Festival do Rio “passa o rodo” na concorrência e seleciona nata da produção brasileira para sua edição 25

Foto: “Othelo, o Grande”, de Lucas H. Rossi

Por Maria do Rosário Caetano

Os festivais de cinema brasileiro que acontecerão até dezembro vão ter que se virar, caso queiram exibir filmes inéditos. É que o Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, que realiza sua vigésima-quinta edição de 5 a 15 de outubro, “passou o rodo”. Ou seja, selecionou a nata dos longas ficcionais e documentais brasileiros para sua poderosa Première Brasil.

Depois de anos de crise cultural, provocada pela gestão evangélico-carola do prefeito Marcelo Crivella, o festival carioca recuperou o fôlego com o festeiro Eduardo Paes, um alcaide empenhado em ver a capital fluminense em estado de euforia artística (e turística). Ano passado, ele ajudou a arrumar poderoso mecenas para o festival fluminense – a petroleira Shell.

Este ano, a empresa bisa seu patrocínio e o filet-mignon do cinema brasileiro foi convocado para as várias mostras competitivas do maior festival audiovisual do Rio de Janeiro e um dos maiores do país. Se o critério for quantidade de filmes 100% inéditos, nenhum outro – seja Gramado, Brasília ou a Mostra Internacional de São Paulo – lhe faz sombra.

A maior surpresa da seleção 2023 da badaladíssima Première Brasil se chama “Othelo, o Grande”. Trata-se de documentário de Lucas H. Rossi, produzido por Ailton Franco.

Por que dar tamanho relevo a este longa, se foram selecionadas dezenas de descoladas produções ficcionais, algumas respaldadas por festivais internacionais? Produções, registre-se, que escolheram como sua primeira tela brasileira, a carioca. E mais: há na disputa títulos comandados por nomes grifados (como Lírio Ferreira, Lúcia Murat e André Novais Oliveira).

A resposta é simples: o Festival do Rio será a vitrine privilegiada do primeiro longa documental realizado sobre um dos maiores talentos de nosso cinema, teatro e circo – o genial uberlandense Sebastião Prata, codinome Grande Othelo. E essa dívida o Brasil pagará a Lucas e Ailton. Eles pegaram o touro a unha, enfrentaram todas as dificuldades e chegaram a bom termo. Antes deles, muita gente tentou, mas tombou derrotada na arena.

Se o documentário estará à altura do imenso talento de seu personagem, só a participação de “Othelo, o Grande” na Première Brasil dirá. Enquanto aguardamos, vale percorrer as outras ofertas do imenso cardápio do Festival do Rio, evento internacional, mas que, no frigir dos ovos, orgulha-se de ser a grande (e mais ambiciosa) vitrine do cinema brasileiro. Suas sessões mais badaladas e concorridas são verde-amarelas. O Rio e o Nordeste, chovamos no molhado, abrigaram, historicamente, o público mais fiel do cinema brasileiro.

O comando do festival carioca, liderado por Ilda Santiago, conta que selecionou, para sua 25ª edição, “90 produções nacionais  (soma de longas e curtas-metragens)”, de forma a proporcionar aos espectadores, “um grande panorama de jovens e consagrados realizadores, com toda a diversidade e criatividade do cinema brasileiro”. Ou seja, o pluralismo dá as cartas. Não há preconceito contra gêneros, nem realizadores, sejam veteranos (caso de Lúcia Murat, de 74 anos e onze longas no currículo, por exemplo), ou jovens (André Novais, 39, Cristiane Oliveira, 44, e Luciana Bezerra, 47, com suas assinaturas em dois, três ou quatro longas).

O Festival do Rio recebeu 1.108 inscrições, sendo 790 de curtas e 318 de longas-metragens, vindos de cineastas e produtores de todas regiões do país, e prestou, também, atenção especial em filmes cuja produção é fruto de parceria entre Brasil e países estrangeiros (da Europa, América Latina etc.).

A Première Brasil apresentará, ao público, 90 produções em mostras competitivas (Competição Oficial – ficcional e documental, e Novos Rumos, esta para filmes mais experimentais). E para “passar o rodo”, com afã indomável, o comando do festival carioca apostou, mais uma vez, em seleções especiais — Hors Concours, Retratos e O Estado das Coisas. Ou seja, não tem pra ninguém. O cerco se dá por todos os lados e a busca foi muito bem-sucedida.

Tomemos um exemplo: o cineasta mineiro (da produtora Filmes de Plástico, de Contagem) André Novais Oliveira escolheu o Festival do Rio como primeira vitrine de seu terceiro longa. Na Mostra CineBH, que em sua décima-sétima edição contará, pela primeira vez, com competição latino-americana, o diretor de “O Dia que te Conheci” comparecerá como integrante do júri oficial. Não como concorrente.

