Entre as paredes de um motel

“Namorados para Sempre ”, de Derek Cianfrance , pelo título , sugere tratar-se de comédia romântica, ou mesmo traz à lembrança “9 ½ semanas de amor”, cult dos anos 80. Cindy e Dean se isolam num motel para terem momentos de amor que foram roubados pelo turbilhão da vida cotidiana. Eles são casados, têm uma filha de cinco anos, deixam a menina com o pai de Cindy e se preparam para a estada no motel como se fossem para uma viagem ao Tibet. Nas primeiras cenas fica a impressão de um casal que espera, com o artifício do isolamento, reviver momentos de felicidade perdidos no passado. No caminho, um encontro casual entre Cindy e um rapaz num supermercado anuncia que há algo mais a ser encaixado no idílio amoroso do casal. O que apenas fora sugerido na casualidade do encontro se revela aos poucos. O rapaz do supermercado fora um antigo envolvimento de Cindy e é o pai legítimo de sua filha.

A narrativa se desenvolve, então, em contraponto; alternam-se cenas em que o trio principal é apresentado no passado, sobre o ambiente no qual circulam, sobre as amizades, os afazeres e a maneira como Dean entra na vida de Cindy. No entanto , o recurso ao flash back não é adotado. O presente é rompido abruptamente com uma cena do passado, em seguida novamente a ação volta ao presente. Esse procedimento oferece ao espectador as circunstâncias bastante especiais do enlace entre Cindy e Dean, a presença do antigo namorado, a gravidez indesejada e finalmente a decisão de se casarem. A partir de certo momento o espectador é suficientemente informado de que Cindy e Dean desde o início tiveram uma relação marcada pelo movimento de mão única: Dean sempre fora apaixonado por ela, moveu pedras e montanhas para tê-la, assumiu uma filha que não era dele só para ter Cindy ao seu lado. Nessa altura da trama fica claro que o título do filme não tem nada a ver com uma comédia romântica e está longe do descolado clássico yuppie “9 ½ semanas de amor”. “Namorados para sempre” é um drama com título propositadamente ambíguo, no original “Blue Valentine”, que invoca tanto o azul como símbolo de liberdade, imensidão que se abre para a felicidade, quanto o sentimento de pesar e melancolia.

No motel, com o quarto decorado com motivos futuristas, Cindy e Dean não se amam, reafirmam os conflitos e diferenças que existiram entre eles desde quando se encontraram. A tentativa de resolução dos conflitos apenas acentua que para eles o casamento não passou de um indigesto mal-entendido . Dean é o lado fraco da relação. Como no primeiro encontro, se submete a humilhações para ter Cindy. Ela, por sua vez, se sente culpada por não dar a ele o que é vital para que um relacionamento seja de fato de mão dupla. Assim, ela empurra as tensões com a barriga até onde, como é de se esperar, não há qualquer saída senão a separação.

A trama de “Namorados para sempre” é comum; nenhuma novidade de tema nem de tratamento; o final é previsível tão logo o espectador perceba as enormes diferenças de estilo de vida no casal principal. Deve-se ressaltar, contudo, que se trata de um filme com enorme potencial para sensibilizar jovens casais que se identifiquem com os infortúnios de Cindy e Dean: o namoro casual, as expectativas de realização, as diferenças, tudo isso é apagado a um preço que não há artifício em motel que pague as desavenças no futuro. Fora esse possível elemento de identificação mais imediata, “Namorados para sempre” pode deixar na memória do espectador um ar de tristeza com a cena final: depois de uma briga na casa do pai de Cindy, ele a deixa com a filha e caminha pela calçada de uma rua na Pensilvânia, enquanto ao fundo se vê os fogos de artifício no dia de San Valetine, 14 de fevereiro, o dia dos namorados nos Estados Unidos e na Europa.

Por Humberto Pereira da Silva