A constitucionalidade da nova lei de TV por assinatura

Promulgada recentemente, a Lei 11.2485/2011 regulamenta os artigos da “comunicação social” da Constituição de 1988 e é aprovada quase 23 anos após a promulgação da mesma. Podemos arriscar dizer que este foi o tema que mais demorou a receber a devida atenção e prioridade do Parlamento, tanto que alguns juristas chegaram a impetrar ação direta de inconstitucionalidade por omissão do legislador na tentativa de pressionar que tivéssemos um posicionamento do Congresso Nacional.

Trata-se de uma lei inovadora, pois regulamenta a atividade de televisão a cabo, independentemente da tecnologia de transmissão, fazendo com que a ação regulamentar do Estado não seja obstada pelas alterações tecnológicas; define regras para a participação das empresas de telecomunicações na oferta de conteúdo audiovisual aos assinantes de telefonia, ao mesmo tempo em que cria algumas barreiras para evitar a monopolização e a integração vertical entre empresas da cadeia produtiva do audiovisual (produção e distribuição) no segmento de acesso condicionado; estabelece quotas mínimas de conteúdo audiovisual produzido no Brasil, com o objetivo de fomentar a indústria de produção de conteúdo audiovisual.

Em termos de política pública, a proposta complementa a exitosa política de Estado para o desenvolvimento da indústria audiovisual nacional mediante a injeção de subsídios diretos e indiretos a essa atividade (incentivos fiscais ao audiovisual e subsídios públicos mediante investimentos com retorno do capital investido), a qual foi responsável pela retomada do cinema nacional (que atingiu uma porção inédita de market share em 18% face do cinema estrangeiro no ano de 2010), pois de nada adianta o Estado injetar recursos para a produção de conteúdo audiovisual nacional se não houver espaço para a exibição pública desse conteúdo.

Por tudo isso é de fundamental importância que sejam desfeitos alguns mitos: a lei não representa censura governamental ou interferência no conteúdo pelo Executivo e as quotas para o conteúdo nacional (as quais, diga-se de passagem, são temporárias – pois vigem apenas por 12 anos) nem de longe se assemelham à reserva de mercado para a indústria de informática.

Ao contrário, a norma concretiza o mandamento constitucional para a ação regulamentar do Estado na área de comunicação social: a produção e a programação de televisão deverão dar “preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” e promover a “cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação”. Não há que se falar, portanto, que a política de quotas de conteúdo nacional viola a liberdade de expressão, uma vez que tal política ampliará a diversidade de conteúdo em exibição. Nesse sentido, a política de quotas é afirmativa do princípio constitucional da liberdade de expressão e não limitadora dessa liberdade.

A interferência do Estado, nos termos estabelecidos pelo art. 221 da Constituição, através da regulação estabelecida na lei aprovada, é requisito para que se atinja o objetivo constitucional. Ademais, também não procedem as críticas de que haverá interferência indevida do Estado no conteúdo e na atividade econômica do audiovisual em razão das atribuições que o projeto aprovado delega à Agência Nacional de Cinema – Ancine. O projeto de lei aprovado contém limites bem delineados à ação regulamentar das agências. A competência atribuída à Ancine consiste basicamente em fiscalizar o cumprimento dos requisitos legais pelas empresas, inclusive no que se refere à qualificação como conteúdo brasileiro e empresa produtora, programadora ou empacotadora brasileiras, não havendo espaço para a discricionariedade da agência na interpretação dos conceitos estabelecidos na lei. Pode-se dizer, inclusive, que a atuação da Ancine na fiscalização do cumprimento da lei consistirá praticamente na sua totalidade no exercício de regulamentação de mandamentos legais, ou seja, respeitando-se os limites impostos pelo Legislativo.

Se esses não fossem argumentos suficientes para compelir o Poder Legislativo a estabelecer uma política de quotas para a preservação de espaço de exibição para o conteúdo nacional e a assegurar a diversidade de conteúdos à disposição do telespectador brasileiro, a Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio de 2002, acrescenta o atual parágrafo 3º no artigo 222 que dispõe: “Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais” (grifo nosso).

Por fim, o Brasil, ao assinar a Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto Legislativo n. 485, de 20/12/2006), obrigou-se a estabelecer uma política que preserve e fomente a diversidade cultural e regional. Portanto, a política de quotas estabelecida no projeto de lei aprovado não faz mais do que implementar esse objetivo constitucional do Estado brasileiro e o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao aderir à Convenção da Diversidade Cultural.

Não resta dúvida de que a partir da promulgação da referida lei mais empregos serão gerados, mais filmes e séries de televisão serão produzidos, mais diversidade será colocada na tela do brasileiro. O jogo parece bom para todos os agentes, ainda mais com a fartura de instrumentos de fomento para financiamento à conteúdo audiovisual disponíveis, onde ganham todos: o mercado cultural brasileiro, as empresas e, principalmente, o cidadão de nosso país.

 

Fábio de Sá Cesnik e Rodrigo Kopke Salinas são advogados sócios do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados,especializado em mídia, entretenimento e terceiro setor.

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