“Sem Coração”, de Nara Normande e Tião

O time feminino fez, também e de maneira significativa, sua opção pelo festival carioca. Caso de Vera Egito, com “A Batalha da Rua Maria Antônia”, primeira ficção sobre o desentendimento político estudantil entre uspianos e mackenzianos ocorrido em 1968; de Cristiane Oliveira, com seu terceiro longa, “Até que a Música Pare”; Lillah Hala, com “Levante”; Carolina Markowicz, com “Pedágio”; Luciana Bezerra, com “A Festa de Léo” (parceria com Gustavo Melo), e Nara Normande (direção dividida com  Tião), com o pernambucano “Sem Coração”. Elas se somam a Lúcia Murat (“O Mensageiro”).

A presença feminina na competição ficcional do Festival do Rio é mesmo notável. Dos treze concorrentes, sete são dirigidos por mulheres (cinco solo; dois em parceria). Os homens assinam oito. Seis em caso de exclusividade – “On Off”, de Lírio Ferreira, “Ana”, de Marcus Faustini, “Estranho Caminho”, de Guto Parente, “As Polacas”, de João Jardim, “Cinco da Tarde, de Eduardo Nunes, e “O Dia que te Conheci”, de André Novais. E dois em parceria (“A Festa de Léo” e “Sem Coração”).

No campo dos documentários, além de “Othelo, o Grande”, a festa carioca vai ambientar a primeira sessão em solo brasileiro de “Nelson Pereira dos Santos – Uma Vida de Cinema”, de Ivelise Ferreira e Aída Marques (no segmento Retratos). E mais: perfis cinematográficos de nomes da importância do Buda Nagô (“Nas Ondas de Dorival Caymmi”, de Locca Faria, quarta incursão no universo do compositor baiano), “Peréio, Eu te Odeio”, projeto que ocupa Allan Sieber há mais de uma década (agora concluído em parceria com Tasso Dourado), e a trajetória do polêmico jornalista e empresário “Samuel Wainer”, de Dario Menezes. A estes filmes somar-se-ão “Rio da Dúvida”, de Joel Pizzini, “Aretha no Everest”, de Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohmann, “Dois Sertões”, de Caio Resende e Fabiana Leite, e “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, de Marise Farias, que passou pela seleção oficial do Festival de Gramado.

Na competição de longas documentais, os concorrentes do aguardado retrato de Grande Othelo são “Black Rio! Black Power!”, de Emílio Domingos, “Assexybilidade”, de Daniel Gonçalves, “Helô”, de Lula Buarque de Hollanda, “Línguas da Nossa Língua”, de Estevão Ciavatta, “O Coro do Te-Ato”, de Stella Oswaldo Cruz Penido, e “Utopia Tropical”, de João Amorim.

Mais sinais de prestígio da maratona carioca: sete longas-metragens terão sessões Hors Concours. Alguns deles, 100% inéditos. Caso de “A Paixão Segundo G.H.”, incursão de Luiz Fernando Carvalho no universo de Clarice Lispector, “O Diabo na Rua no Meio do Redemunho”, incursão de Bia Lessa no universo de Guimarães Rosa, e de “Leme do Destino”, de Julio Bressane. “A Flor do Buriti”, de Renée Messora e João Salaviza, que participou de Cannes, terá sua première brasileira na terra da Bossa Nova. Mesmo caso de “Meu Nome é Gal”, de Dandara Ferreira e Lô Politi,  e “Meu Sangue Ferve por Você”, de Paulo Machline. “Mussum, o Filmis”, de Sílvio Guindane, vencedor do Festival de Gramado, fará sua pré-estreia carioca.

Outras demonstrações do prestígio do Festival do Rio saltam aos olhos. Vale destacar uma delas: o cineasta belga Jean Pierre Dutilleux, que venceu Gramado em 1979 com “Raoni”, parceria com Luiz Carlos Saldanha, vai realizar a avant-première de seu novo filme – “Raoni, uma Amizade Improvável” na mostra paralela Itinerários Únicos.

Abaixo, as imensas listas de filmes que compõem as mostras competitivas e informativas e são apregoados como Première Mundial. Preserva-se aqui, formalmente, a designação “première mundial” junto com “premiére nacional” (nesse caso para filmes que foram exibidos em festivais internacionais). Mesmo que a expressão “première mundial” induza o leitor a pensar que os filmes foram priorizados por seus responsáveis, em detrimento de festivais como Cannes, Veneza ou Berlim. Como sabemos, não foram. Nossos filmes têm enfrentado grandes dificuldades para disputar a Palma de Ouro, o Leão e o Urso. Salvo raras exceções, nossas produções têm sido selecionadas para “outras mostras” nos grandes festivais mundiais.

