Anna Muylaert recebe Troféu Horizonte e público mineiro se diverte com “O Clube das Mulheres de Negócios”
Foto © Leo Lara/Universo Produção
Por Maria do Rosário Caetano, de Belo Horizonte (MG)
A cineasta Anna Muylaert foi o centro das atenções na noite inaugural da décima-oitava edição da Mostra CineBH, que a laureou com o Troféu Horizonte, por sua trajetória de quase 40 anos dedicados ao audiovisual brasileiro.
A diretora e roteirista paulistana, de 60 anos, recebeu o troféu das mãos do filho Joaquim e apresentou ao público, que lotou o Cine-Theatro Brasil, “O Clube das Mulheres de Negócios”, seu sétimo longa-metragem. Ao contrário dos aplausos protocolares da plateia do Festival de Gramado — onde o filme estreou um mês atrás e conquistou prêmio especial (para seu elenco feminino) —, os espectadores belo-horizontinos foram efusivos. Somaram risos e palmas.
A plateia mineira se divertiu com as tiradas cômicas do roteiro (escrito pela cineasta, com colaboração de Gabriel Domingues) e entusiasmou-se com o final catártico. Afinal, onças evocadas na cédula de R$50,00 tocam o terror em final sanguinolento, que vitimiza muitos dos personagens da trama. Mas, num gesto de amor e esperança — isto num filme de tom selvagem e raivoso —, o fecho (a coda) se dá em tom positivo e luminoso, ao som vibrante de Tim Maia: “Há muito tempo eu vivi calado/ Mas agora eu resolvi falar/ Chegou a hora, tem que ser agora/ Com você não posso mais ficar/ Não vou ficar, não”.
Em Gramado, a coletiva de imprensa somou Anna Muylaert a seu elenco feminino (Cristina Pereira, Itala Nandi, Louise Cardoso, Grace Gianoukas, Polly Marinho, Shirley Cruz, Helena Albergaria, Katiuscia Canoro e Maria Bopp). Irene Ravache não pôde comparecer. O elenco masculino se fez representar por Luis Miranda e Tales Ordajki. Mas o debate sofreu solução de continuidade, quando a atriz Cristina Pereira contou que fora violentada por um desconhecido, aos 12 anos, a caminho da escola.
Já na CineBH, Anna pôde dedicar-se à reflexão sobre o processo de criação de “O Clube das Mulheres de Negócios”, cuja estreia comercial está programada para o dia 28 de novembro próximo.
A diretora contou que, em 2015, depois do sucesso de “Que Horas Ela Volta?” (grande exposição em festivais e quase 500 mil espectadores), ela percebeu que o momento era de “tensão de gênero”. Tensão amplificada pelo MeToo, que espalhou-se por todos os cantos. Resolveu, então, escrever novo roteiro sedimentado na “inversão de gênero”. Ou seja, colocaria personagens femininas fazendo o que homens (machos tóxicos) faziam.
Para complicar o momento em que iniciava o novo roteiro, Anna Muylaert viu o Brasil entrar em transe. Assistiu, perplexa, ao impeachment de Dilma, que ela registrou, junto com Lô Politi, no longa documental “Alvorada”. Veio a pandemia. Os tempos de ira e o “momento delirante” ganharam nova conformação.
O roteiro de “O Clube das Mulheres de Negócios” foi se complexificando. E Anna assistiu a alguns filmes sobre “inversão de gênero”. Um, em especial (“Não Sou um Homem Fácil”, disponível na Netflix), a fez concluir que deveria ampliar a temática de seu sétimo longa-metragem.
Releu “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, reviu “O Anjo Exterminador”, de Buñuel, e filmes de Spielberg (“Tubarão”, “Jurassic Park”). Observou, perplexa, o que se passava no Governo Bolsonaro. Quando ouviu, em plena epidemia da Covid 19, o presidente dizer “isso é uma gripezinha, tenho físico de atleta”, e depois garantir-se “imbrochável”, ela decidiu: “tenho que fazer um filme loucão”, mas que “deixe portas abertas”.
E mergulhou fundo em novas leituras, sempre em busca de diálogo com os modernistas (e a Semana de Arte Moderna), com o Tropicalismo, com o Brasil, enfim. Depois do realismo crítico de “Que Horas Ela Volta?”, partiu para novo diálogo com o fantasmagórico, com o horror. E a imagem de uma onça invadindo um jardim tornou-se outro elemento deflagrador. A imagem ampliou o espaço geográfico de sua trama. Ao invés de um jardim, um poderoso clube de mulheres de negócios, dotado de grandes benfeitorias burguesas, incluindo um zoológico.
Para temperar seu mix de comédia e filme de horror, Anna recorreu a poderosa banda sonora. Somou a trilha original do paulistano André Abujamra aos sons do pernambucano Matheus Alves, trilheiro de “Bacurau” (Mendonça & Dornelles). E ela mesma buscou composições musicais que fertilizariam o processo criativo de “O Clube de Mulheres de Negócios”. A principal delas, “Aquarela do Brasil”, o hino de um país feliz, na antológica interpretação do gênio cigano Django Reinhardt.
“Ouvi esta gravação e outras (como a de Tom Jobim) para a criação de Ary Barroso incontáveis vezes. Queria o Brasil impregnado no filme”. E mais: “o Matheus trouxe a musicalidade nordestina para a trilha”. Por isso, “o som da Banda de Pífanos é tão marcante”.
Anna não sabe o que fará para enfrentar as reduzidas bilheterias dos filmes brasileiros, tornadas trágicas depois da pandemia. Está fazendo o possível e o impossível para dar visibilidade a “O Clube das Mulheres de Negócios”.
Após a performance em Gramado, que rendeu visibilidade midiática ao filme, ela cumpre maratona na CineBH. Depois de assistir ao filme com o público, acordou bem cedo na manhã seguinte para concorrida coletiva de imprensa, colada ao debate inaugural do núcleo reflexivo do festival mineiro (“Políticas Públicas, Transformações e Oportunidades no Audiovisual Brasileiro”), foi almoçar com a atriz Grace Passô e voltou, na correria, para mais um debate (“Estados do Cinema Latino-Americano: As Mulheres no Comando”). A (agora) sexagenária Anna parece desconhecer o cansaço.
Os mineiros assistirão a mais nove filmes da homenageada da CineBH, soma de curtas-metragens e todos os seus longas. “Durval Discos”, sua obra de estreia, será exibido no Cine Praça, defronte ao Palácio da Liberdade, antiga sede do Governo de Minas Gerais. Quando regressar à sua cidade natal, a capital paulista, a uspiana formada pela ECA (Escola de Comunicação e Arte), vai cuidar dos detalhes finais de seu novo filme — “A Melhor Mãe do Mundo”, aparentado com seu maior sucesso (“Que Horas Ela Volta?”). E, com empenho e muito trabalho, elaborar e reelaborar o roteiro de seu próximo projeto, “Geni e o Zepelim”, baseado na canção de Chico Buarque.