Bafta consagra “Nomadland”, “Druk”, “Professor Polvo” e “Soul”
Por Maria do Rosário Caetano
Existe um prêmio, o Bafta, que mantém profundas e históricas afinidades com o Oscar de Hollywood. Afinidades bem maiores que as do Globo de Ouro, atribuído pelos Correspondentes Estrangeiros radicados nos EUA.
Menos badalado que a estatueta dourada, o Bafta, conhecido como o “Oscar inglês”, é atribuído há 74 anos pela Academia Britânica de Artes do Cinema e da Televisão. Se não contasse com um segmento dedicado aos filmes produzidos no Reino Unido, as similaridades seriam ainda maiores.
A septuagésima-quarta cerimônia do Bafta, que aconteceu on-line, consagrou “Nomadland” como melhor filme, a sino-americana Chloé Zoe, pela melhor direção, Frances McDormand, como melhor atriz, e Joshua James Richard, pela melhor fotografia. Só prêmios de peso. São altíssimas as chances do drama social de Zoe, com seus personagens errantes (em busca de trabalho temporário), triunfar no Oscar.
O melhor filme estrangeiro foi “Druk – Mais uma Rodada”, do dinamarquês Thomas Vinterberg, que deve repetir igual desempenho na noite do Oscar (no próximo dia 25). O entusiasmo da Academia de Hollywood pela vigorosa comédia dramática escandinava colocou seu realizador, um dos signatários do manifesto Dogma 95, entre os cinco profissionais que concorrem à estatueta de melhor diretor.
O Bafta de melhor filme britânico coube à feroz trama feminista “Bela Vingança”, de Emerald Fennell (premiada também pelo melhor roteiro original). O troféu de melhor documentário coube à dupla Pippa Erlich e James Reed, por “Professor Polvo”, disponível na Netflix. O filme, que parecia um azarão, vem abrindo clareiras, a cada dia que passa.
O melhor longa de animação escolhido pelo Bafta é barbada na noite do Oscar – o black-music “Soul”, de Pete Docter. Sua equipe carreou outra láurea de peso, a de melhor trilha sonora (de Jon Batiste, Trent Reznor e Atticus Ross). O protagonista dessa animação estadunidense é um modesto professor de música, negro e amante do jazz. Ele sonha em fazer carreira como os grandes jazzistas afro-americanos, aqueles que fertilizaram uma das mais potentes manifestações culturais de seu país.
Anthony Hopkins, britânico até a medula e ator de talento inquestionável, venceu em sua categoria (pelo drama “Meu Pai”, no qual interpreta um homem em idade senil). No Oscar, sua nacionalidade não pesará tanto e o vencedor deve ser Chadwick Boseman, por seu poderoso desempenho em “A Voz Suprema do Blues”. O astro black, que morreu prematuramente aos 43 anos e depois de conquistar fama planetária com “Pantera Negra”, está arrasador na pele de um músico revoltado.
“Mank”, de David Fincher, que ao estrear meses atrás na Netflix, causou furor com seu retrato da Hollywood dos anos de ouro, vai perdendo gás a cada nova oportunidade. Sua trama povoada por Herman J. Mankiewicz e Orson Welles (roteiristas de “Cidadão Kane”, embora “Mank” tome partido do primeiro), Marion Davies e o multimilionário W.R. Hearst, perdeu, no Bafta, até na categoria roteiro (de Jack Fincher, pai de David) e fotografia. Seus produtores e realizadores tiveram que contentar-se com o Bafta de direção de arte e design de produção.
Depois de duras críticas por ignorar artistas negros, o Bafta alterou suas regras e quebrou sua marca profundamente Wasp (white, anglo-saxon, protestant). Dessa vez, os britânicos abriram espaço para concorrentes de pele preta. E premiaram Daniel Kaluuya, por “Judas e o Messias Negro”, como melhor coadjuvante, e “A Voz Suprema do Blues”, pelo melhor figurino e melhores cabelo e maquiagem. Não se pode esquecer “Soul”, uma animação de alma black.
Os orientais também tiveram vez. Além da chinesa (radicada nos EUA) Chloé Zoe, eleita melhor diretora, o prêmio de melhor atriz coadjuvante ficou com a coreana Yuh-Jung Youn, a divertida vovó de “Minari”, produção norte-americana, dirigida e protagonizada por conterrâneos de Bong “Parasita” Joon-ho.
A produção britânica “O Som do Silêncio”, encabeçada pelo cantor e ator Riz Ahmed, inglês de origem paquistanesa, levou dois troféus Bafta – melhor montagem (Mikkel Nielsen) e melhor som.
No campo das homenagens, dois nomes foram lembrados – o taiwanês Ang Lee, de 66 anos, autor de filmes como “O Tigre e o Dragão”, “O Segredo de Brokeback Mountain” e “ As Aventuras de Pi”, e Noel Clarke, este por sua trajetória e contribuição ao cinema britânico. Clarke, de 45 anos, é ator, diretor e produtor black. Camadas geológicas se movem no antigo império, que chegou a dominar um quarto do planeta, dando origem à máxima “O sol nunca se põe no Império Britânico”.
A cerimônia de premiação prestou homenagens ao Príncipe Philip, marido da Rainha Elizabeth II, primeiro presidente da Academia Britânica de Artes do Cinema e da Televisão, que morrera dias antes, aos 90 anos.
Confira os premiados:
. “Nomadland” (EUA) – melhor filme, direção (Chloé Zhao), atriz (Frances McDormand), fotografia ( Joshua James Richard)
. “Meu Pai” (Inglaterra) – melhor ator (Anthony Hopkins), roteiro adaptado (Christopher Hampton e Florian Zeller)
. “Bela Vingança” (Inglaterra) – melhor filme britânico, roteiro original (Emerald Fennell)
. “Soul” (EUA) – melhor longa de animação, trilha sonora original
. “A Voz do Silêncio” (Inglaterra – melhor montagem (Mikkel Nielsen) e melhor som
. “A Voz Suprema do Blues” (EUA) – melhor figurino, melhor cabelo e maquiagem
. “Rocks” (Inglaterra) – melhor elenco coletivo, melhor intérprete revelação (Bukky Bakray)
. “Mank” (EUA) – melhor direção de arte, melhor design de produção
. “Judas e o Messias Negro” – melhor ator coadjuvante (Daniel Kaluuya)
. “Minari” (EUA) – melhor atriz coadjuvante (Yuh-Jung Youn)
. “His House” – melhor estreia de roteirista, diretor ou produtor britânico
. “Druk – Mais uma Rodada” (Dinamarca) – melhor filme em língua não-inglesa
. “Professor Polvo” (África do Sul) – melhor documentário
. “Tenet” – melhores efeitos visuais
. “The Present” – melhor curta britânico
. “The Owl and the Pussycat” – melhor curta de animação