PREMIÈRE BRASIL 2023:

Competição Longas de Ficção

• A Festa de Léo, de Luciana Bezerra e Gustavo Melo (RJ) – Première Mundial
• A Batalha da Rua Maria Antônia, de Vera Egito (SP) – Première Mundial
• Até que a Música Pare, de Cristiane Oliveira (RS) – Première Mundial
• Levante, de Lillah Halla (SP) – Première Nacional
• O Dia que te Conheci, de André Novais Oliveira (MG) – Première Mundial
• O Mensageiro, de Lúcia Murat (RJ) – Première Mundial
• On Off, de Lírio Ferreira (RJ) – Première Mundial
• Pedágio, de Carolina Markowicz (SP) – Première Nacional
• Sem Coração, de Nara Normande e Tião (PE) – Première Nacional
• Ana, de Marcus Faustini (RJ) – Première Mundial
• Estranho Caminho, de Guto Parente (CE)
• As Polacas, de João Jardim (RJ) – Première Mundial
• Cinco da Tarde, de Eduardo Nunes (RJ) – Première Mundial

Competição Longas Documentários

• Othelo, o Grande, de Lucas H. Rossi dos Santos (RJ) – Première Mundial
• Black Rio! Black Power!, de Emílio Domingos (RJ) – Première Mundial
• O Coro do Te-Ato, de Stella Oswaldo Cruz Penido (RJ) – Première Mundial
• Assexybilidade, de Daniel Gonçalves (RJ) – Première Nacional
• Helô, de Lula Buarque de Hollanda (RJ) – Première Mundial
• Línguas da Nossa Língua, de Estevão Ciavatta (RJ) – Première Mundial
• Utopia Tropical, de João Amorim (DF) – Première Mundial

Hors Concours

• A Paixão Segundo G.H., de Luiz Fernando Carvalho (RJ) – Première Mundial
• O Diabo na Rua no Meio do Redemunho , de Bia Lessa (RJ) – Première Mundial
• Leme do Destino, de Julio Bressane (RJ) – Première Mundial
• A Flor do Buriti, de João Salaviza e Renée Nader Messora (Brasil/Portugal)
• Meu Nome é Gal, de Dandara Ferreira e Lô Politi (SP) – Première Mundial
• Meu Sangue Ferve por Você, de Paulo Machline (SP) – Première Mundial
• Mussum, o Filmis, de Sílvio Guindane (RJ)

Competição Curtas

• A Lama da Mãe Morta, de Camilo Pellegrini (RJ)
• Bença, de Mano Cappu (PR)
• Cabana, de Adriana de Faria (PA)
• Cassandra, de Paula Granato (SP/DF)
• Deixa, de Mariana Jaspe (RJ)
• Diamantes de Acayaca, de Francisco Nora Franco e Fernanda Roque (MG)
• Engole o Choro, de Fábio Rodrigo (SP)
• Mergulho, de Marton Olympio e Anderson Jesus (RJ)
• Nina e o Abismo, de Alice Name-Bomtempo (SP)
• Onde a Floresta Acaba, de Otavio Cury (SP)
• Pássaro Memória, de Leonardo Martinelli (RJ)
• Pequenas Insurreições, de William de Oliveira (PR)
• Quarto de Hotel, de Marcelo Grabowsky e Mauro Pinheiro Jr. (RJ)
• Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando, de Aida Harika Yanomami, Roseane Yariana Yanomami e Edmar Tokorino Yanomami (SP)
• Tudo o que Cresce e Voa, de Maria Fanchin (SP)
• Vão das Almas, de Edileuza Penha e Santiago Dellape (DF)

Première Brasil – Competição Novos Rumos

• Atmosfera, de Paulo Caldas (SP) – Première Mundial
• Bizarros Peixes das Fossas Abissais, de Marão (RJ) – Première Nacional
• Eu sou Maria, de Clara Linhart (RJ) – Première Mundial
• Iracemas, de Tuca Siqueira (PE) – Première Mundial
• Nada Será Como Antes, de Ana Rieper (RJ) – Première Mundial
• Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges (BA) – Première Mundial
• Termodielétrico, de Ana Costa Ribeiro, 72’ (RJ) – Première Mundial
• Tudo que Você Podia Ser, de Ricardo Alves Jr (MG) – Première Mundial

Competição Novos Rumos (Curtas)

