“Love Affair(s)” é o recordista de indicações aos Prêmios Cesar

Por Maria do Rosário Caetano

Sem Catherine Deneuve, sem Isabelle Huppert, sem Juliette Binoche. A ausência das três mais festejadas estrelas do cinema francês na lista de finalistas aos Prêmios Cesar virou motivo de brincadeiras e lamentos nas redes sociais.

Binoche, já premiada com o Oscar, até gravou vídeo bem-humorado, no qual rimou Cesar (cesárrr) com bizarre. Está disponível no YouTube. O cineasta Jean-Paul Salomé, que concorre a melhor roteiro por “La Daronne” (“La Padrina – Parigi Ha Una Nuova Regina”, para os italianos, e “Mamma Weed, para os norte-americanos), também recorreu às redes sociais. O fez para externar seu desapontamento com a ausência de Isabelle Huppert, protagonista absoluta de sua comédia, na categoria melhor atriz. “Sem ela”, escreveu, “nosso roteiro não existiria, não seria nada”.

Em tempos de pandemia (e de entrega virtual do Cesar), com os ânimos bem mais serenos que em fevereiro do ano passado, a festa acontecerá em Paris, nessa sexta-feira, 12 de março.

Em 2020, a imprensa internacional, que só se interessa pelo Oscar e pelo Globo de Ouro, até voltou seus olhos à Noite dos Cesar. Afinal, o cineasta franco-polonês Roman Polanski era o recordista de indicações com “O Oficial e o Espião” (J’Accuse”), seu drama sobre o Caso Dreyfuss.

O fato da Academia colocar Polanski no centro nevrálgico de sua festa causou imensa revolta entre as feministas francesas. Com cartazes agressivos e declarações idem, elas moveram a mais feroz das campanhas contra o autor de “Repulsa ao Sexo”. Queriam anular, além do diretor, qualquer prêmio atribuído ao filme.

Os troféus entregues presencialmente foram, pois, cercados de protesto e confusões. O clima esquentou tanto nos bastidores do “Oscar francês”, que sobrou para o comando da Academia, acusado de retrógrado e compelido, a entregar seus cargos em meses vindouros (foram entregues?).

Os acadêmicos, porém, não se dobraram. O ausente Polanski ganhou o Cesar de melhor diretor e só perdeu o prêmio principal para um concorrente jovem e vigoroso: “Os Miseráveis”, do afro-francês Ladj Ly.

Este ano, a cerimônia anuncia-se, além de tranquila, bem menos estrelada. A ausência de indicações às onipresentes Deneuve-Huppert-Binoche se faz acompanhar da falta de nomes famosos. Seja na direção ou nos elencos.

François Ozon é o único reconhecido, internacionalmente, entre os metteur-en-scène. Lambert Wilson é conhecido por alguns e concorre a melhor ator, por “De Gaulle”. Louis Garrel, o belo astro do novo (já nem tão novo assim) cinema francês, disputa o Cesar de coadjuvante por “DNA”, da atriz-diretora Maïwenn. Entre as atrizes, dois destaques: Fanny Ardant (também por “DNA”) concorre a coadjuvante; estrela cult, mas germânica, Barbara Sukowa disputa o Cesar de protagonista dos filmes de Margarethe von Trotta e Fassbinder. Ela vive amor homoafetivo em “Nós Duas”, indicado pela França ao Oscar de melhor filme internacional (está entre os 15 semifinalistas). Sua parceira cinematográfico-amorosa é interpretada por Martine Chevallier, da Comédie Française, mesmo assim pouco conhecida fora dos limites da França.

Os cinco filmes que mais indicações receberam para a Noite dos Cesar, esse ano, são “Love Affair(s)” ou “Les Choses qu’On Dit, les Choses qu’On Fait”, de Emmanuel Nouret (13), “Adieu les Cons”, de Albert Dupontel, e “Verão de 1985”, de Ozon (com 12 cada um) e “Minhas Férias com Patrick”, de Caroline Vignal (com 8).

