Breno Silveira: o adeus prematuro de um craque das bilheterias

Por Maria do Rosario Caetano

Os deuses do cinema parecem não estar mesmo do lado da indústria do audiovisual brasileiro. Depois de levar o ator Paulo Gustavo, nosso recordista de bilheteria, aos 43 anos, eles põem termo à vida de Breno Silveira, diretor de fotografia dos mais experientes e cineasta de sucessos do tamanho de “Dois Filhos de Francisco” (5,6 milhões de espectadores) e “Gonzagão – De Pai pra Filho” (2,2 milhões). E de séries que foram para o “top 10” de maiores audiências, como “Dom”, sobre Pedro Machado Lomba Neto, filho louro da classe média carioca transformado, para desespero da família, em traficante de drogas.

Breno Silveira, neto de deputado progressista, integrante da descolada Conspiração, a produtora mais fashion do Rio de Janeiro, não tinha o charme de Andrucha Waddington, nem de José Henrique Fonseca, os badalados conspiradores. Só pensava em trabalho. Trabalhava, com diria Nelson Rodrigues, como remador de Ben-Hur. Por isso, morreu num set. Encontrava-se no interior de Pernambuco filmando “Dona Vitória”, seu sétimo longa-metragem. Mais uma história, como ele gostava, baseada na vida real. Fernanda Montenegro, sua protagonista, interpretaria idosa que desmontou quadrilha de traficantes, mancomunados com policiais, a partir de filmagens feitas da janela de seu apartamento, no bairro de Copacabana. Uma série de reportagens do jornal Extra, escrita por Fabio Gusmão, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo e virou livro. E o livro virou a base do roteiro que Breno estava transformando em filme. Em Pernambuco, ele filmava a infância de Vitória. No primeiro dia de filmagem, a morte o surpreendeu.

Breno começou sua carreira no cinema como diretor de fotografia. Trabalhou com Eduardo Coutinho e registrou as duras imagens do documentário “Boca de Lixo”, registradas em lixões da periferia carioca. Quem não conhece esse média-metragem, não sabe o que está perdendo. Fez videoclipes de grande beleza para nomes da MPB da época, como Marisa Monte (“Segue o Seco”), premiadíssimo.

Com o crescimento da Conspiração, a O2 (produtora de Fernando Meirelles) carioca, Breno começou a fotografar os filmes dos amigos e sócios. “Traição”, em 1998, “Gêmeas”, em 99, “Eu Tu Eles”, o maior sucesso de Andrucha Waddington, em 2000. Para Carla Camuratti, fotografou a chanchada histórico-carnavalizada “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995, marco da Retomada) e “La Serva Padrona”. Para Flavio Tambellini, “Bufo & Spallanzani”. Em 2003, assinou as imagens de “O Homem do Ano”.

Já era mais que chegada a hora de Breno Silveira tornar-se um diretor. E aí nasceu seu primeiro longa-metragem ficcional — “Dois Filhos de Francisco”, a história do pai da dupla Zezé de Camargo e Luciano. Os jornalistas assistiram ao filme numa fria madrugada no Festival de Gramado. O cinema estava abarrotado. A sessão acabou quase 3 da manhã e o público delirava. O filme estreou e estourou. Vendeu mais de cinco milhões de ingressos. O discreto sócio da Conspiração, produtora tão carioca e tão Zona Sul, encantava o Brasil com um filme sertanejo. Dali em diante, todo mundo queria que Breno contasse histórias de pais e filhos. Ou que biografasse grandes nomes da música brasileira. Até o arredio Roberto Carlos ficou motivado. Há anos, Breno preparava uma cinebiografia do complicado artista de Cachoeira do Itapemirim.

Duas biografias na base do “de pai para filho“ seriam realizadas por ele — a de Gonzagão e Gonzaguinha, que fez sucesso nos cinemas (mais de dois milhões de ingressos) e a de Dom, no streaming (ele deixou a segunda temporada pronta para a poderosa Amazon). Aliás, foi o pai do Pedro Dom, o policial ligado a aparelhos repressivos da ditadura, Luiz Victor Dantas Lomba, quem fez campana até obrigar Breno a aceitar a tarefa de contar sua tumultuada história com o filho que mergulhou no consumo de drogas, tráfico e banditismo.

Além dos filhos de Francisco e de Gonzagão e Gonzaguinha, Breno dirigiu uma história de Romeu e Julieta ambientada na favela (“Era Uma Vez…”, 2008), “À Beira do Caminho”, um road movie sobre menino que busca o pai e é levado por um caminhoneiro, e “Entre Irmãs”, um novelão, com pitadas de ‘nordestern’, que não deu muito certo.

Poucos filmes, convenhamos, para quem estreou de forma arrebatadora e sabia fazer cinema popular de qualidade. Por que? A resposta é muito simples. Breno Silveira não gostava de ficar parado. Tinha nas entranhas, como se diz no interior, bicho carpinteiro. Trabalhava no cinema, na TV, dirigia videoclipe, o que atraísse sua atenção. E o streaming viu nele um parceiro privilegiado. O seduziu. Mas ele não abandonou o cinema. Estava de volta, quando a indesejada das gentes o ceifou.

 

FILMES COM DIRETOR

2001 – Mar Sem Fim (doc. sobre Amyr Kink)
2005 – Dois Filhos de Francisco
2008 – Era Uma Vez…
2012- Gonzagão – De pai Pra Filho
2012 – À Beira do Caminho
2017 – Entre Irmãs
2022 – Dona Vitória (inacabado)

FILMES COMO DIRETOR DE FOTOGRAFIA

1987 – Dona Marta – Duas Semanas no Morro (Eduardo Coutinho)
1992 – Boca de Lixo (Eduardo Coutinho)
1995 – Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (Carla Camurati)
1988 – Traição (vários diretores)
1998 – La Serva Padrona (Carla Camurati)
1999 – Gêmeas (Andrucha Waddington)
2000 – Bufo & Spallanzani (Flavio Tambellini)
2000 – Eu Tu Eles (Andrucha Waddington)
2003 – O Homem do Ano (José Henrique Fonseca)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.