Identitarismo dá o tom à maioria dos seis longas brasileiros que disputam vaga no Oscar
Foto: “Pedágio”, de Carolina Markowicz
Por Maria do Rosário Caetano
Nessa terça-feira, a Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais (ABCAV) divulga o título que disputará com mais de 150 países uma das cinco vagas de candidatos a melhor longa internacional.
Quem se apresenta como o favorito entre os seis pré-finalistas brasileiros selecionados por comissão formada com 23 membros (entre eles os cineasta Walter Lima Jr e Cecília Amado, a atriz Virgínia Cavendish, o diretor de fotografia Afonso Beatto e o crítico Carlos Alberto Mattos)?
Antes de arriscar qualquer consideração sobre esta verdadeira loteria cinematográfica, vale lembrar que a primeira peneira, a que trabalhou com 28 candidatos, deixou de fora títulos de imensas qualidades como “Elis & Tom – Só Tinha de Ser com Você”, de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay, e “Tia Virgínia”, de Fábio Meira.
O que teria motivado a exclusão desses filmes?
O fato de tratarem de artistas brancos (ligados à Bossa Nova, no caso do documentário) e as três irmãs também brancas (caso da ficção protagonizada por Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso)?
Dos seis selecionados, só um – o pernambucano “Retratos Fantasmas”, documentário de Kleber Mendonça – não defende pautas identitárias (em sentido amplo ou restrito).
Os outros cinco, em maior ou menor grau, abordam questões ligadas aos direitos dos afro-brasileiros, indígenas ou homoafetivos. E têm protagonistas que fogem de nossa hegemonia histórico-cinematográfica (a dos brasileiros brancos). Alguns colocam, também, ênfase na cultura afro-brasileira (caso do carioca “Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha”, de Eduardo Albergaria, e do paulista “Urubus”, de Claúdio Borelli).
Há quem veja a escolha de “Retratos Fantasmas” como a mais provável, pois além de suas grandes qualidades, seu diretor desfrutaria (com a decisão) de reparação pela injustiça cometida na breve Era Michel Temer, quando o favoritíssimo “Aquarius”, com Sonia Braga, acabou excluído por explícitas razões políticas. Kleber e sua equipe haviam usado o tapete vermelho do Festival de Cannes para protestar contra o impeachment de Dilma Roussef. Em seu lugar foi escolhido o melodramático “Pequeno Segredo”, de David Schürmann.
Kleber, que fora indicado pelo Brasil com seu primeiro longa ficcional, “O Som ao Redor” (2006), disputaria mais uma vez a vaga de representante brasileiro com “Bacurau”, parceria com Juliano Dornelles. Mas a comissão da Academia optou, dois anos atrás, por “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz. Os dois tinham sido premiados em Cannes. E disputaram a indicação em iguais condições.
Contra “Retratos Fantasmas”, o quinto longa-metragem de Kleber Mendonça – sejamos realistas – pesam duas marcas extra-filme: o gênero documentário (só o macedônio “Honeyland” chegou entre os cinco finalistas, mas perdeu para o ficcional “Parasita”) e o fato de ser dirigido por um homem branco. Registre-se, porém, que não há cineastas pretos na competição desse ano.
O vencedor seria o surpreendente “Noites Alienígenas”, filme-ovni vindo do Acre, pequeno estado amazônico?
Seu diretor, Sérgio Carvalho reflete, em sua vigorosa trama, sobre o impacto da violência urbana sobre jovens negros e indígenas, envolvidos com o comércio (ou consumo) de drogas, comandado por aliciantes facções organizadas.
Ou o indicado será “Pedágio”, de Carolina Markowicz, único nome feminino na direção, cujo roteiro tematiza a questão da “cura gay” por pregador religioso?
Ou “Estranho Caminho”, protagonizado por Lucas Limeira e Carlos Francisco, este do elenco do indicado do ano passado, o black movie “Marte Um”?
Oriundo do Coletivo Alumbramento, do Ceará, o diretor Guto Parente mostra um cineasta que regressa à sua cidade natal e é surpreendido pelo rápido avanço da pandemia. Ele deseja encontrar o pai, de quem está afastado há dez anos. Como Parente gosta de inseminar seus filmes com ingredientes do cinema fantástico (ou de horror), depois do encontro, coisas estranhas começam a acontecer.
