Festivais que disputam filmes inéditos têm opções que vão de “Cidade; Campo” e “Betânia” ao “Melhor Amigo” e “Viveiro de Vozes”

Foto: “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas © Alice Drummond

Por Maria do Rosário Caetano

Os festivais brasileiros que apostam em filmes 100% inéditos terão boa quantidade de títulos disponíveis para a atual temporada.

Os principais deles – É Tudo Verdade (só de documentários), Olhar de Cinema, de Curitiba, Gramado, Festival do Rio, Mostra de São Paulo e Festival de Brasília (estes dedicados à ficção, mas também a documentários e animações) – dispõem de títulos que fizeram sua estreia em eventos internacionais e de outros que aqui terão sua avant-première.

O Olhar de Cinema e o Festival de Brasília dão preferência a filmes mais alternativos. Já Gramado, Festival do Rio e a Mostra SP somam produções de empenho artístico-cultural, mas abertas ao diálogo com o público.

Na segunda quinzena de março, o Festival Internacional de Documentários de São Paulo (o É Tudo Verdade) divulgará sua lista de selecionados 100% inéditos para a competição nacional. O evento acontecerá de quatro a 14 de abril. Em maio, Curitiba apresentará sua lista de filmes. Em junho (de 12 a 20), realizará sua décima-terceira edição.

Em agosto (nove a 17) será a vez do Festival de Cinema de Gramado mostrar sua seleção, pautada pelo ecletismo, que soma filmes mais autorais (como “Noites Alienígenas”, vencedor de 2022), e outros, mais comerciais (caso de “Mussum, o Filmis”, o escolhido de 2023).

Tudo leva a crer que o cearense Allan Deberton, que conquistou oito Kikitos em Gramado 2019 (com “Pacarrete”, eleito o melhor filme, Marcélia Cartaxo a melhor atriz etc.), esteja guardando seu novíssimo “O Melhor Amigo” para a competição gaúcha.

Outro cineasta que tem ótima relação com Gramado é Aly Muritiba. Além de ter vencido a competição principal com “Ferrugem” (2018), ele ganhou o Kikito de melhor direção com “Jesus Kid” (2021) e viveu noite de consagração com a avant-première de “Cangaço Novo”, série que dirigiu com Fábio Mendonça, ano passado. A coletiva gramadense da série mobilizou dezenas de jornalistas e espectadores.

O baiano Muritiba está finalizando “Barba Ensopada de Sangue”, baseado em livro do gaúcho Daniel Galera e protagonizado por Gabriel Leone, ator “da hora”. Além do sucesso obtido com a série “Dom”, o rapaz (de 30 anos) acaba de estrear nos cinemas em produção milionária (US$ 100 milhões) de Michael Mann, “Ferrari”, no qual interpreta o piloto-galã Alfonso de Portago. E, ainda esse ano, o veremos em série da Netflix (“Senna”, direção de Vicente Amorim), na qual interpreta o automobilista paulistano Ayrton Senna (1960-1994).

O gaúcho Jorge Furtado acaba de dirigir, com Yasmin Thayná, o longa “Virgínia e Adelaide”. Trata-se da descoberta de duas mulheres dedicadas à Psicanálise – a judia Adelaide Koch (Sophie Charlotte), que cuida da formação de Virgínia Leone Bicudo (Gabriela Corrêa), jovem afro-brasileira.

O cineasta contou à Revista de CINEMA que estas duas mulheres viveram em São Paulo, na década de 1930, e “enfrentaram todos os preconceitos” até tornarem-se nomes pioneiros em prática (a Psicanálise) recém-chegada ao Brasil.

A formação de Virgínia foi feita por Adelaide, psicanalista alemã, judia, que chegou ao Brasil fugindo da perseguição nazista. O encontro delas “se deu em novembro de 1937, no exato instante em que Getúlio flertava com o fascismo e instituía o Estado Novo.

Se depender do portalegrense Jorge Furtado, dificilmente “Virgínia e Adelaide” participará de mostras competitivas. Mas dessa vez ele poderá abrir a guarda, pois realiza o filme em parceria com a jovem Yasmin Thayná, autora de curtas e séries, mas estreante no longa-metragem. Resta saber qual festival será escolhido pela dupla.

Outros títulos que podem escolher a badalada vitrine de Gramado, por terem o diálogo com o público como força motora, são “Vitória”, de Andrucha Waddington, “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, de Marcos Jorge, e “Dona Lurdes, o Filme”, de Manuela Dias e Cristiano Marques.