O quinto título mais destacado da temporada é um documentário, “Adolescentes”, de Sebastien Lifshitz. Recebeu seis indicações, o que constitui fenômeno notável para uma obra de não-ficção. Afinal, por sua natureza, está automaticamente fora de categorias como atores/atrizes (protagonistas, coadjuvantes, revelações), figurino, direção de arte etc. Mas cravou vaga como melhor filme e melhor documentário, mais direção, fotografia, montagem e “Escolha do Estudantes” (nesta categoria, o voto é dado por jovens alunos de escolas francesas).

Na categoria melhor filme de animação, um favorito se destaca – “Joseph”, de Aurel (como ano passado destacou-se “Eu Perdi meu Corpo”, de Dan Lévy, finalista ao Oscar). A estreia do cartunista Aurel no cinema resultou em belo trabalho. O filme acompanha, ao longo de 80 minutos, a trajetória de Joseph Bartoli, famoso ilustrador catalão, que lutou na Guerra Civil Espanhola, exilou-se em campos de refugiados na França e imigrou para o México (onde manteve affair com Frida Kahlo).

A lista de candidatos a melhor filme estrangeiro na Noite dos Cesar traz, como sempre, forte presença norte-americana (duas das cinco vagas). Um dos filmes tem gosto de “dejá vu” para os brasileiros – “1917”, de Sam Mendes. Parece-nos muito distante, já que esteve na festa do Oscar de 13 meses atrás. O outro título oriundo dos EUA é o excelente, pouco festejado e politizado “O Preço da Verdade”, de Todd Haynes. Com Mark Ruffalo e Tim Robbins no elenco, essa produção estadunidense merecia muito mais público e reconhecimento que o recebido por aqui. Na França, sua valorização foi bem mais significativa.

Entre os filmes indicados pelo Cesar em poucas (uma ou duas) categorias, vale destacar “Lindinhas”, de Maïmouna Doucouré, que entre nós foi motivo de escândalo, pois a ministra Damares, fundamentalista religiosa, fez campanha (felizmente mal-sucedida) para que ele fosse retirado da grade da Netflix. Já “Arab Blues ( “Um Divã na Tunísia”), de Manele Labidi, já tem estreia garantida em nossos cinemas pela Imovision, de Jean-Thomas Bernardini.

Entre os intérpretes, prestem atenção em Jonathan Cohen, que concorre a melhor ator pela ousada comédia “Enorme”, e em Julia Piaton, candidata a “revelação” por “Love Affair(s)”. Esta dupla está no elenco principal da série “Flagrantes de Família”, grande sucesso francês da Netflix. E aguardem o lançamento de “Les Choses qu’On Dit, les Choses qu’On Fait”, que será realizado, entre nós, pela Pandora de André Sturm, com seu sintético título internacional “Love Affair(s)”.

Um registro final: a coprodução franco-brasileira “Wasp Network” só recebeu uma indicação ao Cesar: a de melhor roteiro adaptado (pelo diretor Olivier Assayas). O autor do notável “Carlos” condensou o livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do mineiro Fernando Morais, disputou o Leão de Ouro em Veneza, fez boa figura na Netflix, mas não entusiasmou os acadêmicos franceses.

OS INDICADOS AO CESAR

Melhor filme

. “Love Affair(s)”, de Emmanuel Nouret
. “Adieu les Cons”, de Albert Dupontel
. “Adolescentes”, de Sebastien Lifshitz
. “Verão de 1985”, de François Ozon
. “Minhas Férias com Patrick”, de Caroline Vignal

Melhor documentário

. “Adolescentes”, de Sebastien Lifshitz
. “Histoire d’un Régard”, de Mariana Otero e Denys Freyd
. “Cyrille, Agriculteur, 30 Ans, 20 Vaches, du Lait, du Beurre”, de Rodolphe Marconi e Éric Hannezo
. “O Monopólio da Violência”, de David Dufresne e Bertrand Faivre
. “The Tie”, de Mathias Théry, Étienne Chillou

Melhor direção

. Maîwenn (“DNA”)
. Emmanuel Nouret (“Love Affair(s)”)
. François Ozon (“Verão de 85”)
. Albert Dupontel (“Adieu les Cons”)
. Sebastien Lifshitz (“Adolescentes”)