Será que a comissão selecionadora vai optar pela saga dos funkeiros Claudinho & Buchecha, em filme que desenha o sonho dessa dupla, desfeito com a morte prematura de um de seus integrantes (Claudinho), justo no momento em que desfrutava de imenso sucesso popular?
Ou por “Urubus”, com seus personagens vindos da periferia paulistana, atuantes no hip hop e combatentes da luta grafiteira?
Os protagonistas do filme de Borelli invadem o espaço oficial (e hegemônico) da poderosa Bienal de São Paulo, criada pela elite branco-europeia, tão bem representada por Cicilo Matarazzo.
No campo da receptividade dos filmes pelo público, só três títulos têm bons (ou maus) resultados a apresentar, pois foram lançados no circuito comercial. O mais bem-sucedido de todos é “Retratos Fantasmas”, que caminha rumo aos 50 mil espectadores. “Noites Alienígenas” se aproximou dos 5 mil ingressos, enquanto “Urubus” não passou de dois mil.
Três dos seis finalistas ainda não tiveram lançamento comercial. Caso de “Nosso Sonho – Claudinho & Buchecha”, “Pedágio”, protagonizado Maeve Jinkings e Kawan Alvarenga, e “Estranho Caminho”, de Guto Parente.
Se um destes for escolhido, terá que ser lançado o mais breve possível, pois a regra da Academia de Hollywood se refere a filmes lançados no ano anterior à entrega do prêmio. A cerimônia do Oscar de número 96 está prevista para 10 de março de 2024, no Dolby Theater, em Los Angeles.
Por enquanto, polêmicas em torno das duas listas (a de 28 títulos e a reduzida a seis) de finalistas brasileiros ao Oscar se deram em mínimas proporções.
O grupo +Mulheres, que reúne cineastas (como Tata Amaral e Laís Bodanzky) e produtoras (como Débora Ivanov), chegou a esboçar – segundo registro da colunista Monica Bergamo (Folha de S. Paulo) – documento no qual denunciariam a pequena participação de realizadoras na lista dos 28 candidatos. O placar inicial mostrou 22 filmes dirigidos por homens e apenas seis por mulheres. Caso o documento fosse endereçado à Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais, o +Mulheres estaria batendo em porta errada. Afinal, a instituição não fechou nenhum acesso ao cinema feminino. Inscreveu-se quem quis. Todos os filmes que se apresentaram foram analisados pela Comissão de Seleção.
Outro protesto discreto, restrito às redes sociais, veio da produtora Vânia Catani. Ela ficou desapontada com a exclusão de “Medusa”, de Anita Rocha da Silveira, que sua empresa, a Bananeira Filmes, produziu.
Confira os escolhidos:
. “Noites Alienígenas”, de Sérgio Carvalho
. “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça
. “Nosso Sonho (Claudinho & Buchecha)”, de Eduardo Albergaria
. “Pedágio”, de Carolina Markowicz
. “Estranho Caminho”, de Guto Parente
. “Urubus”, de Cláudio Borelli
Os outros 22 inscritos:
. “Elis & Tom: Só Tinha que Ser com Você”, de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay
. “Tia Virgínia”, de Fábio Meira
. “Sinfonia de um Homem Comum”, de José Joffily
. “Medusa”, de Anita Rocha da Silveira
. “Regra 34”, de Júlia Murat
. “O Rio do Desejo”, de Sérgio Machado
. “O Homem Cordial”, de Iberê Carvalho
. “A Primeira Morte de Joana”, de Christiane Oliveira
. “Mais Pesado é o Céu”, de Petrus Cariry
. “Ângela”, de Hugo Prata
. “Jair Rodrigues – Deixe Que Falem”, de Rubens Rewald
. “Segundo Tempo”, de Rubens Rewald
. “Chef Jack, o Cozinheiro Aventureiro”, de Guilherme Fiúza Zenha
. “Perlimps”, de Alê Abreu
. “Perdida”, de Luiza Tubaldini
. “Raquel 1:1”, de Mariane Bastos
. “O Faixa Preta – A Verdadeira História de Fernando Tererê”, de Caco Souza
. “Ninguém é de Ninguém”, de Wagner Assis
. “Mestre da Fumaça”, de André Sigwalt e Augusto Soares
. “ O Alecrim e o Sonho”, de Valério Fonseca
. “O Espaço Infinito”, de Léo Bello
. “Tração”, de André Luís