Os filmes do carioca Andrucha Waddington e do paranaense Marcos Jorge já têm data de lançamento agendada. O primeiro, dia 15 de agosto; o segundo, dia 22. Ambos, portanto, poderão participar da competição gramadense ou se colocar em exibição hors concours.

“Vitória” tem Fernanda Montenegro como protagonista. Ela dá vida a moradora do Rio de Janeiro, Dona Vitória da Paz, de 80 anos, que gravou a rotina de traficantes de drogas (em conluio com PMs) da janela de seu apartamento, em Copacabana, e encaminhou o material à Justiça.

A história real, razão de ser do filme, aconteceu em 2005. A cidadã que produziu a documentação teve que viver sob tutela do programa de “Proteção à Testemunha”, portanto, sob identidade falsa e em outro estado da Federação (trocou o Rio pela Bahia, saberíamos depois de sua morte).

A sequência do badalado “Estômago” (filme paranaense, protagonizado por João Miguel e Fabíula Nascimento, que vendeu quase 100 mil ingressos) está quase pronta. Dessa vez, troca-se a culinária praticada em restaurante (caso do filme original) pelo ambiente carcerário, onde o protagonista continua praticando seu ofício e conquistando fãs pelo estômago.

Já “Lurdes” retrabalha o universo da “Mãe Coragem” interpretada pela agora septuagenária Regina Casé na telenovela “Amor de Mãe”, exibida (com interrupção, provocada pela pandemia) pela TV Globo. Com Regina estarão muitos personagens (e atores) da versão televisiva, caso de Chay Suede, Jéssica Ellen, Thiago Martins e Nanda Costa.

O gaúcho Paulo Nascimento, que sempre priorizou Gramado como primeira vitrine de seus filmes, parece ter desistido dos festivais. Tanto que seu novo longa – “Ainda Somos os Mesmos” – tem lançamento previsto para 26 de junho.

E Anna Muylaert? Que festival escolherá para a estreia de “Clube das Mulheres de Negócio”? A relação da diretora com Gramado é feita de bons e maus momentos. Bons, quando ela triunfou na Serra Gaúcha com “Durval Discos”. Maus, quando “Que Horas Ela Volta?”, selecionado para a competição oficial pelo Kikito, foi excluído por “razão regulamentar” – o filme teria pré-estreia paulistana, em noite badalada, um dia antes de passar pelo Palácio dos Festivais gramadense.

Dois filmes exibidos no recém-concluído Festival de Berlim – “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas, e “Betânia”, de Marcelo Botta, têm cacife para escolher sua vitrine preferencial no circuito de festivais brasileiros: se a curitibana do Olhar de Cinema, se a gaúcha do Festival de Gramado. Ou se aguardarão a dobradinha de outubro – o Festival do Rio e Mostra de São Paulo.

“Cidade; Campo”, prêmio de melhor direção na mostra Encounters/Berlim – com Fernanda Vianna, do grupo Galpão (mulher que abandona o interior rumo à cidade) e Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer (o casal homoafetivo faz o percurso oposto, deixa a cidade rumo ao campo) – será disputadíssimo.

Afinal, Juliana Rojas é autora (ou coautora) de filmes de grande qualidade e originalidade, como “Trabalhar Cansa” (parceria com Marco Dutra) e “Sinfonia da Necrópole”, soma de terror-humor das mais inteligentes. Este filme serviu de vitrine de projeção à talentosíssima Luciana Paes.

O longa do realizador paulista Marcelo Botta se passa nos Lençóis Maranhenses, espaço de imensa beleza e poder de atração turística, embora pouco explorada pelo cinema brasileiro. Dá para contar nos dedos os filmes ambientados no mais badalado cartão postal do Maranhão: “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington (com as Fernandas Montenegro e Torres) e o belo curta “Sanã”, de Marcos Pimentel (produzido por Frederico Machado).

Um terceiro filme brasileiro, com estreia prevista em festival internacional – o de Documentários de Copenhague, na Dinamarca – é “Eros”, da britânico-brasileira Rachel Dayse Ellis. Neste longa documental, a realizadora convida pessoas que frequentam motéis a se filmarem durante uma noite e compartilhar seus vídeos, de forma que eles façam parte do filme.

O cineasta Evaldo Mocarzel tem dois longas em processo de montagem e finalização. Um é o documentário “Sérgio Mamberti”, sobre o ator santista, dono de trabalhos notáveis no teatro, cinema e TV. Outro é um longa experimental – ou “experencial” como preferem definir Evaldo e seu parceiro no projeto, André Goldfeder.

