Alice Carvalho, atriz de “Cangaço Novo”, mostra “Navio” no Festival de Gostoso e retoma gravações de “Renascer”

Foto: Alice Carvalho com a estreante Ana Eloísa

Por Maria do Rosário Caetano, de São Miguel do Gostoso-RN

A atriz potiguar Alice Carvalho passou pela Mostra de Cinema de Gostoso como um foguete. Depois de estourar na série “Cangaço Novo” (Amazon Prime), na pele da furiosa Dinorah Vaqueiro, e participar das gravações de “Guerreiros do Sol”, ela emendou um terceiro trabalho – o remake da novela “Renascer”. Ambas na Rede Globo.

Aos 27 anos, a elétrica Alice regressou ao seu Estado natal para apresentar (com as colegas Larinha Dantas e Vitória Real) o curta-metragem “Navio”, sua estreia no formato. As três se uniram para contar a história de uma catadora de resíduos urbanos, Dandara (Alessandra Augusta), que vaga pela periferia de sua cidade “puxando” pesada carroça. Ao encontrar-se com Exu Mirim (Tito Mariano), ela mergulhará fundo em suas memórias ancestrais.

Por causa de sua pesada agenda nas gravações da novela “Renascer”, Alice só pôde apresentar “Navio” no palco do cinema ao ar livre da Praia do Maceió, e participar rapidamente de reduzido trecho do debate, realizado no dia seguinte. Um carro a esperava para levá-la a Natal, onde embarcaria direto para o Rio de Janeiro e estúdios da Rede Globo. Em “Renascer”, ela interpreta Joaninha, par de Tião Galinha (Irandhir Santos). Na novela original, os papéis foram desempenhados por Tereza Seiblitz e Osmar Prado.

Brincalhona e muito articulada, Alice Carvalho provocou: “me vendi ao capital” (“me aluguei”, ponderou um admirador), para justificar: “trata-se de telenovela muito instigante, assim como minha personagem”. E mais, “estarei ‘duplando’ com um grande ator, o Irandhir Santos”.

A atriz, que na verdade joga o jogo em múltiplas funções (cantora, sanfoneira, roteirista, artista visual e diretora de web-série, videoclipes e, agora, curta-metragem), lembrou sua parceria com o BaianaSystem, grupo de samba-reggae-afoxé-ijexá comandado por Russo Passapusso, de presença marcante em “Navio”.

A banda baiana participa da agitada trilha sonora do primeiro curta da trinca potiguar. “Fiz vários videoclipes, ou performances, para trabalhos deles como ‘Sul-Americano Show’ e ‘O Futuro Não Demora’”, lembrou a atriz-diretora.

A parceria ampliou-se nessa ficção de 11 minutos, fruto de hibridismo de linguagens e filiada à vertente do afro-futurismo. Alice escreveu o roteiro com Vitória Real e encontrou na empresa Caboré, de Natal, a produtora ideal.

A atriz-protagonista (Alessandra Augusta) veio do mais importante grupo teatral do Rio Grande do Norte, o Carmim, responsável por seminal montagem de “A Invenção do Nordeste”.

A roteirista-diretora de “Navio” fez questão de lembrar que o diálogo com Paparusso a fez notar que somos jogados numa “relação  muito linear e ocidental com o tempo”. Ela e as colegas de direção buscaram, então, “outra relação com o tempo”, mergulhando no afro-futurismo.

Alice tem muitos planos para o audiovisual e não apenas como atriz. Tanto que vem amadurecendo dois projetos de longa-metragem, um documental e um ficcional. Ela, que acompanhou a trajetória do Grupo Carmim e viu “A Invenção do Nordeste” muitas vezes, pensa em adquirir os direitos de adaptação de outra peça do grupo,  “Pobre de Marré”. E transformá-la em filme.

A atriz, que radicou-se no Rio de Janeiro, garante que continua (e continuará) profundamente ligada ao seu Rio Grande do Norte. Nascida em Parnamirim, na Grande Natal (sede de base aérea das Forças Armadas), ela se formou em Artes Visuais na UFRN. ‘Se virou nos 30’ até chegar ao papel de Dinorah Vaqueiro em “Cangaço Novo”. E dali saltar para dois trabalhos sequenciados na Globo: a mini-novela “Guerreiros do Sol”, ‘nordestern’ de George Moura e Sergio Goldenberg (45 capítulos), e telenovela de horário nobre (“Renascer”). Tudo ao mesmo tempo agora.

