Netflix e a aposta em “Love”, de Judd Apatow

Números da Netflix

O crescimento da audiência e, consequentemente, do faturamento da Netflix chega a ser espantoso. A empresa, atualmente, alcança cerca de 190 países e teve números divulgados para o ano de 2015 de 75 milhões de assinantes pelo mundo todo; desse total, mais de 4 milhões são de brasileiros.

A audiência dos canais de televisão dos Estados Unidos caiu 3% em 2015 e o maior motivo disso (50% do total) foi por causa da Netflix. É uma tendência que só tende a crescer, segundo análise de dados se fosse um canal de televisão americano, a audiência diária ficaria entre as três maiores. No Brasil, o faturamento da Netflix em 2015 foi de 1,1 bilhão de reais, maior do que a estimativa de faturamento do SBT (R$ 850 milhões), segunda maior emissora do país.

A capacidade da Netflix de conseguir ler as tendências e se reinventar é impressionante. Surgiu em 1998, num mercado saturado de vídeo-locação, pensando sempre na comodidade do assinante, que escolhia os filmes pelo site, recebia em casa e enviava os filmes de volta pelos correios. O que atraía membros eram os serviços diferenciais: não havia diferença de valores entre lançamentos e filmes antigos, não havia multa por atraso e o cliente podia optar por comprar o filme ao invés de devolver.

Com a popularização da pirataria e a eminente “morte” das videolocadoras, a Netflix se adiantou e lançou em 2007 seu serviço de streaming. Num mercado até então inexplorado, negociou ótimos valores e longo prazo de expiração para as licenças de streaming, conseguindo reunir um imenso acervo de títulos que vinham de diversos estúdios (grandes e pequenos), produtoras independentes e canais de televisão.

Netflix foi sucesso imediato, conquistou milhares de assinantes, faturou horrores e viu os olhos de todos os estúdios e canais de televisão crescerem em cima do lucrativo mercado de streaming. A longo prazo, as perspectivas não eram boas para a Netflix, seu acervo que, em determinado momento, atingiu a marca de um milhão de títulos, vem despencando em números (houve diminuição de 33% do acervo em 2016). Isso se deve, principalmente, por dois motivos: estúdios e canais abriram seu próprio canal de streaming e não querem negociar ou estão pedindo altos valores e sem exclusividade pelas licenças.

O que poderia ser um revés já estava sendo esperado pela empresa e o plano para continuar o crescimento do número de assinantes é o investimento em produções de séries originais. Em 2011, o pensamento da empresa era “Vamos virar a HBO mais rápido do que a HBO possa virar a Netflix”, assim então anunciaram duas produções originais: “Lilyhammer” e “House of Cards”.

Desde a estreia das séries originais em 2013, a Netflix já tem em seu catálogo mais de uma centena de produções, incluindo séries, especiais, desenhos, filmes, documentários, entre outros.

Em 2016, pretende quase dobrar o número de séries, chegando a 32 produções. Recentemente, anunciou que produzirá no Brasil, uma série sobre a Operação Lava-Lato da Polícia Federal, dirigida por José Padilha, a segunda produção brasileira (a série de ficção “3%” já está em produção).

Essa capacidade de se antecipar às tendências é pautada em pesquisas, um dos executivos disse que o investimento em novos projetos depende 70% de dados e 30% da intuição. Os dados econômicos, sociais e de consumo de seus assinantes são analisados por diversos viés. Além disso, são realizadas outras pesquisas de mercado:

– Um exemplo foi em 2012, quando anunciaram que poderiam retomar uma nova temporada da série “Jericho” que havia sido cancelada. A reação dos fãs não foi a esperada, desistiram do projeto, mas resolveram apostar em uma nova temporada da série “Arrested Development” que também havia sido cancelada, mas que havia um maior número de fãs e era de menor orçamento.

– Aprimoramento no software de sugestões e experimentação na maneira de apresentar uma série; há uma alternância entre séries que têm episódios da temporada lançados todos juntos de uma vez e outras séries que são lançados um episódio por semana.

– Extensa pesquisa sobre séries em diversos países sobre qual episódio e cena fidelizou o espectador e o fez assistir o resto da temporada.

Love

Em 2016, estreou na Netflix a série “Love”, criada por Judd Apatow, de 10 episódios, que trata do relacionamento amoroso entre Gus (Paul Rust), um nerd que dá aulas particulares para adolescentes que trabalham em TV, e Mickey (Gillian Jacobs), uma produtora de um programa de rádio.

Judd Apatow é comediante, roteirista, produtor executivo e diretor. Teve uma longa carreira como roteirista e produtor, mas ganhou status e projeção depois de dirigir “O Virgem de 40 Anos” (2005). Dirigiu e escreveu outros filmes: “Ligeiramente Grávidos” (2007), “Funny People” (2009), “Bem-Vindo aos 40” (2012). O mais interessante é que Apatow consegue imprimir sua visão em tudo que ele faz, especialmente trabalhando apenas como produtor. Para TV, foi produtor da série “Freaks & Geeks” (1999) e “Undeclared” (2001), essa última como cocriador. É também produtor executivo da série “Girls”, de Lena Dunham.

Apatow trabalha com comédias românticas dramáticas. Apesar de manter a estrutura das comédias românticas: garoto conhece garota, os dois se aproximam, se apaixonam, se afastam, ao final, o garoto supera um obstáculo para ficar com ela, suas obras conseguem fugir dos clichês de uma forma única, sutilmente testando os limites do que o público considera aceitável no gênero. Podemos citar duas características essenciais para isso:

– Tempo: suas obras não seguem o padrão de tempo determinado para as comédias. Seus filmes passam de duas horas de duração. O primeiro capítulo de “Love” tem 40 minutos. Esse tempo a mais vem de cenas consideradas “barrigas” em roteiro. São cenas que não progridem na história, não contém informações relevantes e poderiam ser cortadas. Mas são cenas engraçadas ou interessantes e ajudam a compor os personagens. Um exemplo são as cenas de Gus de “Love” compondo e tocando com seus amigos temas para filmes que não tem música-tema.

– Personagens: ele trabalha com os secundários e os transforma em principal. Aqueles personagens que são caricatos e servem de escada para os personagens principais nas comédia padrão são transformados em protagonistas. Em “Love”, isso se torna mais claro porque ele foi ainda mais longe; Gus é um nerd babaca, um egocêntrico patético que se considera superior aos outros. Mickey é uma alcoólatra, narcisista que usa as pessoas o tempo todo. É claro que a série não explora somente os defeitos deles. Inserindo as cenas “barrigas”, ele ajuda o público a se identificar e torcer por eles.

Como foi dito anteriormente, a Netflix aposta em pesquisas para criação de séries. Ela queria uma série do Apatow, porque eles sabem que o produto final será exatamente aquilo que a pesquisa apontou como um produto que vai agradar seus assinantes. Deu certo, “Love” tem a qualidade, formato e características esperadas.

Desde “House of Cards”, a empresa não se comprometia tanto com um projeto, assim como na série política, “Love” teve duas temporadas encomendadas de uma única vez. A primeira estreou em fevereiro e a segunda terá 12 episódios. A Netflix acerta e nós como público agradecemos.

 

Por Marcos Takeda, roteirista

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