Ney Matogrosso conta no Festival de Vitória estar na fase do “sim” ao trabalho, à vida, a novos filmes e à COP
Foto © Melina Furlan/Vikki Dessaune
Por Maria do Rosário Caetano, de Vitória (ES)
Ney Matogrosso, que fará 84 anos daqui a uma semana, contou, em concorridíssima entrevista a duas centenas de profissionais de imprensa e estudantes da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), que era apenas “um hippie pobre” quando consultou, ao lado do compositor Paulo (“Sangue Latino”) Mendonça, uma vidente.
A mulher, que lia cartas, previu que no futuro ele viveria existência similar à de Carmen Miranda, ficaria rico e, mesmo em idade avançada, seria muito requisitado. “Mas como” — indagou-se em silêncio — “eu, um rapaz pobre, que vende artesanato, posso acreditar no que estou ouvindo?”
Pois a vidente estava certa: “claro que não imito Carmen Miranda, mas algo nos une, de tal modo que, no exterior, até evocam a figura dela para me apresentar”. Decerto “por causa dos figurinos exóticos e do espalhafatoso que aproxima nossas trajetórias”.
O cantor e ator, que atuou em quase vinte filmes e, por isso, recebe homenagem do Festival de Cinema de Vitória, teve na plateia de sua coletiva de imprensa, a atriz e cineasta Helena Ignez, que o dirigiu em quatro longas-metragens — “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (em parceria com Ícaro Martins), “Poder dos Afetos”, “Ralé” e “A Alegria é a Prova dos Nove”. Sobre o primeiro filme, realizado em 2010, com roteiro deixado por Rogério Sganzerla, Ney relembrou história curiosa:
— Ao receber o roteiro, percebi que, em determinada sequência, havia muito texto para eu decorar e interpretar. Disse para Helena que não ia conseguir decorar aquilo tudo. Então, pedi que meu texto fosse colocado em cartolinas, em letras bem grandes, para eu interpretar a partir delas. Como o meu personagem estava encarcerado e cercado de outros presos, eu falava olhando para eles. Então, não havia nenhum problema em direcionar o meu olhar para as cartolinas.
A vidente que previra aquele futuro venturoso para Ney acertou, em cheio, ao dizer que ele teria muito trabalho quando já somasse muitas décadas de vida.
— Estou trabalhando mais do que nunca. E estou numa fase do “sim”. Não consigo dizer não a convites de trabalho. Disse “sim” até à Imperatriz Leopoldinense, escola de samba que me escolheu como tema-enredo (“Camaleônico”). Embora pensem que sou louco por carnaval (decerto pelos figurinos exóticos que sempre vestiu), isso não é verdade. Fui só duas vezes à Passarela do Samba assistir ao desfile, gostei muito, achei lindo. Mas só duas vezes! Fui convidado para desfilar em muitas escolas. Mas só fiz isso também em duas ocasiões. Na Mangueira, quando Chico Buarque foi homenageado, e, no mesmo ano, interpretei Cazuza em outro desfile.
Ney contou que, numa dessas ocasiões, pediram a ele que opinasse sobre o que vira. Com sua franqueza habitual, abordou ângulo que gerou mal entendido:
— Eu disse que seria maravilhoso se os brasileiros adotassem, em suas vidas, a mesma dedicação e disciplina aplicadas ao Carnaval das Escolas de Samba. Vieram me cobrar. Dizer que eu estava defendendo a disciplina política, de governos. Não era isso. Eu me referia às pessoas em suas vidas cotidianas, não cobrava disciplina frente às instituições.
O artista decepcionou alguns dos presentes à coletiva ao assegurar que vai subir no carro alegórico sem maquiagem ou fantasias.
— Serei eu mesmo, simples. Ocuparei o carro por todo o desfile, sem carregar fantasia pesada, pois seria exaustivo. Mas estou cumprindo as obrigações de uma pessoa que aceitou, feliz, ser tema-enredo de uma agremiação carnavalesca. Já estive com a presidente da Escola e com a comissão de Carnaval. Teremos ainda três encontros até o desfile, vão me mostrar o samba-enredo que irá para a Avenida. Claro! (brinca), que vou dizer que gostei.
