“Barra Brava”, “Corpo em Chamas” e “A Cabeça de Joaquín Murrieta” comprovam qualidade das séries ibero-americanas
Por Maria do Rosário Caetano
A série argentina “Barra Brava” (foto) foi eleita pelos Prêmios Platino como a melhor da temporada ibero-americano. Escolha justa, que os espectadores podem conferir na Amazon Prime. Um alerta: não confundir com “Barra Bravas” (um “s” a mais), já com duas temporadas disponíveis na Netflix.
“Barrabrava” é o nome que nossos vizinhos dão aos segmentos mais radicalizados (nas paixões e nos procedimentos) dos torcedores de um clube de futebol. No Brasil, os denominamos “torcidas organizadas” (ou uniformizadas). Aquelas que vão com o time até onde a imaginação alcançar. Unidas em associações bem intencionadas (apoiar a equipe com bandeiras, hinos e performances), nem sempre se restringem aos limites das leis.
Quem assistir aos oito episódios de “Barra Brava” saberá do que é capaz uma fiel torcida. Lembram do que já fizeram os “hooligans” britânicos? Do que estão dispostos a fazer os “ultras” de outros países europeus?
Em “Barra Brava”, a premiada série argentina, veremos do que é capaz a torcida organizada do fictício Club Atlético Libertad del Puerto. Que parece evocar o mitológico e apaixonante Boca Jr, time que revelou Maradona ao mundo.
No primeiro episódio, intitulado “A Gangue do Tio”, vemos o clube esportivo, ainda na segunda divisão, recebendo oferta milionária por seu jovem craque. Dá-se o dilema: se ele for vendido, as chances do clube ascender à primeira divisão diminuirão. Ao mesmo tempo, a grana é altíssima e, claro, favorecerá aos cartolas. E, também, ao velho Tio, que comanda a “barrabrava” e fará tudo para receber a parte que lhe cabe.
Afinal, é com estes proventos que ele mantém rede de favores capaz de lhe assegurar a liderança entre a base de torcedores. Entre eles, estão dois personagens muito especiais: seus sobrinhos César (Gastón Pauls, de “Nove Rainhas”) e Polaco (Matías Meyer). O primeiro, já quarentão, casado e pai de família, é daqueles que pensam antes de agir. O segundo, jovem, belo e impetuoso, tem pele e olhos claros, daí o apelido de Polaco. Torcedor fanático, ele não pensa, age. Seja no desempenho de tarefa rotineira ou em atos da gangue barra brava, por mais violentos que sejam.
Polaco é nota dez também no plano sexual. Inclusive na cama, com a mulher de jogador veterano e voyeur. Ele teve uma filha nos tempos de adolescente. A Justiça colocará a garota, temporariamente, sob sua guarda. Para ver se ele tem alguma serventia como pai.
A “Gangue do Tio” sofrerá imenso abalo já no primeiro capítulo de “Barra Brava”. E a barra pesará ainda mais. Nos episódios que se seguirão (“A Fênix”, “Breijart”, “O Retorno”, “Tem Coisa Aí”, “Irmãos de Sangue” e “Amor Eterno”) veremos retrato duro, duríssimo, de uma Argentina que desconhecemos.
Os torcedores se meterão, cada vez mais, em práticas ilegais como roubos, tráfico de drogas e mortes violentas. Ninguém verá nada que evoque o país civilizado de Borges, Piazzola e Ricardo Darín. Nem avenidas repletas de livrarias, nem cafés com medialunas e chá-mesclado-com leite. Nada de bairros chiques como a Recoleta.
Tudo, em “Barra Brava”, se passa no estádio do Libertad del Puerto ou em “villas” habitadas pelos integrantes das classes C e D. As “villas”, vale lembrar, são o correspondente de nossas favelas, embora ocupadas por construções de alvenaria, portanto, menos precárias.
O ritmo da narrativa é contagiante. Lembra filmes de Martin Scorsese e, por que não, o “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles. Curioso notar que o mais famoso longa-metragem do realizador brasileiro estourou no Brasil (3,2 milhões de espectadores) e na Inglaterra. E rendeu quatro indicações ao Oscar (todas em categorias de peso). Lançado na Argentina, fracassou. Nuestros hermanos não se interessaram pelo filme. Agora, conquistam o Prêmio Platino com uma série sobre contraventores periféricos, que acabam adotando práticas de gângsters. E que adotam o ritmo frenético e mobilizador do seminal longa-metragem baseado em livro de Paulo Lins.
No último episódio (“A Promoção”) de “Barra Brava”, uma série realmente imperdível, veremos os “Irmãos de Sangue” em situação inesperada. Gancho perfeito para a segunda temporada, que deve chegar, com certeza. E por puro merecimento.
