Tolstoi e esgrimista medalha de ouro são destaques de festival russo

Por Maria do Rosário Caetano

O escritor Liev Tolstoi e esgrimistas medalha de ouro na Olimpíada do Rio são as principais atrações da segunda edição do Festival Roskino de Cinema Russo, que estreia, em versão on-line, nessa quinta-feira, 16 de setembro, em todo território brasileiro. Até 10 de outubro, oito longas-metragens de diferentes gêneros, serão disponibilizados, gratuitamente, pela Spcine Play.

Todos os títulos selecionados são inéditos no Brasil e somam um documentário, uma animação infanto-juvenil e seis ficções. Como no ano passado, há filmes históricos, policiais, dramas e comédia. A seleção inaugural (a de 2020) era mais forte e trazia filmes premiados em festivais internacionais de primeira linha. Esse ano, as produções parecem buscar fruição mais fácil. Ou seja, os russos querem buscar diálogo com públicos mais amplos e não apenas com cinéfilos, aqueles que se educaram com imagens de Eisenstein, Pudovkin, Vertov, Dovchenko, Kozintsev e Trauberg.

Um dos títulos selecionados – “A História de uma Luta” – deve chamar atenção dos que se interessam pela grande literatura do país eslavo. Já “Masha”, ambientado nos anos 1990, vai fascinar aqueles que se interessam pela turbulenta era Yeltsin. Ou seja, aquele momento que sucedeu o fim da URSS, instituída pela Revolução Bolchevique, com a retomada da Federação Russa. Anos em que riquezas estatais foram privatizadas indo parar nas mãos de oligarcas. E o crime organizado desenvolveu-se em terreno fértil.

Os devotos dos romances, peças e poemas de criadores da grandeza de Tolstoi, Dostoiewski, Tchekov e Puskin decerto se interessarão por “A História de uma Luta” (“The Story of an Appointment”, 2018, 112 minutos). O Conde Liev Nikolaevitch Tolstoi (1828-1910) é um dos personagens desse drama histórico dirigido por Avdotia Smirnova. Mas não o protagonista. Essa função cabe ao jovem tenente Grigory Kolokoltsev, que chega, vindo de Moscou, para desempenhar suas funções em Regimento de Infantaria.

Os militares fiéis ao czar atuam próximo à famosa dasha (casa de campo), onde Tolstoi, já escritor reconhecido, vive com a família. O jovem tenente está impregnado por ideias avançadas. No Regimento, no qual ocorrerá um “crime de guerra”, ele será confrontado com ideário bem diferente, baseado em ordenamentos de rigor inimaginável. O soldado, sobre cujos ombros recairá a culpa pelo “crime”, enfrentará um tribunal militar.

O tenente Kolokoltsev, para impedir a pena de morte que, inevitavelmente será aplicada ao soldado, se ele for condenado, pede ajuda ao Conde Tolstoi, já então um humanista ocupado com seus livros e proteção de inocentes. Baseado em eventos reais, o drama da cineasta Avdotia Smirnova mostrará a complexidade das escolhas humanas e como é difícil defender ideais. À frente do elenco, um time de ótimos atores – Evgeni Kharitonov, Aleksei Smirnov, Filipp Gurevitch e Irina Gorbatchova.

“Masha” (2020, 84 minutos), um drama contemporâneo dirigido por Anastasiya Palchikova, ambienta-se no território da contravenção ligada ao boxe e a casas noturnas mal-afamadas. Masha, uma menina de 13 anos, cresce entre um ringue de boxe e as ruas de uma cidade russa provinciana, nos turbulentos anos 1990. Seus amigos mais próximos são jovens que matam, roubam, assaltam e são odiados por toda a cidade. Mas para a menina, de comportamento nada previsível, eles são fascinantes, compõem sua família. São pessoas que a amam e protegem.

Desde a infância, Masha, dona de bela voz, revela imenso interesse pelo jazz e sonha tornar-se cantora. Transformada em uma mulher muito bonita e sedutora, ela transfere-se para Moscou, deixando para trás sua cidade natal. Na capital russa, tentará, como jazz singer, começar uma nova vida. Conseguirá? Ou o passado a alcançará, obrigando-a a retornar ao lugar de origem ? No elenco, Maksim Sukhanov, Anna Chipovskaya, Polina Gukhman, Aleksandr Mizev. E muitos números musicais.