E não se pode esquecer que paira no ar a possibilidade de uma segunda temporada de “Cangaço Novo”, que Aly Muritiba e Flávio Mendonça transformaram em grande sucesso nacional, com boa repercussão internacional. “Estamos aguardando que venha a segunda temporada”.

A terceira noite da décima edição da Mostra de Cinema de Gostoso contou com mais um curta-metragem potiguar – “A Edição do Nordeste”.

O documentário de Pedro Fiúza tem suas origens em tese de doutorado (transformada em livro) de Durval Muniz Albuquerque, intitulada “A Invenção do Nordeste”. O livro, por sua vez, inspirou a montagem teatral do grupo Carmim, que excursionou por diversos estados brasileiros. Fiúza, que tem sua história artística ligada ao grupo e ao espetáculo teatral, lembra, orgulhoso, que “A Invenção do Brasil” foi a única montagem fora do eixo Rio-São Paulo-Paraná a conquistar o Prêmio Shell na categoria principal.

O curta potiguar não recria, de forma direta, o livro, nem a peça. Mas os tem como fontes de inspiração. A partir de quatro frases – “O Nordeste é criado/O Nordeste é oficializado/O Nordeste é inventado/ O Nordeste é editado”, Fiuza e seu montador, Aristeu Araújo, somaram horas e horas numa espécie de rascunho do futuro curta-metragem, formado com trechos de 28 filmes brasileiros, incluindo vários ‘Nordestern’. E alguns documentários (caso do “Lampeão”, de Benjamin Abrahão, “Maioria Absoluta”, de Leon Hirszman, “Memórias do Cangaço”, de Paulo Gil Soares, “O Mestre de Apipucos”, de Joaquim Pedro, e “Teodorico, o Imperador do Sertão”, de Eduardo Coutinho).

Depois de muito trabalho, o material foi condensado em apenas 20 minutos. Mas Fiúza não esconde o desejo de transformar seu projeto em longa-metragem documental. Aí, quem sabe, somado a trechos de “A Invenção do Nordeste”, peça teatral de imensa ressonância artística e social.

E o que dizem a tese-livro de Durval Muniz Albuquerque (1994), a peça do Grupo Carmim e, agora, “A Edição do Brasil”?

Que o Nordeste foi criado pelo DNOCS-Sudene, foi institucionalizado pelo Governo e inventado pela arte, que reforçou no imaginário nacional o retrato de uma região atrasada e pobre, rústica e assolada por cangaceiros e pela seca, exportadora de flagelados.

Fiúza e Aristeu realizaram “A Edição do Nordeste” a partir de “lista de filmes que Durval Muniz citou em sua tese de doutorado, de quase mil páginas, resumida em livro bem mais sintético (300 páginas)”. Teve, pois, o cinema como sua fonte e matéria-prima. E tome trechos de filmes de cangaceiros, de obras de Lima Barreto, Carlos Coimbra e Anselmo Duarte, até “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, passando pela comédia ingênua “O Lamparina”, com Mazzaropi.

Outros filmes, como “O Canto do Mar”, de Alberto Cavalcanti, “Vidas Secas”, de Nelson Pereira, “Menino de Engenho”, de Walter Lima Jr, e “Boi de Prata”, de Augusto Ribeiro Jr., também são evocados no curta documental.

Num dos momentos mais curiosos de “A Edição do Brasil”, o ‘Lampeão’ verdadeiro documentado, em 1936,  pelo mascate, fotógrafo e cineasta libanês Benjamin Abrahão “fala”.  Por que que sua “fala” vem aspeada?

Porque o que chegou até nós nunca trouxe a voz de Lampião, Maria Bonita e integrantes de seu bando. O documento fílmico é mudo.

Houve leitura labial do discurso do Virgulino Ferreira real, impresso no nitrato?

“Não” – explicou Pedro Fiúza – “nós apenas deslocamos fala do Lampião (interpretado por Leonardo Vilar, em “Lampião, o Rei do Cangaço”, Carlos Coimbra, 1963) para a boca do ‘Lampeão’ de Benjamin Abrahão. Liberdades permitidas pelo cinema.

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