Com o western crepuscular “Oeste Outra Vez”, diretor goiano retrata homens solitários movidos a violência, pinga e sal

Por Maria do Rosário Caetano

“Oeste Outra Vez”, segundo longa-metragem ficcional do goiano Erico Rassi, chega aos cinemas nessa quinta-feira, 27 de março, sete meses depois de triunfar no Festival de Gramado. Além de conquistar o Kikito de melhor filme, feito inédito para uma produção de Goiás, somou os troféus de melhor fotografia, para André Carvalheira, e melhor coadjuvante para o poeta, músico e ator octogenário Rodger Rogério.

O filme, um “western crepuscular” ambientado em paisagens ermas do Brasil Central, é povoado por homens rudes, pautados pela violência e pela dor. O elenco, essencialmente masculino, é liderado por Ângelo Antônio e Babu Santana. O personagem de Rodger Rogério, integrante do coletivo musical Pessoal do Ceará, só faz crescer na narrativa. Foi premiado como coadjuvante, mas na verdade integra o trio de protagonistas. O paraibano Daniel Porpino e o amazonense Adanilo aparecem em sólidos papéis coadjuvantes. Antônio Pitanga tem participação especial, encarnado em homem solitário, quase um ermitão, cercado de centenas de garrafas de aguardente.

A única mulher a aparecer no filme – ainda assim fugazmente – é Luíza, interpretada por Tuanny Araújo. Ela é vista de costas, saindo de cena, enquanto dois homens — Totó, seu ex-marido (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), seu novo companheiro — brigam como dois cowboys do velho Oeste. Outras mulheres estarão presentes, claro, mas só nas lembranças e desejos desses homens silenciosos e armados, que vagam pela imensidão empoeirada do Cerrado goiano.

Já os machos, sempre próximos de armas de fogo, buscam, nas garrafas, as muitas doses de pinga, aditivadas com um gomo de limão e pitada de sal. Um verdadeiro lenitivo para suas vidas brutas e medíocres.

Erico Rassi, 52 anos, goiano de Anápolis, é – além de diretor – o autor solitário do roteiro, que lapidou obsessivamente por longos anos. Estabeleceu sua trama calcada na força das imagens e em diálogos enxutos, compostos só com as palavras essenciais.

Um complexo fio narrativo foi urdido por ele e sintetizado em poucas palavras: “No sertão de Goiás, homens brutos, que não conseguem lidar com as próprias fragilidades, são abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente contra eles mesmos”.

O cineastas-roteirista dialogou com duas fontes ao conceber a base de seu novo trabalho — os contos do livro “Sagarana” (Guimarães Rosa, 1946) e “Rio Bravo” (Howard Hawks, 1959). Sem esquecer os filmes de Sergio Leone, nos quais – explicou em Gramado – “a violência constitui o ‘mecanismo de força’ dos personagens”.

Num dos mais famosos filmes do diretor italiano – “Era uma Vez no Oeste” (1968) –, Rassi buscou inspiração para o título desse seu premiado longa, que depois do triunfo em Gramado, participou, como convidado especial, dos mais importantes festivais do país. E atraiu cinéfilos ansiosos para trocar impressões com esse realizador apaixonado pelo “cinema calado”.

A trama de “Oeste Outra Vez” é rarefeita como os diálogos de seus personagens. Ela começa com Durval esmurrando Totó, o marido abandonado que tenta recuperar a ex-esposa Luíza. A briga, na qual o volumoso e fortão Durval leva a melhor, enfurece o homem abandonado pela mulher. A cobiçada Luíza deixa os dois se agredindo e sai de cena. Totó resolve contratar um pistoleiro para matar seu desafeto.

Quem aceita a tarefa é um homem já entrado nos anos (Rodger Rogério). Para complicar, seus tiros não acertam o alvo. O jeito é engendrar rota de fuga, sertão adentro. Totó e o pistoleiro vão se embrenhando pelas profundezas empoeiradas e pobres do Brasil Central. O personagem de Babu Santana, por sua vez, resolve se vingar da frustrada emboscada. Contrata dois assassinos de aluguel (Danilo e Porpino). A caçada vai ganhando a imensidão do sertão profundo.

Rassi não está interessado em explicitar contextos históricos ou econômicos. Fixa seu olhar nas vidas miúdas e violentas de seus personagens. Em seus atos e desejos. Porém, com sutileza, ele mostrará grandes carretas, carregadas de soja e milho, que cruzam, ao longe, a paisagem. Elas são, intuímos, a fonte geradora da riqueza dos donos do agronegócio.

O destino dos protagonistas desse “western crepuscular” pouco têm a ver com os lucros do Brasil graneleiro. Eles vivem de sobras, de ressentimentos e da brutalidade resolvida à bala. Habitam um mundo isolado, o sertão, de população rarefeita, amores difíceis, precárias relações de vizinhança. Tentam resolver suas perdas amorosas com a força bruta.

As imagens do filme, de grande beleza plástica, foram criadas pelo brasiliense André Carvalheira e somam-se à economia verbal dos diálogos. Fogem da grandiloquência e fixam-se em cores terrosas. Embaladas e contrastadas por românticos boleros interpretados por Nelson Ned, Moacir Franco e Nilton César. Hits que cortam o coração de homens solitários ao embalar puteiros de estradas poeirentas.

A paixão narrativa de Erico Rassi por pistoleiros já estava explícita em seu longa de estreia, “Comeback – Um Matador Nunca se Aposenta” (2017), protagonizado por Nelson Xavier. O ator paulista formaria a dupla de protagonistas em fuga com o mineiro Ângelo Antônio. Porém, a morte de Xavier, em 2017, em Uberaba, onde se tratava de um câncer, deixou Eric inconsolável. Indicaram a ele Rodger Rogério, que interpretara o violeiro de “Bacurau”. A escolha deu muito certo, o músico-ator foi premiado em Gramado, sob aplausos calorosos.

A base de apoio de “Oeste Outra Vez”, rodado em 2019, foi o município de São João da Aliança, na Chapada dos Veadeiros. Perfeccionista como ele só, Rassi fez e refez o que lhe parecia insatisfatório. O ator Babu Santana contou, em Gramado, com seu humor habitual, que o tempo que havia economizado para decorar diálogos rarefeitos (mínimos mesmo!) gastou nos takes e retakes de cenas reelaboradas por dez, quinze, até dezessete vezes. O perfeccionismo de Rassi se fez sentir também na montagem do filme, que lhe consumiu meses e mais meses de trabalho, em dupla com Leopoldo Nakata. O ritmo do filme é perfeito.

 

Oeste Outra Vez
Brasil, 2025, 97 minutos
Direção e roteiro: Erico Rassi
Elenco: Ângelo Antônio (Totó), Babu Santana (Durval), Rodger Rogério (pistoleiro), Adanilo e Daniel Porpino (dupla de assassinos de aluguel), Antônio Pitanga (velho solitário), Tuanny Araújo (Luíza)
Fotografia: André Carvalheira
Montagem: Leopoldo Nakata e Erico Rassi
Direção de arte: Carol Tanajura
Produção: Cristiane Miotto e Lidiane Reis (Vietnã Filmes, Panaceia e Rio Bravo)
Distribuição: O2 Play

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