Giuseppe Oristanio faz declaração de amor ao cinema italiano e lamenta falta de convites para filmes brasileiros
Por Maria do Rosário Caetano, de Florianópolis (SC)
O ator Giuseppe Oristanio, de 65 anos, 52 de carreira, apresentou e debateu o filme “Ritinha”, que ele protagonizou quase 30 anos atrás em ilha pesqueira catarinense, sob direção de Antônio Celso. O cineasta, falecido ano passado, criou o FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul) e agora tem sua memória evocada pela exibição de “Ritinha”, somada à exposição “Verdejante” (no Museu da Imagem e do Som florinapolitano). A mostra faz registro retrospectivo de sua trajetória como agitador cultural e militante ecológico. Celso nasceu no interior de São Paulo, mas escolheu Florianópolis como cidade adotiva e definitiva.
A sessão, seguida de Conversa FAM, “um festival para todos os fãs de cinema”, lotou o Cine-Show Beiramar, principal palco do evento. “Ritinha” é um curta-metragem de vinte minutos, baseado em conto de Hoyêdo de Gouveia Lins, e de produção acidentada. Suas filmagens aconteceram em 1995, quando Oristanio vivia o auge de sua carreira na televisão. Coube a ele o papel do pescador Juca, casado com a bela rendeira Ritinha (Daniela Escobar). Imara Reis interpreta moradora da colônia de pescadores, de origem açoriana, amiga e confidente da jovem e sonhadora Rita. Otávio Augusto faz o sedutor lojista Habib, que dá em cima da moça, quando ela o procura para que ele facilite o escoamento das rendas de bilro.
Juca, um homem agarrado à colônia açoriana e ao mundo da pesca, vê a cidade como um antro de perdição. Ritinha, em posição oposta, sonha com os encantos do mundo urbano e quer buscar escoadouro para as rendas que ela e as outras mulheres ilhenhas produzem artesanalmente, enquanto os homens pescam. Mas o marido, ciumento como ele só (hoje, podemos vê-lo como um homem tóxico), tem ainda a mãe (sogra de Ritinha), que mora com eles em casa modesta. E sempre disposta a insuflar o ciúme doentio do filho. Cabe à atriz catarinense Marlete Duarte o papel da velha senhora.
O filme, rodado em 35 milímetros e com elenco estelar, só ficou pronto em 2001. Teve montagem (ágil e eficiente) de Massimo Barro e fotografia de grande beleza plástica (ajudada pelo cenário paradisíaco). Ocupado com uma telenovela atrás da outra, Oristanio esqueceu-se do filme. Agora, ao revê-lo e apresentá-lo no FAM, confessou lembrar-se apenas que, “pelos cabelos vastos e encaracolados”, estava atuando em peça teatral que rodava o país.
“Antônio Celso viu a montagem em Florianópolis e me procurou para atuar no filme. Topei, mas confesso não lembrar de detalhes das filmagens. Fiz minhas cenas com Daniela Escobar e Marlete Duarte, mas não me lembrava da importante participação dos colegas (Imara Reis e Otávio Augusto), pois não contracenei com eles”.
Olhando para Marilha Naccari, filha de Antônio Celso, ao lado dele no palco do FAM, hoje uma jovem de quase 40 anos, Oristanio brincou: “me lembro dessa moça, que na época era uma pirralha de uns dez anos”. A menina Marilha faz figuração no filme do pai.
No debate que se seguiu à exibição, a carreira de Giuseppe Oristanio e suas ideias sobre o ato da representação estiveram no centro das atenções. Mais que o filme “Ritinha”. O ator reclamou da falta de convites para atuar em filmes brasileiros. Jurou que “nunca rejeitou convite” por estar ocupado com muitas telenovelas.
Bem-humorado e dono de respostas rascantes e provocadoras, o filho de napolitanos garantiu que os folhetins nunca o impediram de fazer teatro. Por que o impediriam de fazer cinema? “Eu arrumaria um jeito de conciliar o calendário!”.
Narrou, até, história politicamente incorreta: “Entrei para um grupo nas redes sociais do qual fazia parte o cineasta Sergio Rezende, diretor de tantos filmes. Escrevi lá: ‘para quem eu tenho que dar para conseguir um papel num filme brasileiro?’. Em tom de brincadeira, prosseguiu: “minha pergunta não me rendeu papel nenhum. Nunca trabalhei num filme de Sergio Rezende”.