Barra Brava | Barrabrava
Argentina
Prêmio: melhor série nos Prêmios Platino
Criação: Jesus Braceras
Elenco: Gastón Pauls, Matías Meyer, Liz Solari, Mónica Gonzaga, Violeta Narvay, Cande Molfese, Juan Ignácio Cane, Neo Pistea, Angelo Mutti, Miguel Angel Rodríguez, entre outros
Onde: oito episódios, disponíveis no Amazon Prime
Corpo em Chamas | El Cuerpo en Llamas (Espanha)
Série policial, com Úrsula Corberó, nome oriundo da badalada série “Casa de Papel”. Ela interpreta Rosa Peral, bela mulher, dona de corpo escultural, que entra para a Polícia de Catalunha. Separa-se do marido Javier (Isak Ferriz), com quem tem uma filha (duas na vida real, pois a história foi tirada de fato acontecido em 2017). Casa-se com Pedro (José Manuel Pog), outro “mosso d’esquadra” (policial) catalão, ciumento e possessivo. E torna-se amante de um terceiro, Albert (Quim Gutiérrez), também policial. Um dia, um corpo carbonizado é encontrado dentro do pouco que restou de um automóvel. Só um detalhe permitirá sua identificação. Pedro, que estava desaparecido, tinha um pino na coluna vertebral, vestígio recolhido pela Polícia. O Judiciário espanhol, a partir de detalhada investigação comandada por Esther (Eva Llorach, excelente), concluirá (e será respaldado por júri popular), que Rosa e Albert mataram Pedro e colocaram fogo no cadáver, transportado até um pântano. Com Rosa, seguindo atrás, num segundo veículo. No tribunal, um culpará o outro e ambos irão jurar inocência. A série, que concorreu aos Prêmios Platino, fez imenso sucesso na Espanha. Tanto sucesso, que a Netflix, além dos oito episódios da versão ficcional, apresenta longa documental sobre o tema. No centro da narrativa, a verdadeira Rosa Peral, bonita, carismática e dona de retórica poderosa. Encarcerada, ela continua, ainda hoje, jurando inocência e enunciando, com ajuda de sua advogada, discurso que faz dela uma vítima do machismo ibérico. O documentário intitula-se “O Caso Rosa Peral” (“Las Cintas de Rosa Peral”) e dura 80 minutos.
A Cabeça de Joaquim Murrieta | La Cabeza de Joaquín Murrieta (México)
Um dos finalistas aos Prêmios Platino. New western criado por Mauricio Leiva-Cock e Diego Ramírez Schrempp. Com Juan Manuel Bernal (Joaquim Murieta), Yoshira Escárrega (Damnace), Emiliano Zurita (Casey), Alejandro Speitzer (Carrillo), Becky Zhu Wu (Adela Cheng), Steve Wilcox (Harry Love), Manuel Villegas (David Ochoa), Michael Wilson (Morgan). Quem conhece um pouco da história do México, sabe que o país latino perdeu, no século XIX, mais da metade (55%) de seu território (os atuais estados do Texas, Nevada, Utah, Novo México, Califórnia) para os EUA. Essa série, um faroeste que evoca os filmes de Sérgio Leone, se passa em 1851. As recém-traçadas fronteiras entre o país latino e o anglo-saxão não resolvem os conflitos. Momentos de extrema tensão se multiplicam. Camponeses mexicanos acreditavam que a posse de suas pequenas propriedades estariam garantidas. Mas mineiros norte-americanos chegavam, em busca do ouro, para apossar-se do território recém-conquistado. A violência continuava ensanguentando a terra. O herói da série, o que lhe dá nome, é um bandido. Acompanhando pela chinesa Adela Cheng, Murrieta torna-se uma espécie de Robin Hood mexicano. No primeiro episódio o mestiço Joaquín Carrillo e sua família enfrentarão a prepotência dos ‘rangers’ da nova Califórnia. O ponto de vista é dos mexicanos, claro. Em 8 episódios (“Ouro”, “Cinzas”, “Três”, “Chumbo”, “Febre”, “Seis”, “Sete”, “Raposa”). Na Amazon Prime.
A Messias | La Mesías (Barcelona, Espanha)
Prêmio Platino de melhor atriz (Lola Dueñas, vinda de elencos de Pedro Almodóvar) e melhor coadjuvante (Carmen Machi). A série, criada por Los Javis (Javier Ambrossi e Javier Calvo) se desenvolve em torno de personagem messiânica, a que lhe dá título. Ao assistir a vídeo que viralizou na internet, Enric tem um ataque de ansiedade. O que ele vê em apresentação hipnótica – de banda juvenil pop cristã, de nome Stella Maris, formada por cinco irmãs – o fará rememorar fatos de sua infância, marcada por episódios de fanatismo religioso. A série mistura thriller familiar, elementos religiosos, musical e até de ficção científica. Na HBO Max. Em sete episódios. Para maiores de 16 anos.
