Sequestro de Silvio Santos pontua cinebiografia do dono do Baú da Felicidade
Maria do Rosário Caetano
A ousadia do jovem Fernando Dutra Pinto, que, depois de sequestrar Patrícia Abravanel e empreender fuga espetacular, submeteu o próprio Silvio Santos a “sequestro” doméstico, dá o tom de “Silvio”, estreia desta quinta-feira, 12 de setembro, em centenas de cinemas brasileiros.
O filme, um mix de thriller, biografia rememorativa e melodrama, deve conquistar milhões de espectadores. Afinal, foi feito sob medida para os fãs do homem do Baú, camelô que vendia canetas nas ruas do Rio de Janeiro, virou locutor (na Rádio Guanabara) e tornou-se, com ajuda de Manoel da Nóbrega, seu “pai paulista”, um dos mais festejados comunicadores do país. Além de empresário bem-sucedido e dono de importante emissora, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).
Ao morrer, em 17 de agosto último, aos 93 anos, Senor Abravanel, nome civil do filho de judeus sefarditas (Alberto e Rebeca), era o mais conhecido apresentador da TV brasileira. E o filme “Silvio”, escrito seis anos atrás por Newton Cannito e dirigido por Marcelo Antunez, já estava pronto. E, decerto, aprovado pela família Abravanel, pois o retrato do dono do Baú da Felicidade é quase uma hagiografia.
Sim, há pequenas manchas no passado do protagonista. Ele não se entendia com o pai. Depois de adotar o nome artístico de Silvio Santos, casou-se, escondido das fãs, com Cidinha, mãe de suas filhas mais velhas, Cíntia e Sílvia. Cintia guardaria rancor pela ausência do pai, que, milionário, foi viver em aprazível mansão com as quatro filhas mais novas (Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata) ao lado da segunda esposa — essa sim, por todos conhecida, Iris Abravanel.
Fora isso, tudo que Silvio faz é festejado. Ele transforma a falcatrua do Baú da Felicidade em projeto bem-sucedido e inquestionável. As críticas ao seu programa televisivo — assistencialista e de baixo empenho cultural — são reduzidas a rápido fragmento. E desprezadas. Até a chavecagem ao casal presidencial General João Batista Figueiredo e Dona Dulce, a primeira dama, é tratada como prova de sua habilidade diplomático-política.
Por usar o sequestro de Patrícia e Silvio como tema principal, o roteiro, de início, parece fugir das cinebiografias convencionais, aquelas que vão da infância difícil à glória. Ou ao túmulo. Mas tudo entrará nos eixos, pois o sequestrado, um negociador capaz de tornar-se o “defensor do sequestrador” – relembrará os momentos-chave de sua longa trajetória no rádio e na TV. A trilha sonora é tão carregada e insistente, que o melo+drama arrancará, decerto, algumas lágrimas.
Os diálogos são simples e simplificadores. Em busca do humor e da piada fácil, a secretária de gabinete do Palácio Bandeirantes protagonizará o mais inverossímil dos momentos do filme. Silvio Santos quer falar com o Governador de São Paulo, para solicitar garantia de vida ao sequestrador, caso este se entregue. Liga para o Palácio. A secretária, ao ouvir o nome “Silvio Santos”, retruca: “Ah é? Pois eu sou a Hebe!”. Serão necessárias três ligações até SS conseguir realizar seu intento.
A cinebiografia se constrói, pois, com Rodrigo Faro, que, apesar da pouca semelhança física, interpreta com segurança o Silvio Santos maduro. Correm os dias do mês de agosto de 2021. O negociador que dá nó em goteira e consegue levar à sua mansão delegados, coronel e até o governador de São Paulo (Geraldo Alckmin, não citado, ganha intérprete com óbvias semelhanças físicas).
Fellipe Castro interpretará Senor Abravanel, de 1947 a 1950. O guapíssimo Vinicius Ricci dará existência ao Silvio, já adulto, que entre 1954 e 1963, consolidará sua carreira como comunicador. Os tempos que ele passou na Rede Globo (foram 15 anos) serão eclipsados. A poderosa emissora carioca só será lembrada (de raspão) quando impuser mudança nas regras de participação do apresentador nos lucros. Ou seja, centralizará a publicidade na empresa impedindo que SS tenha sua cota pessoal em cada anúncio conquistado.
O jovem Jhonas Oliva, que interpreta o sequestrador (com vistosos cabelos dourados), dá conta do recado. Duda Mamberti faz um Manoel da Nóbrega bonachão e muito simpático. As mulheres têm papéis secundários. Entre elas, se destaca a Delegada Laura (Bruna Aisso), decidida e corajosa. Terá até um antogonista-vilão, interpretado pelo investigador Rubens (Adriano Bulshi), doido para tocar o terror e alvejar Fernando Dutra Pinto, o sequestrador.
No fecho dos 114 minutos da narrativa, seremos lembrados que, como reza a cartilha do melodrama, a família é o bem maior. Cíntia, cuja mãe fora a “esposa anônima” (até disposta a emprestar o vestido de noiva, que ninguém pudera ver em cerimônia pública, à cantora Vanusa), perdoará o outro ramo da família com abraço na figura emblemática de Iris, a segunda mulher do comunicador.
Os fãs de Silvio Santos, os fiéis espectadores de seu programa, que permaneceu por décadas no ar e foi herdado pela filha (a sequestrada Patrícia Abravanel), vão, com certeza, gostar do longa-metragem de Marcelo Antunez.
“Silvio” tem elenco qualificado, um bom ritmo e não complexifica nenhum de seus temas. Como dizia uma canção de Luiz Gonzaga Jr, “a plateia aplaude/ e ainda pede bis/ a plateia só deseja ser feliz”. O dono do Baú da Felicidade sabia disso.
Silvio
Brasil, 2024, 114 minutos
Direção: Marcelo Antunez
Roteiro: Newton Cannito, Anderson de Almeida e colaboradores
Elenco: Rodrigo Faro, Vinicius Ricci e Fellipe Castro (Sílvio Santos em três fases), Jonas Oliva (Fernando Dutra Pinto), Duda Mamberti (Manoel da Nóbrega), Eduardo Reis (Gibran), Poliana Aleixo (Patrícia Abravanel), Paulo Gorgulho (Coronel Haroldo), Bruna Aisso (Delegada Laura), Adriano Bolshi (investigador Rubens), Norival Rizzo (Delegado Oswaldo), Luciano Bortoluzzi (Governador), João Bourbonnais (Alberto Abravanel), Marjorie Gerardo (Cidinha), Ana Paula Lopes (Cíntia Abravanel), Thamiris Mandú (repórter), Adriana Lodoño (Iris Abravanel), Fernanda Viacava (dona da pensão)
Fotografia: Uli Burtin
Montagem: Renato Lima
Trilha sonora: Xuxa Levy
Produção: Moonshot, Maristela, Paramount
Distribuição: Imagem Filmes
FILMOGRAFIA
Marcelo Antunez, diretor e produtor (Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1972)
2024 – “Jardim dos Girassóis” (inédito)
2024 – “Silvio”
2023 – “Rodeio Rock”
2022 – “O Palestrante”
2017 – “Polícia Federal, a Lei é Para Todos”
2016 – “Um Suburbano Sortudo”
2015 – “Até que a Sorte nos Separe 3”
2014 – “Qualquer Gato Vira Lata 2”
2014 – “O Candidato Honesto” (diretor assistente)
2013 – “Até que a Sorte nos Separe 2” (diretor assistente)
2010 – “De Pernas pro Ar” (diretor assistente)