A Revista de CINEMA fez duas perguntas a Ney Matogrosso, ambas ligadas ao audiovisual, razão de ser do Festival de Vitória:
— Você trabalhou com Joel Pizzini em “Caramujo Flor” (1989), tido como uns dos curtas mais inventivos do cinema brasileiro. Joel conta que vocês filmaram tanto, mas tanto, que você mesmo cobrou dele uso das imagens não-utilizadas na montagem final. Por isso, nasceu “Olho Nu”…
— Isso mesmo. O Rubens Corrêa faria o personagem, mas não pôde. Eu aceitei substituí-lo. E naquele momento tive tempo para fazer tudo que Joel queria. Andamos por todo o Pantanal. Não havia um roteiro fechado. A ideia era mostrar três aspectos da personalidade do poeta Manoel de Barros, razão de ser do filme. Fomos parar no “Mar dos Xaraés”, um lago imenso de água salgada. Existe uma lenda de que esse lago já foi mar. Suas águas salgadas atraem animais feridos. Eles as procuram para curar as feridas. O sal ajuda! Sobrou tanto material dessas filmagens que o reaproveitamos no longa documental “Olho Nu”, feito muitos anos, décadas, depois (2014).
— No filme ficcional “Cazuza, o Tempo Não Para” (2003), você nem é citado. Já em “Homem com H” (2025), também ficcional, sua relação com Cazuza ocupa espaço significativo. Nesse exato momento, no documentário “Cazuza, Boas Novas“, em cartaz nos cinemas, você dá seu testemunho e conta história tocante de show do artista para o qual você criou uma cruz de luzes brancas. Você se sente, agora, recompensado, depois da mágoa do filme da Sandra Werneck (parceria com Walter Carvalho)?
— Não se trata de mágoa. O que achei estranho foi a diretora me procurar, passar três ou quatro horas conversando comigo, colhendo material e, depois não usar nada no filme. Sobre “Homem com H” (disponível no streaming), repito o que já disse muitas vezes: tudo que está no filme do Esmir Filho aconteceu. Só pedi a ele uma coisa: que mostrasse somente o que fosse verdade. Já sobre o documentário (de Nilo Romero e Roberto Moret) e a sequência por você citada, deu-se o seguinte: Cazuza já estava muito fragilizado (pela Aids) e vinha fazendo coisas como ficar botando o pau para fora, enfiando cotonete… Como eu fui dirigir o show dele, tivemos uma conversa. Eu disse: “Vem cá! O que temos que fazer é mostrar seus pensamentos. Não precisa ficar fazendo essas coisas”. Resolvemos mostrar ‘O Tempo Não Para’ de outra forma. No encerramento do show. E quando você cantar ‘Blues da Piedade”, eu vou jogar luzes brancas, em forma de cruz, projetadas sobre as suas costas. De forma que o público tivesse a imagem da crucificação dele. Algo metafísico, simbólico. O pai dele, o João (Araújo), foi a única pessoa que entendeu. Ele veio me dizer: “Você conseguiu algo transcendental”. Foi minha intenção, eu respondi.
No final da concorrida coletiva, Ney Matogrosso confirmou ao repórter Ismaelino Pinto, do Pará, que irá a Belém para a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climática 2025).
— “Trata-se de um acontecimento muito importante e eu estarei lá. Cuidar da Natureza é uma obrigação de todos. Não sei precisar o que farei lá, só digo que irei cheio de amor para dar, pois a Natureza, os rios, as florestas me interessam desde pequeno e cada vez mais. Planto cada vez mais árvores e já soltamos, em área de soltura por nós criada, mais de 10 mil animais”.

Pingback: news-1753398949303-21051 – News Conect Inteligencia Digital