Yosi, o Espião Arrependido – Segunda Temporada | Yosi, El Espía Arrepentido (Argentina)
Prêmio Platino de melhor criador de série (para Daniel Burman). Baseado em livro de Horacio Lutzky e Miriam Lewim, a série acompanha a história (real) de José Alberto Pérez (Gustavo Bussani), jovem agente policial, que infiltrou-se na comunidade judaica de Buenos Aires, na década de 1980. Conhecido como uma espécie de “Cabo Anselmo portenho”, ele teria desempenhado papel fundamental nos atentados sangrentos contra a Embaixada de Israel, na Argentina, em 1991, e ao prédio da AMIA (Associação Mutual Israelita-Argentina), em 1994. Arrependido, prestou seu testemunho às autoridades argentinas e hoje vive sob anonimato e proteção judicial. A primeira temporada foi apresentada em 2022. A segunda, em 2023. O policial argentino, que se submeteu a processo de circuncisão e aprendeu a falar hebraico para conquistar a confiança da comunidade judaica de Buenos Aires, adotou o nome Yosi. A trama se passa em três momentos (1985, 2002 e 2006). No elenco, Natalia Orero, que protagonizou a série “Santa Evita”, Cesar Troncoso, Mirella Pascual e Mercedes Moran. Disponível na Amazon
Fito Paez – Amor e Música | El Amor Después del Amor (Argentina)
Prêmio Platino de melhor ator coadjuvante (Andy Chango), que interpreta o cantor e compositor Charly García. Oito capítulos (média de 40 minutos cada) contam a história do músico Fito Paez, roqueiro e trovador argentino, nascido em Rosário, há 61 anos. Ele é visto em suas relações com o pai e a avó (perdeu a mãe muito cedo) e profissionais, em atos de rebeldia e protestos contra a ditadura militar (1976-1983). E, também em seus relacionamentos com a cantora Fabiana Cantilo e a atriz Cecília Roth (que trabalhou em vários filmes de Pedro Almodóvar, entre eles, “Tudo sobre Minha Mãe”). Criação de Juan Pablo Kolodziej, com direção de Juan Risso e Carolina Milli. Elenco encabeçado por Iván Hochman (Fito) e Micaela Riera (Fabi). E coadjuvado por Andy Chango (Charly García), Martín Campilongo (Sr Rodolfo Páez), Mirella Pascual (avó de Fito), Julian Kartun (Spinetta), Daryna Butrik (Cecília Roth), Jean-Pierre Noher (André Midani), Vitória Bernardi (mãe de Fito), Monica Raiola (Pepa), entre outros. Disponível na Netflix.
Os Mil Dias de Allende | Los Mil Días de Allende (Chile)
Prêmio Platino de melhor ator (Alfredo Castro). Direção de Nicolás Acuña, com elenco liderado por Pablo Capuz (Manuel Ruiz), Alfredo Castro (Salvador Allende), Susana Hidalgo (Beatriz Allende), Francisca Gavillan (Miria Contreras), Aline Küppenheim (Hortensia Bussi Allende), Benjamin Vicuña (Fidel Castro), Tito Bustamante (Eduardo Frei), Marcial Tagle (Patricio Aylwin). Em quatro episódios. A série adapta livro de memórias do jornalista espanhol Manuel Ruiz, que aproximou-se de Salvador Allende ainda em sua campanha à presidência do Chile. Tornaram-se amigos e Ruiz foi convidado para assessorar o líder eleito do governo da Unidade Popular (1970, até 11 de setembro de 1973). Além da impressionante transformação de Alfredo Castro, ator-fetiche de Pablo Larraín, em Salvador Allende, a micro-série causa espanto por apresentar a insólita visita de Fidel Castro ao Chile, em novembro de 1971. Uma viagem que quebrou com todos os padrões da diplomacia. Deveria durar 10 dias. Durou… 24. A série ainda não foi disponibilizada nas plataformas de streaming brasileiras.
Rapa (Espanha)
Série policial, duas temporadas, doze episódios. Criação de Pepe Coira e Fran Araújo. Direção de Jorge Coira. Com elenco notável, liderado pelo almodovariano Javier Cámara (“Fale com Ela”), indicado aos Prêmios Platino pelo papel do professor Tomás Hernández, que se intromete nas investigações da morte de Amparo Ceone (Mabel Rivera), prefeita de cidade da Galícia. As investigações são comandadas com imensa dedicação pela oficial Maite Estévez (Mónica López). As paisagens da Galícia são impressionantes e favorecem o clima de suspense que se forma ao longo da narrativa. A começar pela morte da autoridade municipal, ocorrida num dia em que a área montanhosa, onde o professor Tomás faz suas caminhadas, está envolta em neblina. Ele ouve duas vozes femininas discutindo. Depois, vê o corpo da prefeita. E um vulto que foge num carro. Quem matou Amparo Ceone? Seus opositores políticos? Eles estavam comprometidos com o vice-prefeito, que assume o cargo da titular e mantém relações suspeitas com poderosa mineradora? E por que o professor, que tem graves problemas de saúde, se mete com tamanho empenho na elucidação desse misterioso crime? Ainda não disponibilizada nas plataformas de streaming brasileiras.