• A Alma das Coisas, de Douglas Soares e Felipe Herzog (RJ)
• As Miçangas, de Rafaela Camelo e Emanuel Lavor (DF)
• Castanho, de Adanilo (AM)
• Dependências, de Luísa Arraes (RJ)
• Erva de Gato, de Novíssimo Edgar (SP)
• Jaguanum, de Samuel Lobo (RJ)
• Queime este Corpo, de Denis Cisma e Mauricio Bouzon (SP)
• Se Precisar de Algo, de Mariana Cobra (SP)

Premiere Brasil Retratos (longas)

• Samuel Wainer, de Dario Menezes (RJ) – Première Mundial
• Nelson Pereira dos Santos – Uma Vida de Cinema, de Ivelise Ferreira e Aída Marques (RJ) – Première Nacional
• Peréio, Eu te Odeio, de Tasso Dourado e Allan Sieber (RJ) – Première Mundial
• Nas Ondas de Dorival Caymmi, de Locca Faria (RJ) – Première Mundial
• Rio da Dúvida, de Joel Pizzini (RJ) – Première Nacional
• Aretha no Everest, de Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohmann (RJ) – Première Mundial
• Dois Sertões, de Caio Resende e Fabiana Leite (BA) – Première Mundial
• Roberto Farias – Memórias de um Cineasta, de Marise Farias (RJ)

Curtas Retratos

• Macaléia, de Rejane Zilles (RJ)
• Teatro de Máscaras, de Eduardo Ades (RJ)
• A Edição do Nordeste, de Pedro Fiuza (RN)
• Arruma um Pessoal pra Gente Botar uma Macumba num Disco, de Chico Serra (RJ)
• Celebrazione, de Luís Carlos Lacerda (RJ)

Brasil O Estado das Coisas (longas)

• Corpos Invisíveis, de Quézia Lopes (RJ) – Première Mundial
• Aqui en la Frontera, de Marcela Ulhoa e Daniel Tancredi (RR)
• Bye, Bye Amazônia, de Neville de Almeida (RJ)
• Incompatível com a Vida, de Eliza Capai (RJ)
• Rapacidade, de Julia de Simone e Ricardo Pretti (RJ)
• Rejeito, de Pedro de Filippis (SP)
• Toda Noite Estarei Lá, de Tati Franklin e Suellen Vasconcelos (ES)

Curtas O Estado das Coisas

• Quarta-Feira, de Bárbara Santos e João Pedro Prado (Brasil/Alemanha)
• Camorim, de Renan Barbosa Brandão (RJ)
• Por Favor Leiam Para Que Eu Descanse Em Paz, de Anna Costa e Silva e Nanda Félix (RJ)
• Yãmî Yah-Pá – Fim da Noite, de Vladimir Seixas (RJ)

Exibição Especial de Curtas

• Aquela Mulher, de Cristina Lago e Marina Erlanger (RJ)
• Ficção Suburbana, de Rossandra Leone (RJ)
• Helena de Guaratiba, de Karen Black (RJ)
• Noturna, de Gabriela Poester (RJ)
• O Chá de Alice, de Simone Spoladore (RJ)

Sessões Especiais

• Fala, Tu, de Guilherme Coelho (aniversário 20 anos)
• Quantos Dias Quantas Noites, de Cacau Rhoden

Itinerários Únicos

• Raoni, uma Amizade Improvável, de Jean-Pierre Dutilleux (RJ) – Première Mundia
• EGILI – Rainha Retinta no Carnaval, de Caroline Reucker (RJ) – Première Mundial
• Mulheres Radicais, de Isabel Nascimento Silva (RJ) – Première Mundial

Coproduções com o Brasil

• Los Delincuentes, de Rodrigo Moreno (Brasil/Argentina/Luxemburgo/Chile)
• Los de Abajo (Os de Baixo), de Alejandro Quiroga Guerra (Brasil/Argentina/Bolívia/Colômbia)
• Posto Avançado, de Edoardo Morabito (Brasil/Itália)
• Puan, de Benjamín Naishtat e María Alché (Brasil/ Argentina/França/Itália/Alemanha)
• Scab Vendor: The Life and Times of Jonathan Shaw, de Mariana Thomé, Lucas de Barros (Brasil/EUA)
• Somos Guardiões, de Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman (Brasil/EUA)
• The Ballad of a Hustler (Sem Pátria), de Heitor Dhalia (Brasil/EUA)
• The Human Surge 3 (O Auge do Humano 3), de Eduardo “Teddy” Williams (Brasil /Taiwan/Argentina/Portugal/Holanda/Peru/Hong Kong/Sri Lanka)
• Nas Pegadas de Mengele, de Alejandro Venturini e Tomás de Leone (Brasil/Argentina)

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