Dois outros filmes do festival russo têm o esporte como razão de ser – a ficção, baseada em fatos reais, “Na Ponta” (“On the Edge”) e o documentário “Lutas” (“Voy”). O primeiro há de interessar aos brasileiros, pois o palco de seu desfecho é o Rio de Janeiro, cidade-sede das Olimpíadas de 2016.

“Na Ponta”, péssimo título para um “capa-espada” moderno e feminista, traz a eficiente direção de Eduard Bordukov. Embora siga fielmente a cartilha do cinema-espetáculo e, às vezes, seja fashion demais, o filme envolve o espectador.

Bordukov escolheu, para protagonizar sua narrativa, duas atrizes de grande beleza. A busca de diálogo com plateias mais amplas nos faz pensar, em certos momentos, que estamos assistindo a sofisticados comerciais de carro ou eletrônicos de ponta. A trama – baseada na história real de duas esgrimistas russas (Sofya Velikaya e Yana Egoryan) – acaba se impondo. Por causa das liberdades narrativas, os nomes das atletas reais foram trocados.

Tudo é antitético nessa badalada e cara produção eslava. Alexandra Pokrovskaya, consagrada esgrimista (espadachin, se evocarmos essa luta-paixão francesa) é experiente, rica, veste-se com uma estrela de Hollywood, vive em bela residência, faz propaganda de produtos que a remuneram regiamente. E, em suas lutas, mostra seu sofisticado domínio técnico.

Kira Egorova novinha, destrambelhada, mora num muquifo, veste-se com um arremedo de trajes punk e é pura fúria. Ao lutar, mostra garra desmedida, mas não tem técnica. Para desespero do preparador, um homem duro, rigoroso e ultraexigente.

As duas integrarão a delegação de esgrimistas russas nas Olimpíadas. E terão que enfrentar as fortes candidatas francesas. A mais velha (34 anos) sonha em conquistar uma medalha olímpica. E o Rio de Janeiro é o cenário de sua última chance. A mais nova (19 anos) tem pelo menos quatro Olimpíadas pela frente. Mas avaria o joelho nas semanas que antecedem a viagem ao Brasil.

O que acontecerá às duas espadachins? Elas conseguirão enfrentar as francesas? Serão finalistas? Uma enfrentará a outra? Quem vencerá? A “coroa” conseguirá sua sonhada medalha de ouro? E a afoita espadachin de joelho avariado, mostrará que, mesmo sem a sofisticada técnica da colega, dispõe de fúria e juventude?

Aos espectadores, recomenda-se não seguir conselho que permeia os treinamentos das esgrimistas: “desliguem os sentidos e liguem os instintos”. Frente a um filme, o ideal é mantermos nossos sentidos ligados.

O elenco – Svetlana Khodchenkova, Stasya Miloslavskaya, Sergei Puskepalis e Alexey Barabash – rende bem nessa trama com lutas filmadas com expertise que nada fica a dever à grande indústria do entretenimento estadunidense. Os franceses, conterrâneos de D’Artagnan e seus mosqueteiros, devem ter sofrido muito nas disputas de esgrima de sabre levadas a cabo em solo carioca, cinco anos atrás.

O documentário “Lutas”, de Maxim Arbugaev, tem o futebol como tema. Não o de boleiros planetários (Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar), que substituíram os astros de mega-shows de rock e têm suas fotos coladas nas paredes de quartos adolescentes. Mas, sim, o futebol paralímpico, no qual todos os jogadores são cegos.

Em “Voy”, a seleção russa se prepara, sem descanso, para o evento mais importante de suas vidas, o Campeonato Europeu. Seus atletas querem ganhar a medalha de ouro e para tanto enfrentarão, sob ordens de dedicado treinador, obstáculos dos mais significativos. O resultado é uma história de superação, daquelas bem enternecedoras.