Em compensação, os produtores Mariza Leão e Thiago Rezende, mulher e filho de Sergio, o convocaram para o elenco do longa-metragem “Meninas Não Choram”, de Viviane Jundi, em cartaz na Netflix. O filme, adaptação de best seller europeu de mesmo nome, reúne atores conhecidos, como Oristanio, Elisa Lucinda, Emílio Orciollo Netto e Amanda Richter, a jovens como Letícia Braga, Duda Marte e Cauã Martins. O filho de napolitanos interpreta, na trama, o Doutor “Bigode” Freitas.
Nápoles é uma referência viva na vida de Giuseppe Oristanio e está presente em seu humor e língua solta. Ele fala como o homem da cobra. E nunca diz platitudes. Manda ver.
No FAM, o ator contou que ama o cinema italiano, pois aprecia filmes com bons roteiros, sinônimo de histórias que emocionam as pessoas, e que jamais trocariam o desempenho de seus atores por efeitos especiais.
Para, em seguida, citar três filmes, todos peninsulares, como suas devotadas paixões. O primeiro, “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, “um metafilme, que assisto sempre que posso, pois sua paixão pelo cinema é contagiante”. Outro diretor que aprecia é Roberto Benigni, de “A Vida é Bela”. O terceiro é “Mediterrâneo”, de Gabrielle Salvatores. Essa trinca conquistou o Oscar de melhor filme internacional para o cinema italiano, que divide com a França a condição de país mais premiado com a estatueta destinada a filmes falados em línguas estrangeiras.
“Mediterrâneo”, do qual Oristanio fez questão de resumir a trama (para reavivar a memória do público do FAM) traz em seu elenco “um amigo com quem trabalhei e com quem mantenho correspondência até hoje: o ator Diego Abatantuono”.
Quando Abatantuono, um dos personagens escondidos numa ilha mediterrânea (para fugir da Segunda Guerra Mundial), entrou na vida de Oristanio, ele era apenas uma distante referência de grande nome do cinema italiano. Mas o brasileiro nunca vira o milanês, hoje com 69 anos.
“Como falo italiano, ou melhor, napolitano” — contou no Cine-Show Beiramar — “fui selecionado, em 1995 ou 96, para o elenco do filme ‘Il Barbiere di Rio’, dirigido por Giovanni Veronesi e produzido pelo grande Dino De Laurentiis. Atuar numa produção italiana foi maravilhoso. Fiquei tão entusiasmado, que ao ver Diego Abatantuono, pensei: gente, eu conheço esse cara! Perguntei a pessoas da equipe, quem era e me informaram. Disseram que era o grande ator de ‘ Mediterrâneo’, que poucos anos antes ganhara o Oscar de Hollywood. Ah, não pestanejei. Corri de volta ao set e fui falar com ele, contar que adorava o filme e estava orgulhoso de trabalhar ao lado dele num filme italiano rodado no Brasil”. Além de Oristanio, o “Barbeiro do Rio” contou com atuações de Renata Fronzi, Rogério Cardoso, Luiz Armando Queiroz, Zuleica dos Santos e Ruy Pollanah.
Nos tempos atuais, Giuseppe Oristanio, que começou sua carreira aos 13 anos, interpretando o Pedrinho do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, tem trabalhado em novelas e série bíblicas da Record. Mas sua carreira televisiva começou na Tupi, infelizmente no momento em que a emissora dos Diários Associados vivia seus extertores. Passou pela Band (atuando, inclusive, na ótima “Os Imigrantes”, de Benedito Ruy Barbosa) e chegou à Rede Globo, onde foi um dos protagonistas de “Vida Nova”, também de Benedito. Na Manchete, fez “Kananga do Japão” e “Ana Raio e Zé Trovão”. Era um galã, que encantava por seus olhos azuis. Mas ai de quem o chamar de galã!
O sangue napolitano sobe à cabeça e ele avisa: “não adianta ter olhos azuis se não tiver talento, se não tiver dedicação ao estudo de cada personagem, se não tiver disciplina e respeito aos horários e colegas de trabalho. Eu não atraso”. E mais: “não adianta ter milhões de seguidores nas redes sociais, pois isso não dá talento a ninguém. Nosso ofício exige imensa dedicação. E temos que saber que o sucesso de hoje não garante o de amanhã”.
“Sou uma pessoa aberta à crítica. Até quando ela é profundamente injusta. Vocês não imaginam o que passei nas mãos de Bárbara Heliodora, crítica que fez história em O Globo. Ela foi assistir à montagem de ‘Mephisto’, da qual eu participava. Escreveu uma única e arrasadora linha sobre meu trabalho: ‘Giuseppe Oristanio é um desastre’. Fiquei tonto, mas juro, dessa vez, ela estava errada”.
