Consultas públicas para a regulamentação da Internet no Brasil: uma oportunidade para o setor audiovisual

Ao final de janeiro, foram abertas duas consultas públicas pelo Ministério da Justiça, através da plataforma “Pensando o Direito”. O Ministério busca a participação da sociedade para a elaboração do decreto responsável por regulamentar a Lei n° 12.965/2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, e do anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais. É estreita a relação existente entre a indústria audiovisual e a internet, uma vez que a distribuição das obras está se consolidando na via digital. É necessário estar atento às novas regras e ao que ainda está pendente de definição.

Entendido por muitos como a Constituição da Internet, o Marco Civil, embora vigente, não tratou de maneira exaustiva todos os seus temas. Vários aspectos, como as possibilidades de degradação de tráfego e os termos da guarda de registros de acessos pelos provedores de aplicações, devem ser tratados pela via do decreto regulamentador, segundo as próprias previsões da Lei n° 12.965/2014. O próprio Marco Civil dispõe, por exemplo, que uma nova lei, mais específica, deveria tratar sobre a proteção de dados pessoais.

Essas consultas foram prorrogadas e estão abertas para o público em geral até o dia 31 de março para o decreto e dia 31 de abril para o anteprojeto, sendo apenas necessário o cadastro na plataforma.

Nota-se uma tendência crescente do Governo Federal de instaurar mecanismos de participação quando da elaboração de normas e decretos. O mesmo foi realizado pelo MEC e pela Secretaria Geral da Presidência em casos recentes, sobre Orientações Curriculares da Educação Infantil e o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, respectivamente. Nas palavras da Professora Maria Paula Dallari Bucci, a ordenação jurídica das relações do Estado com a sociedade deve ser orientada para que decisões importantes sejam sempre mediadas pelo diálogo social, com algum grau de formalização.

Embora o Brasil não possua normas federais que obriguem o Poder Executivo a submeter a redação de decretos e a implementação de políticas públicas à população previamente à sua criação, a tendência tem se consolidado.

Nesse cenário, as consultas públicas se colocam como excelentes possibilidades de exercício da democracia direta pelos interessados, sendo uma chance de influenciarem no processo decisório, este especificamente, sobre as regras da rede.

O Marco Civil determinou a neutralidade de rede como regra. Porém, suas exceções deverão ser estabelecidas através do decreto administrativo decorrentes de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência.

Assim, de modo a garantir a isonomia dos pacotes de dados e evitar que empresas fornecedoras de conexão reduzam a velocidade de download e streaming de conteúdos, é importante que a sociedade civil faça pressão para que as exceções criadas sejam claras e específicas, coibindo discriminações injustificadas de tráfego.

Por outro lado, o anteprojeto de Lei de Proteção aos Dados Pessoais, caso aprovado, afetará qualquer empresa que possua um modelo de negócios online. O anteprojeto de lei é responsável por criar um regime jurídico para o tratamento de dados, que regula grande parte das relações públicas, comerciais e pessoais que podem surgir a partir da sua transmissão na internet.

O anteprojeto coloca como requisito para o tratamento de dados o consentimento livre, expresso, específico e informado do titular, que deverá se referir a finalidades determinadas, sendo vedadas autorizações genéricas. Se aprovada nesses termos, a lei exigirá das empresas um esforço de compliance para observância das regras de guarda de informações e responsabilização, bem como a adaptação dos contratos de adesão.

Num momento em que o marketing digital, a comunicação ou interconexão de dados a terceiros tem se mostrado uma relevante fonte de recursos para os empreendedores da rede, a abertura do diálogo pelo Ministério não pode ser desperdiçada. Não há dúvidas de que há muito o que se debater a respeito das regras de consentimento, responsabilização e transparência, de forma a atingir uma norma capaz de resguardar os direitos dos titulares, sem gerar um ônus excessivo às empresas.

 

Por Ana Carolina Paulon Capozzi, advogada do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados | www.cqs.adv.com.br

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