Outra história baseada em fatos reais é o drama edificante – mas não tolo – “Doutora Liza” (“Doctor Liza”, 2020, 120 minutos). Dirigido por Oksana Karas, o filme acompanha um dia na vida de Elizaveta Glinka, filantropa e fundadora do grupo de caridade Ajuda Justa. Ela pretente comemorar seus 30 anos de casada ao lado do marido, de origem estadunidense, dos filhos e de alguns amigos. Mas seu telefone não para de tocar. Liza necessita ir à ferroviária para alimentar os sem-teto. E mais, sua principal missão naquele dia consiste em visitar o Dr. Shevkunov, um grande amigo, para pegar morfina, que será dada a uma criança cancerosa em estado terminal.

A morfina, de uso ultracontrolado, pode incriminar a boa doutora. E também ao médico, caso ele lhe forneça a substância. Ela terá, então, que encontrar uma solução. E o fará, a seu jeito, mesmo com a polícia antidrogas de olho em suas ousadias cotidianas. No elenco, Andrey Burkovskiy, Chulpan Khamatova, Konstantin Khabenskiy.

“Sheena 667” (2019, 97 minutos) é um drama dirigido por Grigoriy Dobrygin, ambientado em Vyshny Volochyok, cidade de ruas e estradas esburacadas, coberta de neve e envolta em forte neblina. Na zona periférica, mora e trabalha o casal Olga e Vadim. Os dois têm pouco mais de trinta anos, são pessoas simples e sérias, que compartilham alegrias e tristezas um com o outro – até o momento em que surge na vida deles um intruso: a internet. No elenco, Yuliya Peresild, Vladimir Svirskiy, Jordan Frye, Yury Kuznetsov, Nadezhda Markina, Pavel Vorozhtsov.

“Parentes” (“The Relatives”, 2021, 100 minutos) é uma comédia dirigida por Ilya Aksyonov. O humor russo contagiará os brasileiros? Difícil saber num festival on-line. O elenco, numeroso, parece formado com humoristas famosos (Sergey Burunov, Irina Pegova, Sergey Shakurov, Semyon Treskunov, Liza Monetochka , Nikita Pavlenko, Katerina Bekker). Mas, para nós, todos são ilustres desconhecidos.

Além do humor, o filme aposta em outro ingrediente que costuma atrair o grande público – sucessos musicais. Mais uma vez, outra dificuldade. Desconhecemos as canções que movimentam a trama.

Tudo começa numa certa manhã, quando um pai de família decide realizar sonho de toda a vida: ir com esposa e filhos ao Festival Grushinsky para apresentar uma de suas composições musicais.

Os parentes são forçados a aceitar o desejo desse pai tirânico e embarcar em viagem por estradas e cidades russas. No caminho, enfrentarão aventuras e alguns desafios. Testarão os afetos que os unem (ou desunem). Até que chegue aquele momento pelo qual o pai esperou por vinte anos: cantar no grande palco do Festival da Canção de Grushinsky.

“Kid-E-Cats” é uma animação infantil dirigida por Andrey Sikorsky e Dmitriy Vysotskiy e conhecida das crianças brasileiras que assistem à TV Cultura. Afinal, a emissora paulistana, famosa pelas séries “Bambalalão” e “Castelo Rá-Tim-Bum”, a selecionou para sua grade.

A animação eslava mostra, no dia-a-dia, as relações e aventuras de três pequenos gatinhos curiosos: Cookie, seu irmãozinho Pudim e sua irmãzinha Candy. Na sua grande família, a vida nunca para: juntos, eles aprendem a expressar suas emoções, a apoiar-se mutuamente e a encontrar saídas para quaisquer situações, mesmo difíceis à primeira vista, com a ajuda da imaginação e dos conselhos dos pais.

 

II Festival Roskino de Cinema Russo
Versão on-line e gratuita, disponível em todo território brasileiro
Data: 15 de setembro a 10 de outubro
Promoção do Ministério da Cultura da Rússia, em parceria com a Spcine
Sete dos oito longas-metragens estarão disponíveis com legendas em português. Os personagens da série de animação “Kid-E-Cats” foram dublados
Transmissão pela plataforma Supo Mungam Plus
Mais informações: www.rbth.com

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