Melhor filme de diretor estreante

. “Lindinhas”, de Maïmouna Doucouré
. “Um Divã na Tunísia” (Arab Blues), de Manele Labidi
. “Nós Duas”, de Filippo Meneghetti
. “Sou Francês e Preto”, de Jean-Pascal Zadi
. “My Best Part”, de Nicolas Maury

Melhor longa estrangeiro

. “Druk – Mais uma Rodada”, de Thomas Vinterberg (Dinamarca)
. “A Virgem de Agosto”, de Jonas Trueba (Espanha)
. “Dark Waters – O Preço da Verdade”, de Todd Haynes (EUA)
. “1917”, de Sam Mendes (EUA)
. “Corpus Christi”, de Jan Komasa (Polônia)

Melhor filme de animação

. “Joseph”, de Aurel
. Le Petir Vampire”, de Joan Sfar
. Calamity, une Enfance de Martha Jane Cannary”, de Rémi Chayé

Melhor atriz

. Martine Chevallier (Nós Duas)
. Barbara Sukowa (Nós Duas)
. Virginie Efira (Adieu les Cons)
. Camélia Jordana (Loves Affair(s))
. Laure Calamy (Minhas Férias com Patrick)

Melhor ator

. Lambert Wilson (De Gaulle)
. Jonathan Cohen (Enorme)
. Albert Dupontel (Adieu les Cons)
. Sami Bouajila (Un Fils)
. Niels Schneider (Love Affair(s))

Melhor atriz coadjuvante

. Fanny Ardant (DNA)
. Emilie Dequenne (Love Affair(s))
. Noémie Lvobsky (A Boa Esposa)
. Yolande Moreau (A Boa Esposa)
. Valeria Bruni Tedeschi (Verão de 85)

Melhor ator coadjuvante 

. Louis Garrel (DNA)
. Vincent Macaigne (Love Affair(s))
. Édouard Baer (A Boa Esposa)
. Nicolas Marié (Adieu les Cons)
. Benjamin Lavernhe (Minhas Férias com Patrick)

Melhor “espoir” (promessa) feminina

. Fathia Youssouf (Lindinhas)
. Melissa Guers (A Garota da Pulseira)
. India Hair (Fishlove)
. Camille Rutherford (Felicidade)
. Julia Piaton (Love Affair(s))

Melhor “espoir” (promessa) masculina

. Jean-Pascal Zadi (Sou Francês e Preto)
. Benjamin Voisin (Verão de 85)
. Félix Lefebvre (Verão de 85)
. Alexandre Wetter (Madame)
. Guan-Ho (Night Ride)

Melhor roteiro original 

. Emmanuel Nouret (Love Affair(s))
. Caroline Vignal (Minhas Férias com Patrick)
. Albert Dupontel (Adieu les Cons)
. Filippo Meneghetti e Malysone Bovorasmy (Nós Duas)

Melhor roteiro adaptado

. Olivier Assayas (Wasp Network)
. François Ozon (Verão de 85)
. Benoît Delépine e Gustavo Kerven (Apagar o Histórico)
. Stéphane Demoustier (A Garota da Pulseira)
. Éric Barbier (Small Country: An African Childhood)
. Hannelore Cayre e Jean-Paul Salomé (La Daronne)

Melhor fotografia

. Laurent Desmet (Love Affair(s))
. Paul Guilhaume (Adolescentes)
. Antoine Parouty (Adolescentes)
. Simon Beaufils (Minhas Férias com Patrick)
. Alexis Kavyrchine (Adieu les Cons)

Melhor montagem

. Tina Baz le Gal (Adolescentes)
. Martial Solomon (Love Affair(s))
. Laure Gardette (Verão de 1985)
. Christophe Pinel (Adieu les Cons)
. Annette Duterte (Minhas Férias com Patrick)

Melhor música original

. Jean-Benoît Dunckel (Verão de 1985)
. Matei Bratescot (Minhas Férias com Patrick)
. Rone (La Nuit Venue)
. Christophe Julien (Adieu les Cons)
. Stephen Warbeck (DNA)

One thought on ““Love Affair(s)” é o recordista de indicações aos Prêmios Cesar

  • 11 de março de 2021 em 01:29
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    Só passei para exaltar a Ministra Damares, até logo!

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