o ensino teórico e prático de cinema nas estruturas do Polo, com profissionais da mais alta qualificação nacional e internacional. Essas crianças terão acesso ao conhecimento e aprendizado com profissionais do quilate de Tizuka Yamasaki, diretora premiada em Cannes e ex-produtora de Glauber Rocha, Yoya Wursch, roteirista considerada “nível A” em oficinas de roteiro da Rede Globo, premiadíssima internacionalmente, diretores e roteiristas das maiores empresas cinematográficas do país, com suporte das universidades locais. Imagine o que acontecerá quando esses meninos e meninas tiverem 20 anos, dos quais seis em estudos de cinema em alto nível no Polo, teremos 500, 1.000 jovens cineastas e em suas cabecinhas a “Teoria da Semiótica das Paixões Aplicada a Narrativa de Ficção” transcendo fronteiras. Que outra cidade do mundo tem um projeto tão extraordinário como esse? O Polo Cinematográfico em Maringá escreverá uma história que dará orgulho ao Brasil. Os futuros ganhadores do Festival de Cannes, Berlim, Locarno, Veneza sairão de Maringá. Não será de se duvidar que o primeiro tão sonhado Oscar brasileiro seja “pé vermelho”. Tudo baseado na “Teoria da Semiótica das Paixões Aplicada a Narrativa de Ficção”, do PhD Hermes Leal, idealizo o Polo como laboratório prático da teoria. Como diria um amigo intergaláctico: “Fascinante”!
RC – O que sua psiquiatra fala a respeito?
JP – A Dafne não sabe de nada, inocente. Meus neurônios estagiários fizeram um esforço supremo e conseguiram esconder o projeto dela. Na época estavam preocupados em controlar a rebeldia do meu esfíncter (risos).
Parabéns à Maringá e aos seus arrojados e bravos incentivadores da cultura.
Um exemplo para Londrina, que ainda não acordou do sono letárgico e da importância desse setor.
Fernando Nasser
Produtor de audiovisual
http://www.luxom.com.br
Parabéns a todos que estão apoiando este maravilhoso projeto, com certeza escolheram a cidade certa,pra quem não sabe Maringá é considerada a melhor cidade do Brasil para se viver já pelo 3 ano.
Megalomaníaco para um governo que repudia tanto a cultura e as instituições de Estado que a fomentam. Isso aí ta me cheirando a promessa furada de campanha, e de cara o midiático do Padilha… Quero ver o projeto! Por enquanto é só a palavra de um homem de senso crítico depreciado.