O ator, nascido em São Paulo, filho de imigrantes italianos “muito pobres”, narrou outra história, dessa vez protagonizada por um de seus ídolos peninsulares, Marcello Mastroianni, que se vivo fosse, faria 100 anos mês que vem. “Perguntaram ao astro europeu se gostava de ser ator. Sabem o que ele respondeu?”
Oristanio resumiu a história do alter-ego de Fellini, a seu jeito e com vivacidade: “Na minha profissão, eu estou dormindo, e o motorista vai me buscar em casa. Continuo dormindo no carro durante o trajeto. Chego e vou para a maquiagem. Continuo dormindo. Me acordam e perguntam: o senhor está pronto para ir filmar agora? Quem me espera? A linda Catherine Deneuve, a quem vou beijar muitas vezes. Você acha que uma profissão dessa pode ser ruim?”
O ator brasileiro, depois de relembrar tal história, na base do quem conta um conto aumenta um ponto, voltou a falar do lado exigente de seu ofício. “Temos que estudar muito, respeitar os produtores, que só querem que tudo dê certo, não estão ali no estúdio para nos atrapalhar. Temos que respeitar os maquiadores e todos os técnicos, pois fazemos parte de um coletivo. Faço questão de não irritar ninguém, de não dar trabalho. Sabem que meses atrás, filmei em Marrakesh, no Marrocos, com a mesma equipe técnica que atendeu a superproduções como ‘Gladiador’ e ‘Game of Thrones’. Gente da mais alta competência, que conhece tudo e profundamente o que está fazendo. Por que não valorizar esses técnicos maravilhosos que fazem tudo para que possamos dar o melhor de nós? Eles sabem que quem vai aparecer são os atores. E nós temos ego, somos egocêntricos sim, sonhamos com os aplausos. Trabalhamos por dinheiro e reconhecimento. Por palmas”. E, mais uma vez, soltou um termo politicamente incorreto: “não podemos ficar com viadagem. Temos que trabalhar duro, respeitar todos os que atuam atrás das câmaras, pois eles não aparecerão na tela”.
E, bom contador de histórias, narrou outra, de sua biografia pessoal: “eu era um menino pobre de São Paulo, que trabalhava numa fábrica de botas. Um dia, gente de teatro chegou lá e me convidou para interpretar Pedrinho, numa montagem do ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’. Sabe por que eu aceitei o desafio? Porque eu já tinha lido toda a literatura infantil do Monteiro Lobato. Havia lido também os livros de Julio Verne. Eu sabia que daria conta do recado. Ficamos três anos em cartaz. Era filho de gente modesta, vinda de Nápoles, mas que me estimulava a ler, a estudar, a ser disciplinado, a saber trabalhar em equipe”.
Quando pediram que desse conselho a quem deseja ser ator, ele avisou: “não gosto de dar conselhos, mas cito resposta maravilhosa da grande Fernanda Montenegro. Pediram conselho a ela, e ela respondeu: ‘Desista! Vá fazer outra coisa. Se, passados três ou quatro anos, você sentir que vai morrer se não se dedicar ao ofício de ator, volte. Essa é sua verdadeira vocação”.
Nesse exato momento, Giuseppe Oristanio se dedica a dois projetos teatrais. Um o reúne à atriz Cissa Guimarães. O outro à literatura de João Guimarães Rosa.
“Há quase 15 anos, Cissa e eu estamos em cartaz com a comédia ‘Doidas e Santas’. Só paramos na pandemia. Um enorme sucesso, já rodamos dezenas e dezenas de cidades. Mantenho, também, em cartaz, um monólogo inspirado nos últimos anos da vida de Guimarães Rosa (1908-1967), ‘Pormenor da Ausência’. Há momentos em que apresento os dois, o ‘Doidas e Santas’ num dia e o ‘Pormenor’ no outro”.
Com seu espalhafatoso humor napolitano, Giuseppe Oristanio avisou que aguarda convites para filmes: “sou facinho, legal e muito pontual, se me contratarem, vocês não vão se arrepender”.
E renovou o convite para que o público assista às suas duas montagens teatrais, ao raro filme brasileiro em que atuou (“Meninas Não Choram”, na Netflix) e aos filmes italianos, que ele tanto ama, incluindo a comédia “Il Barbiere di Rio”, no qual interpreta o personagem Rocco. E claro, na Globoplay (ou no Viva) às novelas em que atuou e que a Globo reprisa. E na Record, à série “A Rainha da Pérsia”, que o levou a Marraquesh, e na qual interpreta o personagem Harbona.
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