A “experenciação” se dá com duas atrizes notáveis – a baiana Helena Ignez e a paulista Vera Holtz. Até Helena, afeita a atrevidos experimentos, ponderou sobre o “experencial” da dupla Mocarzel-Goldfeder: “trata-se do filme mais louco de todos em que atuei”. Evaldo resume o projeto: “realizamos um híbrido de cinema, teatro e artes plásticas”.

O diretor da “Trilogia da Margem” acredita que os dois filmes só ficarão prontos para os festivais do segundo semestre. “Primeiro” – avisa – “vamos lançar a série ‘Sérgio Mamberti – Memórias de um Ator Brasileiro’ no canal SescTV, em três capítulos de 52 minutos cada”. Depois, virá o filme cujo nome provisório é “Sérgio Mamberti”, que não será um resumo da série, mas sim um projeto pensado como objeto cinematográfico. Para o qual Evaldo não tem medido esforços. Inclusive na compra de direito de uso de arquivos das mais diversas fontes.

Marco Dutra, parceiro de Juliana Rojas no Coletivo Caixote (com Caetano Gotardo) estará nos festivais do ano em curso com “Enterre seus Mortos”, protagonizado pelo craque Selton Mello. O elenco mobiliza, também, Marjorie Estiano, Betty Faria e Danilo Grangheia, este, um talento que só não fez chover no thriller de ação “O Sequestro do Vôo 375”. Dutra escreveu seu roteiro a partir do livro homônimo de Ana Paula Maia.

O pernambucano Marcelo Gomes, do cult movie “Cinema, Aspirinas e Urubus”, participou do Festival de Roterdã com “Retrato de um Certo Oriente”, adaptação de romance homônimo do amazonense Milton Hatoum. No elenco, Wafa’a Celine Halaw, Zakaria Kaakour e Charbel Kamel. Outro título que pode ter — se este for o desejo do diretor e do romancista — o Festival de Gramado como primeira vitrine brasileira.

Do Nordeste devem vir muitos e novos filmes. Um deles é “Campo da Paz”, do paraibano Torquato Joel. De Pernambuco, espera-se “Vago” (ou “Lispectorando”), de Renata Pinheiro. A diretora de “Carro-Rei”, vencedor de Gramado 2020, prefere não adiantar nada sobre o filme que tem a ver com a passagem de Clarice Lispector por Recife, seu pouso quando chegou da Ucrânia, antes de radicar-se no Rio de Janeiro. O que se sabe é que “Vago” tem Marcélia Cartaxo à frente do elenco. E Sérgio Oliveira como produtor.

Durante a última edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, realizada na undécima hora (véspera do Natal de 2023), o diretor e produtor Rafhael Barbosa avisou que “Alagoas estará com muitos filmes novos disponíveis para participar da seleção dos festivais brasileiros ao longo de 2024”.

Dois títulos agendados para lançamento em setembro – “Mariel, o Homem de Ouro”, de Mauro Lima, e “Overman, o Filme”, animação baseada na obra da cartunista Laerte, direção de Tomás Portella — poderão passar pela tela de Gramado. Seja na competição, seja hors concours.

“Mariel”, cinebiografia de Mariel Mariscot, tem Renato Góes como protagonista. E Luísa Arraes na pele de Darlene Glória, estrela do primeiro filme a vencer o Festival de Gramado: “Toda Nudez Será Castigada” (Arnaldo Jabor, 1973).

“Homem com H”, cinebiografia ficcional de Ney Matogrosso protagonizada por Jesuíta Barbosa e dirigida por Esmir Filho, deve optar pelo Festival do Rio. Afinal, sua estreia está agendada para 31 de outubro (o festival carioca acontece na primeira quinzena do referido mês, e a Mostra SP, na segunda). Eis aí dobradinha cobiçada por muitos produtores.

Não se sabe se a “Arca de Noé”, de Sérgio Machado, que deverá encantar crianças e adultos (estes, saudosos de festejado elepê de Vinicius de Moraes), pretende passar pelos festivais. Ou se vai direto para as telas do circuito comercial. Seu lançamento está programado para o dia 12 de dezembro.

Dois filmes dos mais aguardados do ano – “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles e Daniela Thomas, e “Angicos”, de Felipe Hirsch – devem dar preferência a festivais internacionais. O primeiro conta a história de Eunice Paiva, viúva do desaparecido político Rubens Paiva, vista pelo olhar do filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva. No elenco, as duas Fernandas (Montenegro e Torres). Resta saber se festivais de primeira linha (Walter venceu Berlim com “Central do Brasil”, destacou-se em Cannes como “Linha de Passe” – e teve título selecionado por Veneza, “Abril Despedaçado”) ainda têm sensibilidade para filmes que evoquem as ditaduras multiplicadas pelo Terceiro Mundo, décadas atrás.

