A narrativa a serviço do roteiro cinematográfico

Nesta quinta parte da sequência de artigos sobre a narrativa a serviço do roteiro cinematográfico, continuamos a nossa seleção de elementos que forma esse “corpo narrativo”, em dois níveis, o do discurso e o da história. Temos, portanto, elementos de ordem temporal e estrutural na narrativa, que podem corresponder às estruturas do roteiro cinematográfico.

A Sequência, por exemplo, que pertence ao nível do discurso, é um dos elementos de maior combinação em todos os textos narrativos, independente de ser cinema ou roteiro, a sequência tem a mesma ordem temporal. O roteiro é formado por sequências de tempo e espaço. A sequência é fundamental em um roteiro para a divisão da história. Um roteiro com duração de 90 minutos, por exemplo, possui em média 200 sequências fílmicas. Essas sequências são subdivididas em cenas, e as cenas em falas e ações. No roteiro, como no cinema, o espaço é tempo. Esse número de sequências varia dependendo da quantidade de locações e situações existentes na história, ritmo e velocidade de seu discurso. Assim como varia a ideia de que cada página escrita corresponde a um minuto de tempo real, porque tudo no texto do roteiro é descritivo. No roteiro, uma cena que tenha duração já é uma sequência. Essa sequência mínima forma uma sequência fílmica, e um bloco dessas sequências formam atos, e estes atos, enfim, formam uma sequência apenas, totalizando 90 minutos de duração. Esses 90 minutos marcam a duração apenas dos discursos, no plano da história o tempo é outro.

Para alguns teóricos, uma sequência ideal (como um ato na estrutura dramática) é formada por, no mínimo, cinco proposições narrativas. Uma narrativa ideal começa por uma situação estável que uma determinada força vem perturbar. Daí resulta um estado de desequilíbrio, e pela ação de uma força dirigida em sentido inverso o equilíbrio é estabelecido. Este estudo vai além da simples sequência fílmica, de tempo e locação, para elementos mais consistentes na organização das histórias por suas sequências narrativas. Um tipo de estudo muito mais detalhado e eficaz do que simplesmente dividir o roteiro em atos sequenciais (como ter três atos) ou truques como pontos de virada da história. E será através da extensão dessas sequências, se curtas ou longas, que o ritmo e a velocidade do filme serão definidos.

Considero a Focalização um dos principais elementos de formação da narrativa do roteiro e do audiovisual. O termo focalização, que está na ordem do discurso, é o que costumamos chamar de “ponto de vista”. Existem variados tipos de focos, e todos eles são determinantes na construção do roteiro. O foco pode ser interno, um momento de observação de um personagem para outro, externo, oculto ou de um narrador. No nível da história, o foco narrativo pode ser um dos instrumentos do percurso do sujeito, da forma como ele vê e é visto pela história. Para alguns teóricos, a focalização trata simplesmente do momento de observação de um personagem pelo outro, e pode ser dividida em três formas, a focalização externa, onisciente e interna, e é considerada um procedimento essencial das estratégias de representação que regem a configuração discursiva da história. O principal foco narrativo de “Estômago” é em primeira pessoa, do personagem principal, enquanto que em “Central do Brasil”, o foco é centrado entre os dois personagens principais, o que um vê no outro.

No nível da história, o elemento de análise do texto chamado Isotopia tem uma função ainda muito importante que merece ser mais estudada. O termo isotopia foi introduzido na narrativa por A. J. Greimas. Segundo ele, a isotopia designa a recorrência, ao longo do texto, de categorias semânticas abstratas ou figurativas. Consiste, fundamentalmente, na reiteração sintagmática de elementos semânticos idênticos, contíguos ou equivalentes. Isotopia é uma repetição. Ocorre em vários níveis e não pode ser confundida como redundância. Será fácil identificar as inúmeras isotopias nos textos dos roteiros de “Estômago”, a começar pela própria comida, como ela é repetidamente representada, e de “Central do Brasil”, cuja isotopia se encontra no campo do sentido, da busca do garoto por seu pai. As isotopias se processam no plano do conteúdo, portanto, da diegese, no plano da história.

 

Hermes Leal é escritor e documentarista, mestre em Cinema pela ECA/USP, doutorando em Semiótica também na USP, e autor do romance “Faca na Garganta” e da biografia “O Enigma do Cel. Fawcett”, entre outros livros.

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