O trunfo de “Angicos” é Wagner Moura. Ator com carreira internacional (sucesso planetário com “Narcos”, série da Netflix), ele não medirá esforços para oferecer vitrine de primeira linha a Paulo Freire (1921-1997), o pedagogo da libertação, razão de ser do filme. O pernambucano testou seu método de alfabetização no pequeno município potiguar de Angicos, em 1963.

Seu experimento educacional foi prestigiado (e visitado) pelo presidente João Goulart. Hoje, o educador é um os brasileiros mais respeitados no mundo. Foi reconhecido com Doutor Honoris Causa por nada mais, nada menos que 35 universidades e tem sua estátua entre grandes benfeitores da humanidade (em Västertorp, Estocolmo, capital da Suécia).

Abaixo, tabela com filmes que devem ser os mais disputados pelos festivais brasileiros, aqueles que priorizam o ineditismo. Apenas dois acontecerão no primeiro semestre (É Tudo Verdade e Curitiba). Os outros continuarão no segundo, que traz calendário dos mais sobrecarregados.

O Festival de Brasília, o mais tradicional e antigo do país, realizará, esse ano, sua quinquagésima-sétima edição. Se depender da vontade do secretário de Cultura do DF, Cláudio Abrantes, o evento regressará à sua data histórica, o mês de setembro. No estatuto da Fundação Cultural do DF, organismo abarcado pela pasta distrital, previa-se “a realização de um festival na primavera candanga”.

Ano passado, por problemas vários (incluindo a troca de secretários e a posse tardia de Abrantes), o festival só se viabilizou nas vésperas do Natal. Data pior, impossível.

O Festival do Rio, que também enfrentou muitos problemas na era Crivela e, depois, no Governo Bolsonaro, vive fase das mais felizes, graças ao apoio do prefeito (e festeiro) Eduardo Paes e da petrolífera Shell.

A Mostra de São Paulo também vive momento de bonança desde o ano passado, quando recebeu de braços e sorriso abertos, a volta de sua maior incentivadora financeira, a Petrobras. Isto, depois de amargar quatro edições sob a “ojeriza cultural” do governo Bolsonaro.

Confira os filmes que podem estar nas seleções dos festivais que apostam no ineditismo:

. “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas
. “O Melhor Amigo”, de Allan Deberton
. “Betânia”, de Marcelo Botta
. “Virgínia e Adelaide”, de Yasmin Thayná e Jorge Furtado
. “Clube das Mulheres de Negócio”, de Anna Muylaert
. “Barba Ensopada de Sangue”, de Aly Muritiba
. “Vago” (ou “Lispectorando”), de Renata Pinheiro
. “Enterre seus Mortos”, de Marco Dutra
. “Eros”, de Rachel Dayse Ellis (exibido na Mostra Tiradentes)
. “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes
. “Corpo de Paz”, de Torquato Joel
. “Sérgio Mamberti”, de Evaldo Mocarzel
. “Viveiro de Vozes”, de André Goldfeder e Evaldo Mocarzel
. “Precisamos Falar Sobre Nossos Filhos”, de Pedro Waddington e Rebeca Diniz
. “Dona Lurdes, o Filme”, de Manuela Dias e Cristiano Marques
. “Ainda Somos os Mesmos”, de Paulo Nascimento (exibido no Cine PE)
. “Sangue do Meu Sangue”, de Rafaela Camelo
. “Vitória”, de Andrucha Waddington (15 de agosto)
. “Estômago 2 – O Poderoso Chefe”, de Marcos Jorge (22 de agosto)
. “Jardim de Girassóis”, produção de Marco Altberg
. “Mariel, o Homem de Ouro”, de Mauro Lima (setembro)
. “Overman, o Filme”, de Tomás Portella (19 de setembro)
. “Homem com H”, de Esmir Filho (31 de outubro)
. “Arca de Noé”, de Sérgio Machado (12 de dezembro)
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles e Daniela Thomas
. “Angicos”, de Felipe Hirsch
. “Hastes Flexíveis com Pontas de Algodão”, de Pedro Gui e Dostoievski Champangnatte
. “O Maníaco do Parque”, de Maurício Eça (com Silvero Pereira)

Festivais que exigem filmes 100% inéditos:

. Mostra de Cinema de Tiradentes (aconteceu em janeiro)
. Festival É Tudo Verdade (Documentários) – De 4 a 14 de abril
. Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba – 12 a 20 de junho
. Festival de Cinema de Gramado – De 9 a 17 de agosto
. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – previsto para setembro
. Festival do Rio – Primeira quinzena de outubro
. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – Segunda quinzena de outubro (de 16 a 31)

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